O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deve ter olhado o histórico de negociações de paz entre israelenses e palestinos conduzidas por seus antecessores – todas fracassaram no objetivo final, em que pesem alguns avanços pontuais – e decidiu inovar ao chegar sua vez de mediar as conversas: elas não aconteceram, pelo menos não com os palestinos. Que acordo, então, é este?
O “acordo de paz” proposto por Trump não é sério, nem sequer é digno desse nome. O que foi anunciado pelo presidente norte-americano, que tinha a seu lado somente o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, está mais próximo de um contrato de adesão imposto aos palestinos do que de um acordo propriamente dito. Acordo pressupõe negociação em torno de pontos das agendas de ambas as partes na busca por um entendimento final mutuamente satisfatório para pôr fim a um dissídio.
Com a imodéstia que o caracteriza, Trump comunicou os termos do que classificou como “acordo do século”. Na verdade, pontos que seu genro, Jared Kushner, vinha tratando apenas com as autoridades israelenses há três anos. A proposta reconhece os atuais assentamentos israelenses na Cisjordânia. Israel ficaria impedido de realizar novas anexações pelos próximos quatro anos, prazo que as lideranças palestinas teriam para negociar as condições para fundação do Estado Palestino, que teria “soberania limitada”. Jerusalém seria reconhecida como “a capital indivisível de Israel”, incluindo sua porção oriental, cujo controle há muito é reivindicado pelos palestinos. A Israel caberia ainda controlar o Vale do Jordão, o que isolaria o Estado Palestino em um “bolsão” que lembra os bantustões nos quais o regime do apartheid mantinha os negros segregados na África do Sul, como comparou Khaled Elgindy, experiente negociador palestino.
O “acordo de paz” apresentado por Trump propõe manter as coisas como estão, acrescentando algumas concessões a Israel. No fundo, a proposta legitima e estimula a política de anexação de territórios tão cara a Netanyahu (ressalte-se que seu opositor, Benny Gantz, foi consultado e igualmente concordou com os termos propostos).
Caso o “acordo” fosse aceito pelos palestinos, o presidente Trump investiria US$ 50 bilhões no futuro Estado Palestino em dez anos, além de acenar com a abertura de uma embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém oriental. A proposta é tão mal formulada que Trump nem sequer conseguiu explicar como seria possível abrir uma embaixada de seu país em “território palestino” sem ferir a soberania israelense, haja vista que Jerusalém, nos termos propostos, seria “a capital indivisível de Israel”.
Os palestinos rejeitaram a proposta, como era esperado. “Não é o acordo do século. É o golpe do século. Jerusalém não está à venda. Dizemos mil vezes ‘não’ ao plano de Trump”, afirmou Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina na Cisjordânia.
O governo brasileiro classificou a proposta como uma “iniciativa valiosa que, com a boa vontade de todos os envolvidos, permite vislumbrar a esperança de uma paz sólida” na região. Para a ONU, permanecem válidas as fronteiras definidas em 1967.
Tudo conspira contra esse simulacro de acordo. Primeiro, por pecar no básico, ou seja, não envolver nas tratativas uma das partes interessadas. Segundo, porque é difícil ver em Trump e em Netanyahu sinais de boa-fé. Trump vê-se às voltas com um processo de impeachment e com sua campanha pela reeleição. Já Netanyahu luta para se manter no cargo e evitar o risco de ir para a prisão por corrupção após a conclusão dos processos a que responde.
Tal como foi formulado, o novo “acordo de paz” parece mais um movimento de campanha, tanto para Trump como para Netanyahu, do que uma genuína tentativa de chegar à concórdia na região. A bem da verdade, contribui para a manutenção do conflito por muitos anos à frente.