Sociólogo, membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Simon Schwartzman escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O novo plano vem aí?


Precisamos de políticas inovadoras e audaciosas para a educação como um todo, muito além de planos ambiciosos que ficam no papel

Por Simon Schwartzman

Em 2024 termina o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado pelo Congresso em 2014, que ficou praticamente todo sem se cumprir, e já se veem movimentos para elaborar um novo, que deveria entrar em vigor em 2025, com o risco de ter o mesmo destino. O fracasso do PNE de 2014 não foi nenhuma surpresa. Em 2011, quando ainda estava em gestação, escrevi com alguns colegas um artigo em que dizíamos que o plano não passava de uma “lista de Papai Noel”, que colocava no papel objetivos inalcançáveis e deixava de lado reformas fundamentais, como a da formação de professores, a diferenciação do ensino médio, o fortalecimento da educação profissional, o alinhamento dos currículos com sistemas de avaliação e outras.

Se a inteligência natural não nos ajudou a elaborar políticas educacionais efetivas, quem sabe agora a inteligência artificial nos ajude? Pedi ao ChatGPT que me indicasse quais países tinham planos nacionais de educação, e ele listou Brasil, Portugal, México, Chile, Colômbia e Índia. Perguntei que países haviam obtido os melhores resultados educacionais nos últimos anos, e ele listou Finlândia, Cingapura, Coreia do Sul, Canadá e Japão. Ou seja, uma coisa parece excluir a outra. Acacianamente, o ChatGPT me fez lembrar que “o sucesso na educação não pode ser atribuído apenas a um plano nacional, mas sim a uma combinação de políticas, práticas e investimentos ao longo do tempo”. Chile e Portugal são dois países que melhoraram a qualidade de sua educação nos últimos anos, medida pelos resultados nas provas internacionais do Pisa, mas isso não se explica por seus planos, e sim por reformas específicas na formação de professores, aperfeiçoamento dos currículos, sistemas adequados de acompanhamento de resultados e outros, além do aumento de investimentos.

Além da educação em geral, o PNE tinha metas específicas para o ensino superior, e existiu um plano nacional de pós-graduação para o período de 2011 a 2020, que agora se está tentando ressuscitar. Para a educação superior, o PNE tinha três metas principais: aumentar o total de matrículas, aumentar a proporção de jovens no ensino superior e aumentar a proporção de matrículas no setor público. Das três, a única que se cumpriu foi a primeira, mas ela se deu sobretudo pela expansão do setor privado, que hoje cobre 75% da matrícula, e o aumento da proporção de estudantes mais velhos. Nos últimos anos, os temas que têm predominado nas discussões sobre o ensino superior são a ampliação do acesso, incluindo as políticas de cotas, e as dificuldades de financiamento do ensino superior público. Na realidade, o acesso ao ensino superior no Brasil aumentou muito entre 2000 e 2015, antes, portanto, do plano, passando de pouco menos de 3 milhões para 8 milhões de matrículas, graças sobretudo ao subsídio descontrolado dos governos do PT ao setor privado, na forma de isenções fiscais e crédito estudantil garantido pelo governo federal.

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Foi a ampliação do setor privado, e não as políticas de cotas para as universidades públicas, que fez com que aumentasse o acesso de pessoas de condição social mais precária ao ensino superior. Mas isso se fez a um alto custo não só em dinheiro público e privado, mas em termos de frustração de milhões que não passam no filtro do Enem, de mais da metade dos estudantes que abandonam os cursos superiores antes de terminá-los, e da metade que termina com um diploma, mas só consegue trabalhar em atividades de nível médio.

Os problemas de financiamento das instituições públicas, que são graves, estão associados aos custos crescentes de pessoal e à inexistência de um sistema adequado que vincule investimentos a resultados, e não, simplesmente, à existência ou não de “vontade política” deste ou daquele governante a favor do ensino superior, embora isso não possa ser desprezado.

Na pós-graduação, as duas metas principais, de aumentar o número de mestres e doutores nos cursos stricto sensu, para 60 mil e 20 mil por ano, respectivamente, foram cumpridas, mas sem considerar o número muito maior de pessoas que fazem cursos de pós-graduação e especialização não regulados, nem um entendimento mais aprofundado de quem são e o que fazem efetivamente estes pós-graduados. A justificativa para o subsídio generalizado aos mestrados e doutorados é de que a pós-graduação seria o espaço de formação de nossos pesquisadores, mas há indicações de que os vínculos entre a pós-graduação e a pesquisa tendem a ser mais a exceção do que a regra.

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O ensino à distância, novas tecnologias como as da inteligência artificial, as mudanças profundas que estão ocorrendo nas profissões e no mercado de trabalho, as crescentes desigualdades de resultados de aprendizagem e oportunidades de trabalho para os formados nas diferentes carreiras, tipos e modalidades de instituições, os custos crescentes de financiamento, a precariedade das instituições de pesquisa, tudo isso mostra que precisamos de políticas inovadoras e audaciosas para a educação como um todo, muito além dos temas tradicionais de acesso, inclusão e financiamento e de planos ambiciosos que ficam no papel.

*

SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Em 2024 termina o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado pelo Congresso em 2014, que ficou praticamente todo sem se cumprir, e já se veem movimentos para elaborar um novo, que deveria entrar em vigor em 2025, com o risco de ter o mesmo destino. O fracasso do PNE de 2014 não foi nenhuma surpresa. Em 2011, quando ainda estava em gestação, escrevi com alguns colegas um artigo em que dizíamos que o plano não passava de uma “lista de Papai Noel”, que colocava no papel objetivos inalcançáveis e deixava de lado reformas fundamentais, como a da formação de professores, a diferenciação do ensino médio, o fortalecimento da educação profissional, o alinhamento dos currículos com sistemas de avaliação e outras.

Se a inteligência natural não nos ajudou a elaborar políticas educacionais efetivas, quem sabe agora a inteligência artificial nos ajude? Pedi ao ChatGPT que me indicasse quais países tinham planos nacionais de educação, e ele listou Brasil, Portugal, México, Chile, Colômbia e Índia. Perguntei que países haviam obtido os melhores resultados educacionais nos últimos anos, e ele listou Finlândia, Cingapura, Coreia do Sul, Canadá e Japão. Ou seja, uma coisa parece excluir a outra. Acacianamente, o ChatGPT me fez lembrar que “o sucesso na educação não pode ser atribuído apenas a um plano nacional, mas sim a uma combinação de políticas, práticas e investimentos ao longo do tempo”. Chile e Portugal são dois países que melhoraram a qualidade de sua educação nos últimos anos, medida pelos resultados nas provas internacionais do Pisa, mas isso não se explica por seus planos, e sim por reformas específicas na formação de professores, aperfeiçoamento dos currículos, sistemas adequados de acompanhamento de resultados e outros, além do aumento de investimentos.

Além da educação em geral, o PNE tinha metas específicas para o ensino superior, e existiu um plano nacional de pós-graduação para o período de 2011 a 2020, que agora se está tentando ressuscitar. Para a educação superior, o PNE tinha três metas principais: aumentar o total de matrículas, aumentar a proporção de jovens no ensino superior e aumentar a proporção de matrículas no setor público. Das três, a única que se cumpriu foi a primeira, mas ela se deu sobretudo pela expansão do setor privado, que hoje cobre 75% da matrícula, e o aumento da proporção de estudantes mais velhos. Nos últimos anos, os temas que têm predominado nas discussões sobre o ensino superior são a ampliação do acesso, incluindo as políticas de cotas, e as dificuldades de financiamento do ensino superior público. Na realidade, o acesso ao ensino superior no Brasil aumentou muito entre 2000 e 2015, antes, portanto, do plano, passando de pouco menos de 3 milhões para 8 milhões de matrículas, graças sobretudo ao subsídio descontrolado dos governos do PT ao setor privado, na forma de isenções fiscais e crédito estudantil garantido pelo governo federal.

Foi a ampliação do setor privado, e não as políticas de cotas para as universidades públicas, que fez com que aumentasse o acesso de pessoas de condição social mais precária ao ensino superior. Mas isso se fez a um alto custo não só em dinheiro público e privado, mas em termos de frustração de milhões que não passam no filtro do Enem, de mais da metade dos estudantes que abandonam os cursos superiores antes de terminá-los, e da metade que termina com um diploma, mas só consegue trabalhar em atividades de nível médio.

Os problemas de financiamento das instituições públicas, que são graves, estão associados aos custos crescentes de pessoal e à inexistência de um sistema adequado que vincule investimentos a resultados, e não, simplesmente, à existência ou não de “vontade política” deste ou daquele governante a favor do ensino superior, embora isso não possa ser desprezado.

Na pós-graduação, as duas metas principais, de aumentar o número de mestres e doutores nos cursos stricto sensu, para 60 mil e 20 mil por ano, respectivamente, foram cumpridas, mas sem considerar o número muito maior de pessoas que fazem cursos de pós-graduação e especialização não regulados, nem um entendimento mais aprofundado de quem são e o que fazem efetivamente estes pós-graduados. A justificativa para o subsídio generalizado aos mestrados e doutorados é de que a pós-graduação seria o espaço de formação de nossos pesquisadores, mas há indicações de que os vínculos entre a pós-graduação e a pesquisa tendem a ser mais a exceção do que a regra.

O ensino à distância, novas tecnologias como as da inteligência artificial, as mudanças profundas que estão ocorrendo nas profissões e no mercado de trabalho, as crescentes desigualdades de resultados de aprendizagem e oportunidades de trabalho para os formados nas diferentes carreiras, tipos e modalidades de instituições, os custos crescentes de financiamento, a precariedade das instituições de pesquisa, tudo isso mostra que precisamos de políticas inovadoras e audaciosas para a educação como um todo, muito além dos temas tradicionais de acesso, inclusão e financiamento e de planos ambiciosos que ficam no papel.

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SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Em 2024 termina o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado pelo Congresso em 2014, que ficou praticamente todo sem se cumprir, e já se veem movimentos para elaborar um novo, que deveria entrar em vigor em 2025, com o risco de ter o mesmo destino. O fracasso do PNE de 2014 não foi nenhuma surpresa. Em 2011, quando ainda estava em gestação, escrevi com alguns colegas um artigo em que dizíamos que o plano não passava de uma “lista de Papai Noel”, que colocava no papel objetivos inalcançáveis e deixava de lado reformas fundamentais, como a da formação de professores, a diferenciação do ensino médio, o fortalecimento da educação profissional, o alinhamento dos currículos com sistemas de avaliação e outras.

Se a inteligência natural não nos ajudou a elaborar políticas educacionais efetivas, quem sabe agora a inteligência artificial nos ajude? Pedi ao ChatGPT que me indicasse quais países tinham planos nacionais de educação, e ele listou Brasil, Portugal, México, Chile, Colômbia e Índia. Perguntei que países haviam obtido os melhores resultados educacionais nos últimos anos, e ele listou Finlândia, Cingapura, Coreia do Sul, Canadá e Japão. Ou seja, uma coisa parece excluir a outra. Acacianamente, o ChatGPT me fez lembrar que “o sucesso na educação não pode ser atribuído apenas a um plano nacional, mas sim a uma combinação de políticas, práticas e investimentos ao longo do tempo”. Chile e Portugal são dois países que melhoraram a qualidade de sua educação nos últimos anos, medida pelos resultados nas provas internacionais do Pisa, mas isso não se explica por seus planos, e sim por reformas específicas na formação de professores, aperfeiçoamento dos currículos, sistemas adequados de acompanhamento de resultados e outros, além do aumento de investimentos.

Além da educação em geral, o PNE tinha metas específicas para o ensino superior, e existiu um plano nacional de pós-graduação para o período de 2011 a 2020, que agora se está tentando ressuscitar. Para a educação superior, o PNE tinha três metas principais: aumentar o total de matrículas, aumentar a proporção de jovens no ensino superior e aumentar a proporção de matrículas no setor público. Das três, a única que se cumpriu foi a primeira, mas ela se deu sobretudo pela expansão do setor privado, que hoje cobre 75% da matrícula, e o aumento da proporção de estudantes mais velhos. Nos últimos anos, os temas que têm predominado nas discussões sobre o ensino superior são a ampliação do acesso, incluindo as políticas de cotas, e as dificuldades de financiamento do ensino superior público. Na realidade, o acesso ao ensino superior no Brasil aumentou muito entre 2000 e 2015, antes, portanto, do plano, passando de pouco menos de 3 milhões para 8 milhões de matrículas, graças sobretudo ao subsídio descontrolado dos governos do PT ao setor privado, na forma de isenções fiscais e crédito estudantil garantido pelo governo federal.

Foi a ampliação do setor privado, e não as políticas de cotas para as universidades públicas, que fez com que aumentasse o acesso de pessoas de condição social mais precária ao ensino superior. Mas isso se fez a um alto custo não só em dinheiro público e privado, mas em termos de frustração de milhões que não passam no filtro do Enem, de mais da metade dos estudantes que abandonam os cursos superiores antes de terminá-los, e da metade que termina com um diploma, mas só consegue trabalhar em atividades de nível médio.

Os problemas de financiamento das instituições públicas, que são graves, estão associados aos custos crescentes de pessoal e à inexistência de um sistema adequado que vincule investimentos a resultados, e não, simplesmente, à existência ou não de “vontade política” deste ou daquele governante a favor do ensino superior, embora isso não possa ser desprezado.

Na pós-graduação, as duas metas principais, de aumentar o número de mestres e doutores nos cursos stricto sensu, para 60 mil e 20 mil por ano, respectivamente, foram cumpridas, mas sem considerar o número muito maior de pessoas que fazem cursos de pós-graduação e especialização não regulados, nem um entendimento mais aprofundado de quem são e o que fazem efetivamente estes pós-graduados. A justificativa para o subsídio generalizado aos mestrados e doutorados é de que a pós-graduação seria o espaço de formação de nossos pesquisadores, mas há indicações de que os vínculos entre a pós-graduação e a pesquisa tendem a ser mais a exceção do que a regra.

O ensino à distância, novas tecnologias como as da inteligência artificial, as mudanças profundas que estão ocorrendo nas profissões e no mercado de trabalho, as crescentes desigualdades de resultados de aprendizagem e oportunidades de trabalho para os formados nas diferentes carreiras, tipos e modalidades de instituições, os custos crescentes de financiamento, a precariedade das instituições de pesquisa, tudo isso mostra que precisamos de políticas inovadoras e audaciosas para a educação como um todo, muito além dos temas tradicionais de acesso, inclusão e financiamento e de planos ambiciosos que ficam no papel.

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