Corroborando os índices de aprovação de 80% a 90% do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, as urnas devem lhe conferir um segundo mandato com a mesma proporção de votos. Seu partido deve conquistar uma maioria esmagadora no Parlamento.
A popularidade de Bukele reflete o desespero dos salvadorenhos. A percepção é de que estavam sequestrados pelo crime organizado e que Bukele os libertou. Quando foi eleito, em 2018, o país era um dos mais violentos do mundo, com uma taxa de homicídios de 51 por 100 mil habitantes. Hoje ela se equipara à dos EUA.
Mas essa trajetória foi construída como uma resposta a um dilema perigosamente falso entre a segurança e as liberdades civis e políticas, como se a única solução para a primeira fosse sacrificar as últimas.
Constituições democráticas preveem estados de “emergência” para calamidades públicas, e dificilmente há calamidade maior que a dizimação da população por criminosos. Em 2016, a ONU calculou que os custos da violência no país consumiam 16% do PIB. Em 2022, Bukele declarou um “estado de exceção” que permitiu à polícia promover encarceramentos em massa com base em “evidências” como tatuagens e denúncias anônimas. Hoje o país tem a maior taxa de encarceramento do mundo.
Até então o suposto dilema entre Estado de Direito e segurança não havia sido testado no país, porque não havia nem o primeiro nem a segunda. O Estado paralelo do crime tornava letra morta os direitos dos salvadorenhos.
Após a terapia de choque, um líder republicano aproveitaria a pacificação e sua popularidade para construir as condições para que um Estado de Direito que só existia de jure passasse a existir de facto. Isso começaria por garantir um julgamento justo aos encarcerados. Mas nada indica que Bukele buscará isso. O “estado de exceção”, que deveria durar 30 dias, já foi reeditado 22 vezes. Inocentes padecem das condições duríssimas das prisões, à mercê do recrutamento das facções.
Além disso, o combate ao crime serviu de pretexto para eliminar freios e contrapesos. Bukele tem distribuído generosos benefícios às forças de segurança para garantir sua lealdade, intimidado opositores com elas, aparelhado o Judiciário e o Ministério Público e manipulado a legislação eleitoral. Sua reeleição, vetada pela Constituição, só foi possível com uma manobra casuística dos juízes instalados por ele na Suprema Corte.
Para os políticos que respeitam o Estado de Direito há uma advertência: é preciso levar a criminalidade a sério, sob o risco de serem atropelados por demagogos autoritários. Os salvadorenhos deveriam despertar para os perigos de sua barganha. Nenhum combate à criminalidade é sustentável sem o fortalecimento do Estado de Direito. Em meados dos anos 2000, El Salvador já havia tentado as políticas de “mano dura” e “superdura”, só para testemunhar o refluxo mais brutal do crime. Com um Estado de Direito meramente formal e uma insegurança real, eles aquiesceram sacrificar temporariamente suas liberdades em nome da segurança. Mas há a possibilidade de que no futuro se vejam permanentemente tolhidos de ambas.