Um tratamento inovador contra o câncer, com resultados experimentais promissores no Estado de São Paulo, acaba de ganhar dois laboratórios de ponta, um na capital e outro em Ribeirão Preto. Como noticiou o Estadão, a iniciativa faz parte de um programa estadual conduzido pelo Instituto Butantan, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o Hemocentro de Ribeirão Preto. As duas unidades permitirão ampliar os testes dessa nova terapia, capaz de “reprogramar” células de defesa do organismo dos próprios pacientes para combater alguns tipos de câncer de sangue, como linfoma e leucemia linfoide aguda.
A notícia merece ser celebrada. Primeiro, porque indica que há um caminho para mais avanços no tratamento de doenças que desafiam a medicina no mundo inteiro. Segundo, porque ajudará a reduzir custos dessa terapia celular personalizada, que atua sobre o sistema imunológico e tem no alto preço um de seus maiores obstáculos. O tratamento de um único paciente custa até US$ 500 mil − ou R$ 2,5 milhões.
Com os dois novos laboratórios, mais pessoas terão acesso à chamada terapia celular CAR-T, o que viabilizará a realização de testes clínicos, previstos para começar em outubro, nos Hospitais das Clínicas de Campinas, Ribeirão Preto e São Paulo. A fase de testes é indispensável para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) futuramente dê aval à nova terapia. No Brasil, hoje, o tratamento só pode ser aplicado a quem tem câncer em estágio avançado, nos casos em que não existem mais procedimentos disponíveis. Nos últimos dois anos, sete pacientes se submeteram à terapia e em todos eles houve remissão. A iniciativa é pioneira na América Latina.
O êxito do programa até aqui já seria motivo suficiente para aplausos. Vale destacar, porém, o arranjo institucional por trás de uma iniciativa que envolve a cooperação entre pesquisadores, profissionais da saúde e gestores públicos de diversas áreas vinculadas ao governo estadual de São Paulo. Eis o modelo de política pública de que o Brasil tanto necessita: quando se articulam esforços para que gente qualificada trabalhe em parceria, resultados positivos costumam aparecer.
O investimento nos dois novos laboratórios, conforme informou o Estadão, gira em torno de R$ 250 milhões. O Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel) foi inaugurado na capital paulista, no último dia 14 de junho. Está localizado na Cidade Universitária da USP, instituição de reconhecida excelência acadêmica que acaba de subir seis posições na mais recente edição do ranking internacional QS World University Rankings − a USP voltou a ocupar o 115.º lugar entre mais de 1.400 universidades, sendo a mais bem colocada entre as instituições brasileiras.
O segundo laboratório, em Ribeirão Preto, é o Núcleo de Terapia Avançada (Nutera), com lançamento em 20 de junho. A nova terapia, de acordo com o Jornal da USP, foi desenvolvida justamente na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da universidade. Com as duas novas unidades, será possível tratar até 300 pacientes por ano, o que corresponde a cerca de 15% do total de casos estimados com potencial para se beneficiar da terapia. A ideia é disponibilizar a nova opção de tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), como destacou o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior.
Coordenador do estudo, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, falou sobre a fase experimental do tratamento: “Curar uma pessoa que estava em situação quase terminal é uma emoção indescritível”, disse ele. E acrescentou: “Estes dois centros são fruto de anos de dedicação de uma grande equipe. Somos mais de 50 pesquisadores trabalhando há décadas em um único objetivo”.
O desenvolvimento de uma nova terapia contra o câncer traz esperança de vida para muitos pacientes Brasil afora, algo que, por si só, enseja otimismo. Da parte do governo paulista e dos demais órgãos envolvidos, espera-se empenho redobrado para levar o programa adiante. Que os novos laboratórios atinjam suas metas e, melhor ainda, que sirvam de exemplo para gestores públicos no Brasil inteiro.