STF enfraquece a imunidade parlamentar


O constituinte foi cristalino: congressistas são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer opiniões. Mas, de exceção em exceção, a imunidade parlamentar está sendo anulada

Por Notas & Informações

O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi indiciado por calúnia pela Polícia Federal (PF) em um inquérito sigiloso – mais um – relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em razão de um discurso na Câmara em que acusou o delegado da PF Fábio Schor, responsável por inquéritos supervisionados pelo ministro Alexandre de Moraes, de criar “relatórios fraudulentos”.

Recentemente, perante uma comissão do Senado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, justificou o indiciamento: “Se da tribuna um deputado cometer crime contra a honra, seja contra colega ou qualquer cidadão, ele não tem imunidade”. Tal ignorância sobre a imunidade parlamentar, princípio basilar das democracias liberais, é triplamente perturbadora quando manifestada por alguém que é, ao mesmo tempo, jurista, ministro da Justiça e ex-integrante da Corte constitucional.

A imunidade parlamentar antecede à República. Ela já figurava na primeira Constituição, de 1824, e foi consagrada na de 1988 em seu art. 53: “Deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não se trata de privilégio pessoal. A proteção não é da pessoa, mas do cargo que exerce por incumbência do eleitorado. É uma garantia de independência dos parlamentares ante outros Poderes, para que possam dizer o que pensam – e eventualmente denunciar irregularidades – sem risco de constrangimento.

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Imunidade não é impunidade. A Constituição prevê a perda de mandato por abuso dessa prerrogativa. Já em 2000, por exemplo, este jornal pediu a cassação do deputado Jair Bolsonaro por conclamar o fuzilamento do presidente da República. Mas esta é uma decisão que a Carta confere exclusivamente ao Congresso.

Um tratado de Direito Constitucional de 2012 resume o consenso doutrinário: “Nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais se poderá identificar, por parte do parlamentar, qualquer dos chamados crimes de opinião ou crimes da palavra, como os crimes contra a honra, incitamento ao crime, apologia de criminosos, vilipêndio oral a culto religioso etc.”. O grifo é nosso. O autor é Alexandre de Moraes.

O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, discorda: “Não existe imunidade absoluta”. De fato, o STF vem gradativamente relativizando a norma constitucional. Já em 1992, entendeu que a imunidade se restringe a opiniões proferidas no exercício da função. Só recentemente, numa decisão bastante confusa de 2022 sobre ofensas proferidas em redes sociais pelo senador Jorge Kajuru a colegas parlamentares, a Corte relativizou seu próprio entendimento, estabelecendo que, mesmo no exercício da função a imunidade não comporta discursos difamatórios.

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Ainda assim, a jurisprudência vigente é de que em falas proferidas no interior das Casas Parlamentares não cabe indagar o conteúdo das ofensas nem a conexão com a função legislativa. Nesses casos, independentemente das condições subjetivas ou objetivas do discurso, a inviolabilidade é absoluta. Ainda que a Corte queira reformar mais uma vez seu entendimento e relativizar a norma constitucional mesmo no recinto parlamentar, a decisão não pode retroagir em desfavor de Van Hattem, e o inquérito deveria ser arquivado.

Com frequência cada vez maior, contudo, o STF se mostra impaciente com sua condição de intérprete da Constituição, arrogando-se o papel de seu reformador, mesmo quando a vontade do constituinte é cristalina. Que ambivalência semântica pode haver na expressão “quaisquer” opiniões, palavras e votos? E, no entanto, de exceção em exceção, a Corte está encolhendo a imunidade parlamentar a ponto de anulá-la.

Não seria a primeira anulação da imunidade parlamentar no Brasil. Há mais de 50 anos, o Congresso havia negado ao governo autorização para processar criminalmente um deputado que, da tribuna, denunciara o Exército como um “valhacouto de torturadores”, conclamando um boicote aos desfiles do 7 de Setembro. Foi então que, para assegurar a “autêntica ordem democrática, baseada na liberdade e no respeito à dignidade da pessoa humana”, o Executivo instituiu o AI-5. O resto é história – e, literalmente, silêncio. E, como se sabe, quem ignora a história está condenado a repeti-la.

O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi indiciado por calúnia pela Polícia Federal (PF) em um inquérito sigiloso – mais um – relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em razão de um discurso na Câmara em que acusou o delegado da PF Fábio Schor, responsável por inquéritos supervisionados pelo ministro Alexandre de Moraes, de criar “relatórios fraudulentos”.

Recentemente, perante uma comissão do Senado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, justificou o indiciamento: “Se da tribuna um deputado cometer crime contra a honra, seja contra colega ou qualquer cidadão, ele não tem imunidade”. Tal ignorância sobre a imunidade parlamentar, princípio basilar das democracias liberais, é triplamente perturbadora quando manifestada por alguém que é, ao mesmo tempo, jurista, ministro da Justiça e ex-integrante da Corte constitucional.

A imunidade parlamentar antecede à República. Ela já figurava na primeira Constituição, de 1824, e foi consagrada na de 1988 em seu art. 53: “Deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não se trata de privilégio pessoal. A proteção não é da pessoa, mas do cargo que exerce por incumbência do eleitorado. É uma garantia de independência dos parlamentares ante outros Poderes, para que possam dizer o que pensam – e eventualmente denunciar irregularidades – sem risco de constrangimento.

Imunidade não é impunidade. A Constituição prevê a perda de mandato por abuso dessa prerrogativa. Já em 2000, por exemplo, este jornal pediu a cassação do deputado Jair Bolsonaro por conclamar o fuzilamento do presidente da República. Mas esta é uma decisão que a Carta confere exclusivamente ao Congresso.

Um tratado de Direito Constitucional de 2012 resume o consenso doutrinário: “Nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais se poderá identificar, por parte do parlamentar, qualquer dos chamados crimes de opinião ou crimes da palavra, como os crimes contra a honra, incitamento ao crime, apologia de criminosos, vilipêndio oral a culto religioso etc.”. O grifo é nosso. O autor é Alexandre de Moraes.

O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, discorda: “Não existe imunidade absoluta”. De fato, o STF vem gradativamente relativizando a norma constitucional. Já em 1992, entendeu que a imunidade se restringe a opiniões proferidas no exercício da função. Só recentemente, numa decisão bastante confusa de 2022 sobre ofensas proferidas em redes sociais pelo senador Jorge Kajuru a colegas parlamentares, a Corte relativizou seu próprio entendimento, estabelecendo que, mesmo no exercício da função a imunidade não comporta discursos difamatórios.

Ainda assim, a jurisprudência vigente é de que em falas proferidas no interior das Casas Parlamentares não cabe indagar o conteúdo das ofensas nem a conexão com a função legislativa. Nesses casos, independentemente das condições subjetivas ou objetivas do discurso, a inviolabilidade é absoluta. Ainda que a Corte queira reformar mais uma vez seu entendimento e relativizar a norma constitucional mesmo no recinto parlamentar, a decisão não pode retroagir em desfavor de Van Hattem, e o inquérito deveria ser arquivado.

Com frequência cada vez maior, contudo, o STF se mostra impaciente com sua condição de intérprete da Constituição, arrogando-se o papel de seu reformador, mesmo quando a vontade do constituinte é cristalina. Que ambivalência semântica pode haver na expressão “quaisquer” opiniões, palavras e votos? E, no entanto, de exceção em exceção, a Corte está encolhendo a imunidade parlamentar a ponto de anulá-la.

Não seria a primeira anulação da imunidade parlamentar no Brasil. Há mais de 50 anos, o Congresso havia negado ao governo autorização para processar criminalmente um deputado que, da tribuna, denunciara o Exército como um “valhacouto de torturadores”, conclamando um boicote aos desfiles do 7 de Setembro. Foi então que, para assegurar a “autêntica ordem democrática, baseada na liberdade e no respeito à dignidade da pessoa humana”, o Executivo instituiu o AI-5. O resto é história – e, literalmente, silêncio. E, como se sabe, quem ignora a história está condenado a repeti-la.

O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi indiciado por calúnia pela Polícia Federal (PF) em um inquérito sigiloso – mais um – relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em razão de um discurso na Câmara em que acusou o delegado da PF Fábio Schor, responsável por inquéritos supervisionados pelo ministro Alexandre de Moraes, de criar “relatórios fraudulentos”.

Recentemente, perante uma comissão do Senado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, justificou o indiciamento: “Se da tribuna um deputado cometer crime contra a honra, seja contra colega ou qualquer cidadão, ele não tem imunidade”. Tal ignorância sobre a imunidade parlamentar, princípio basilar das democracias liberais, é triplamente perturbadora quando manifestada por alguém que é, ao mesmo tempo, jurista, ministro da Justiça e ex-integrante da Corte constitucional.

A imunidade parlamentar antecede à República. Ela já figurava na primeira Constituição, de 1824, e foi consagrada na de 1988 em seu art. 53: “Deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não se trata de privilégio pessoal. A proteção não é da pessoa, mas do cargo que exerce por incumbência do eleitorado. É uma garantia de independência dos parlamentares ante outros Poderes, para que possam dizer o que pensam – e eventualmente denunciar irregularidades – sem risco de constrangimento.

Imunidade não é impunidade. A Constituição prevê a perda de mandato por abuso dessa prerrogativa. Já em 2000, por exemplo, este jornal pediu a cassação do deputado Jair Bolsonaro por conclamar o fuzilamento do presidente da República. Mas esta é uma decisão que a Carta confere exclusivamente ao Congresso.

Um tratado de Direito Constitucional de 2012 resume o consenso doutrinário: “Nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais se poderá identificar, por parte do parlamentar, qualquer dos chamados crimes de opinião ou crimes da palavra, como os crimes contra a honra, incitamento ao crime, apologia de criminosos, vilipêndio oral a culto religioso etc.”. O grifo é nosso. O autor é Alexandre de Moraes.

O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, discorda: “Não existe imunidade absoluta”. De fato, o STF vem gradativamente relativizando a norma constitucional. Já em 1992, entendeu que a imunidade se restringe a opiniões proferidas no exercício da função. Só recentemente, numa decisão bastante confusa de 2022 sobre ofensas proferidas em redes sociais pelo senador Jorge Kajuru a colegas parlamentares, a Corte relativizou seu próprio entendimento, estabelecendo que, mesmo no exercício da função a imunidade não comporta discursos difamatórios.

Ainda assim, a jurisprudência vigente é de que em falas proferidas no interior das Casas Parlamentares não cabe indagar o conteúdo das ofensas nem a conexão com a função legislativa. Nesses casos, independentemente das condições subjetivas ou objetivas do discurso, a inviolabilidade é absoluta. Ainda que a Corte queira reformar mais uma vez seu entendimento e relativizar a norma constitucional mesmo no recinto parlamentar, a decisão não pode retroagir em desfavor de Van Hattem, e o inquérito deveria ser arquivado.

Com frequência cada vez maior, contudo, o STF se mostra impaciente com sua condição de intérprete da Constituição, arrogando-se o papel de seu reformador, mesmo quando a vontade do constituinte é cristalina. Que ambivalência semântica pode haver na expressão “quaisquer” opiniões, palavras e votos? E, no entanto, de exceção em exceção, a Corte está encolhendo a imunidade parlamentar a ponto de anulá-la.

Não seria a primeira anulação da imunidade parlamentar no Brasil. Há mais de 50 anos, o Congresso havia negado ao governo autorização para processar criminalmente um deputado que, da tribuna, denunciara o Exército como um “valhacouto de torturadores”, conclamando um boicote aos desfiles do 7 de Setembro. Foi então que, para assegurar a “autêntica ordem democrática, baseada na liberdade e no respeito à dignidade da pessoa humana”, o Executivo instituiu o AI-5. O resto é história – e, literalmente, silêncio. E, como se sabe, quem ignora a história está condenado a repeti-la.

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