Sociólogo, membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Simon Schwartzman escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Vinculação de recursos e autonomia universitária em SP


Ao lado dos bons resultados, existem outros, preocupantes, que sugerem que o sistema público paulista não pode continuar acomodado

Por Simon Schwartzman

Desde 1989 o Estado de São Paulo vincula 9,57% de sua arrecadação do ICMS para suas três universidades, em uma proporção fixa de 5,02% para a USP, 2,34% para a Unesp e 2,19% para a Unicamp. Neste ano, o governo do Estado tentou incluir outras instituições estaduais nessa conta, mas voltou atrás depois dos protestos dos reitores. Essa vinculação tem sido defendida como garantia da autonomia financeira contra a instabilidade e as interferências de políticos que afetam, por contraste, as universidades federais.

Muitos dados têm sido apresentados como prova de que a autonomia tem funcionado, como o aumento da produção científica, as posições da USP e Unicamp nos rankings internacionais e a qualidade profissional dos formados pelas principais faculdades. Mas é difícil saber se esses bons resultados se devem à vinculação financeira ou a outros fatores, como a disponibilidade de recursos e a maneira pela qual professores e alunos são selecionados entre os mais qualificados do Estado mais rico do País. E, ao lado dos bons resultados, existem outros, preocupantes, que sugerem que o sistema público paulista não pode continuar acomodado.

O dado mais evidente, que mereceria maior atenção, é a cobertura extremamente reduzida do setor público estadual. No Brasil como um todo, em 2022, 78% da matrícula no ensino superior estava em instituições privadas. No Estado de São Paulo, essa proporção sobe para 84,3%. O setor estadual público só atende a 11% dos alunos de graduação, sendo 120 mil nas três universidades, para uma matrícula total de 2,5 milhões no Estado. O setor federal, menos de 3%. Isso é o resultado de uma política deliberada, de manter um sistema público pequeno e elitista, deixando o setor privado lidar com o resto? Não parece, dada a preocupação nos últimos anos com as políticas de ação afirmativa. Não seria mais justo, socialmente, investir mais dinheiro público em instituições de mais fácil acesso e mais eficientes e baratas, como as do sistema Paula Souza, a Universidade Virtual e parcerias, proporcionando formação mais prática, gratuita e de boa qualidade para mais gente? E como combinar isso com a manutenção de qualidade da pesquisa e da formação de alto nível dos cursos mais tradicionais?

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Se o sistema atual falha do ponto de vista da cobertura e equidade, ele também tem problemas na outra ponta, de manutenção e garantia da excelência. O processo de concursos públicos para escolha de professores é formal, burocrático e dificulta que as universidades recrutem professores com perfis adequados para suas necessidades. A rigidez e padronização das carreiras e salários faz com que muitas áreas não consigam mais competir com o setor privado e instituições internacionais pelo talento que seria indispensável para dar continuidade às pesquisas de ponta e à formação de alto nível de que o País necessita.

Nestas questões, tenho ouvido o argumento de que o ótimo é inimigo do bom, e que é melhor manter a rigidez orçamentária conquistada 35 anos atrás do que abrir o vespeiro de sua revisão anual. Mas seria lamentável se conformar com a ideia de que instituições com tantas qualidades não deveriam buscar novos caminhos. A reforma tributária, com o fim do ICMS, de qualquer maneira vai forçar uma revisão, e é melhor, para as universidades, saírem à frente com novas propostas do que serem atropeladas.

Um novo modelo para o sistema estadual deveria contemplar pelo menos três aspectos. O primeiro é elaborar um plano diretor que tome em conta os objetivos de médio e longo prazo que o setor público deve ter e as parcerias que precisa estabelecer com outros níveis de governo e o setor privado para aumentar a cobertura, a qualidade e as vocações das diferentes instituições na formação profissional, formação para o magistério, pesquisa e cultura. Deve ser um documento conciso, construído em diálogo com diferentes setores, que estabeleça um consenso básico sobre o que o Estado deve fazer. Há anos que o conhecido sistema da Califórnia, com seus community colleges, universidades estaduais de ensino e a pós-graduação e pesquisa concentrados na Universidade da Califórnia, tem sido citado como um modelo que o Estado poderia adotar, e ainda pode servir de inspiração. O segundo é criar um mecanismo regular de elaboração de orçamentos plurianuais com participantes e processos definidos que possa garantir estabilidade de recursos e espaço para aperfeiçoamentos e mudanças de rumos com metas e indicadores de resultados conforme o plano diretor, e não somente das antigas vinculações. E terceiro, fortalecer ainda mais a autonomia universitária, sobretudo no que se refere à flexibilidade no uso de recursos, processos administrativos e políticas de recrutamento, contratação e remuneração de professores, que não podem continuar a serem rígidos e idênticos para todas as instituições e áreas de atuação.

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Com isso, o sistema público paulista poderia de fato se tornar mais funcional e equitativo, e suas universidades poderiam finalmente entrar para o século 21, como todos desejamos.

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SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Desde 1989 o Estado de São Paulo vincula 9,57% de sua arrecadação do ICMS para suas três universidades, em uma proporção fixa de 5,02% para a USP, 2,34% para a Unesp e 2,19% para a Unicamp. Neste ano, o governo do Estado tentou incluir outras instituições estaduais nessa conta, mas voltou atrás depois dos protestos dos reitores. Essa vinculação tem sido defendida como garantia da autonomia financeira contra a instabilidade e as interferências de políticos que afetam, por contraste, as universidades federais.

Muitos dados têm sido apresentados como prova de que a autonomia tem funcionado, como o aumento da produção científica, as posições da USP e Unicamp nos rankings internacionais e a qualidade profissional dos formados pelas principais faculdades. Mas é difícil saber se esses bons resultados se devem à vinculação financeira ou a outros fatores, como a disponibilidade de recursos e a maneira pela qual professores e alunos são selecionados entre os mais qualificados do Estado mais rico do País. E, ao lado dos bons resultados, existem outros, preocupantes, que sugerem que o sistema público paulista não pode continuar acomodado.

O dado mais evidente, que mereceria maior atenção, é a cobertura extremamente reduzida do setor público estadual. No Brasil como um todo, em 2022, 78% da matrícula no ensino superior estava em instituições privadas. No Estado de São Paulo, essa proporção sobe para 84,3%. O setor estadual público só atende a 11% dos alunos de graduação, sendo 120 mil nas três universidades, para uma matrícula total de 2,5 milhões no Estado. O setor federal, menos de 3%. Isso é o resultado de uma política deliberada, de manter um sistema público pequeno e elitista, deixando o setor privado lidar com o resto? Não parece, dada a preocupação nos últimos anos com as políticas de ação afirmativa. Não seria mais justo, socialmente, investir mais dinheiro público em instituições de mais fácil acesso e mais eficientes e baratas, como as do sistema Paula Souza, a Universidade Virtual e parcerias, proporcionando formação mais prática, gratuita e de boa qualidade para mais gente? E como combinar isso com a manutenção de qualidade da pesquisa e da formação de alto nível dos cursos mais tradicionais?

Se o sistema atual falha do ponto de vista da cobertura e equidade, ele também tem problemas na outra ponta, de manutenção e garantia da excelência. O processo de concursos públicos para escolha de professores é formal, burocrático e dificulta que as universidades recrutem professores com perfis adequados para suas necessidades. A rigidez e padronização das carreiras e salários faz com que muitas áreas não consigam mais competir com o setor privado e instituições internacionais pelo talento que seria indispensável para dar continuidade às pesquisas de ponta e à formação de alto nível de que o País necessita.

Nestas questões, tenho ouvido o argumento de que o ótimo é inimigo do bom, e que é melhor manter a rigidez orçamentária conquistada 35 anos atrás do que abrir o vespeiro de sua revisão anual. Mas seria lamentável se conformar com a ideia de que instituições com tantas qualidades não deveriam buscar novos caminhos. A reforma tributária, com o fim do ICMS, de qualquer maneira vai forçar uma revisão, e é melhor, para as universidades, saírem à frente com novas propostas do que serem atropeladas.

Um novo modelo para o sistema estadual deveria contemplar pelo menos três aspectos. O primeiro é elaborar um plano diretor que tome em conta os objetivos de médio e longo prazo que o setor público deve ter e as parcerias que precisa estabelecer com outros níveis de governo e o setor privado para aumentar a cobertura, a qualidade e as vocações das diferentes instituições na formação profissional, formação para o magistério, pesquisa e cultura. Deve ser um documento conciso, construído em diálogo com diferentes setores, que estabeleça um consenso básico sobre o que o Estado deve fazer. Há anos que o conhecido sistema da Califórnia, com seus community colleges, universidades estaduais de ensino e a pós-graduação e pesquisa concentrados na Universidade da Califórnia, tem sido citado como um modelo que o Estado poderia adotar, e ainda pode servir de inspiração. O segundo é criar um mecanismo regular de elaboração de orçamentos plurianuais com participantes e processos definidos que possa garantir estabilidade de recursos e espaço para aperfeiçoamentos e mudanças de rumos com metas e indicadores de resultados conforme o plano diretor, e não somente das antigas vinculações. E terceiro, fortalecer ainda mais a autonomia universitária, sobretudo no que se refere à flexibilidade no uso de recursos, processos administrativos e políticas de recrutamento, contratação e remuneração de professores, que não podem continuar a serem rígidos e idênticos para todas as instituições e áreas de atuação.

Com isso, o sistema público paulista poderia de fato se tornar mais funcional e equitativo, e suas universidades poderiam finalmente entrar para o século 21, como todos desejamos.

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SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Desde 1989 o Estado de São Paulo vincula 9,57% de sua arrecadação do ICMS para suas três universidades, em uma proporção fixa de 5,02% para a USP, 2,34% para a Unesp e 2,19% para a Unicamp. Neste ano, o governo do Estado tentou incluir outras instituições estaduais nessa conta, mas voltou atrás depois dos protestos dos reitores. Essa vinculação tem sido defendida como garantia da autonomia financeira contra a instabilidade e as interferências de políticos que afetam, por contraste, as universidades federais.

Muitos dados têm sido apresentados como prova de que a autonomia tem funcionado, como o aumento da produção científica, as posições da USP e Unicamp nos rankings internacionais e a qualidade profissional dos formados pelas principais faculdades. Mas é difícil saber se esses bons resultados se devem à vinculação financeira ou a outros fatores, como a disponibilidade de recursos e a maneira pela qual professores e alunos são selecionados entre os mais qualificados do Estado mais rico do País. E, ao lado dos bons resultados, existem outros, preocupantes, que sugerem que o sistema público paulista não pode continuar acomodado.

O dado mais evidente, que mereceria maior atenção, é a cobertura extremamente reduzida do setor público estadual. No Brasil como um todo, em 2022, 78% da matrícula no ensino superior estava em instituições privadas. No Estado de São Paulo, essa proporção sobe para 84,3%. O setor estadual público só atende a 11% dos alunos de graduação, sendo 120 mil nas três universidades, para uma matrícula total de 2,5 milhões no Estado. O setor federal, menos de 3%. Isso é o resultado de uma política deliberada, de manter um sistema público pequeno e elitista, deixando o setor privado lidar com o resto? Não parece, dada a preocupação nos últimos anos com as políticas de ação afirmativa. Não seria mais justo, socialmente, investir mais dinheiro público em instituições de mais fácil acesso e mais eficientes e baratas, como as do sistema Paula Souza, a Universidade Virtual e parcerias, proporcionando formação mais prática, gratuita e de boa qualidade para mais gente? E como combinar isso com a manutenção de qualidade da pesquisa e da formação de alto nível dos cursos mais tradicionais?

Se o sistema atual falha do ponto de vista da cobertura e equidade, ele também tem problemas na outra ponta, de manutenção e garantia da excelência. O processo de concursos públicos para escolha de professores é formal, burocrático e dificulta que as universidades recrutem professores com perfis adequados para suas necessidades. A rigidez e padronização das carreiras e salários faz com que muitas áreas não consigam mais competir com o setor privado e instituições internacionais pelo talento que seria indispensável para dar continuidade às pesquisas de ponta e à formação de alto nível de que o País necessita.

Nestas questões, tenho ouvido o argumento de que o ótimo é inimigo do bom, e que é melhor manter a rigidez orçamentária conquistada 35 anos atrás do que abrir o vespeiro de sua revisão anual. Mas seria lamentável se conformar com a ideia de que instituições com tantas qualidades não deveriam buscar novos caminhos. A reforma tributária, com o fim do ICMS, de qualquer maneira vai forçar uma revisão, e é melhor, para as universidades, saírem à frente com novas propostas do que serem atropeladas.

Um novo modelo para o sistema estadual deveria contemplar pelo menos três aspectos. O primeiro é elaborar um plano diretor que tome em conta os objetivos de médio e longo prazo que o setor público deve ter e as parcerias que precisa estabelecer com outros níveis de governo e o setor privado para aumentar a cobertura, a qualidade e as vocações das diferentes instituições na formação profissional, formação para o magistério, pesquisa e cultura. Deve ser um documento conciso, construído em diálogo com diferentes setores, que estabeleça um consenso básico sobre o que o Estado deve fazer. Há anos que o conhecido sistema da Califórnia, com seus community colleges, universidades estaduais de ensino e a pós-graduação e pesquisa concentrados na Universidade da Califórnia, tem sido citado como um modelo que o Estado poderia adotar, e ainda pode servir de inspiração. O segundo é criar um mecanismo regular de elaboração de orçamentos plurianuais com participantes e processos definidos que possa garantir estabilidade de recursos e espaço para aperfeiçoamentos e mudanças de rumos com metas e indicadores de resultados conforme o plano diretor, e não somente das antigas vinculações. E terceiro, fortalecer ainda mais a autonomia universitária, sobretudo no que se refere à flexibilidade no uso de recursos, processos administrativos e políticas de recrutamento, contratação e remuneração de professores, que não podem continuar a serem rígidos e idênticos para todas as instituições e áreas de atuação.

Com isso, o sistema público paulista poderia de fato se tornar mais funcional e equitativo, e suas universidades poderiam finalmente entrar para o século 21, como todos desejamos.

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