Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm se mostrado recalcitrantes em reavaliar condutas em tudo contrárias à ética pública e aos princípios republicanos. Carecem da “virtude da parcimônia”, nas sábias palavras do ministro Edson Fachin. Um perigo, pois para membros do Poder Judiciário, prosseguiu Fachin, “abdicar de limites é um convite para pular no abismo institucional”.
Como se pairasse acima do bem e do mal, uma ala da Corte repele até mesmo as críticas de boa-fé feitas por cidadãos, organizações da sociedade civil e veículos de imprensa, como este jornal, que, inequivocamente, estão comprometidos com a democracia e, portanto, são aliados do STF em sua defesa contra seus verdadeiros inimigos.
A já conhecida falta de comedimento desses ministros agora se soma à soberba. Essa combinação perniciosa sugere que, para esses magistrados, o Supremo e seus integrantes, por se considerarem esteio da democracia, deveriam estar isentos de críticas e de sanções por seus atos, algo que não combina com uma república democrática, e sim com um Estado absolutista.
Como o Brasil é uma república democrática, ninguém aqui está acima da lei, e todos os que ocupam cargos públicos, sem exceção, devem satisfações aos cidadãos por seus atos e omissões. Tal exigência aplica-se particularmente aos ministros do Supremo, que têm como tarefa determinar a constitucionalidade das leis e, portanto, dar a palavra final sobre o ordenamento jurídico do País.
Exatamente porque têm essa missão é que os ministros do Supremo devem ter especial cuidado com sua imagem. Não podem dar a impressão de que são parciais. Isso deveria ser óbvio, mas aparentemente não é. Alguns ministros parecem não entender que há rígidos limites éticos que devem ser respeitados por aqueles que estão no Supremo e se queixam de quem lhes censura o comportamento e levanta suspeitas sobre suas motivações.
Tais queixas têm adquirido um tom que trai um ânimo intimidatório. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, por exemplo, já se referiu aos críticos da Corte como “implicantes”. O decano, Gilmar Mendes, argumentou com naturalidade espantosa que os evidentes conflitos de interesse presentes nos encontros que organiza entre seus colegas e empresários com ações em curso na Corte inexistem. Dias Toffoli, por sua vez, tem certeza de que o inferno são os outros. Se há protagonismo excessivo do STF, disse o ministro durante palestra na festa lisboeta organizada por Gilmar Mendes, isso decorre da “falência dos outros órgãos decisórios da sociedade”.
Mais recentemente, o ministro Flávio Dino uniu-se ao coro e chamou de “esdrúxulas” as críticas à participação de ministros em eventos no estrangeiro regados a altas doses de lobby. “(A crítica) soa muito mal nos meus ouvidos, porque parece uma reminiscência de um tempo em que os magistrados se fechavam num isolamento negativo para sua própria reflexão sobre seu papel e sobre sua legitimidade”, disse Dino, ignorando que o tal “isolamento negativo” de negativo nada tem. É da blindagem de um juiz à mera suspeição de parcialidade que deriva a sua legitimidade.
Já o ministro Alexandre de Moraes descartou peremptoriamente a necessidade de um código de conduta para os ministros do STF, nos moldes do que os ministros da Suprema Corte dos EUA foram compelidos a editar após virem a público as relações antirrepublicanas de alguns juízes.
Se os ministros do STF não estão sujeitos à Lei Orgânica da Magistratura, como sustenta Gilmar Mendes, e não precisam se submeter a um código de conduta, como diz Alexandre de Moraes, quem, afinal, haverá de moderar o comportamento de Suas Excelências? Apenas seus próprios freios éticos internos? Seus autoexames de consciência? Ora, não é assim que funciona uma República.
Um poder sem controle é um poder ilegítimo, e a Constituição tem antídotos para isso. A mesma Constituição que deu ao Supremo o poder de impor limites ao Executivo durante o turbulento governo de Jair Bolsonaro é a que dá ao Senado o poder de impor limites aos ministros do Supremo, se for necessário.