Passado um terço do mandato, o governo do presidente Lula da Silva coleciona uma constrangedora soma de erros e fragilidades na segurança pública. Numa área especialmente sensível para a população e historicamente desprezada pelo PT, até se abriu uma boa janela de oportunidade com a transferência do então ministro da Justiça e Segurança Pública – o animador de auditório Flávio Dino – para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, e sua substituição pelo discreto Ricardo Lewandowski. A mudança nesse caso teria sido uma chance notável para a pasta, trocando o histrionismo populista de um para a desejada qualificação técnica e o comedimento de outro. O estilo do titular pode ter mudado, mas o governo continua errático no enfrentamento daquele que é hoje, segundo pesquisas, o principal problema nacional na opinião da população.
Tome-se o exemplo da prorrogação da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Anunciada há seis meses com a convicção entre especialistas de que seria uma medida ineficaz, a GLO acaba de ser renovada por 30 dias – e depois se sabe lá até quando, conforme as conveniências pirotécnicas da gestão lulopetista. No papel, o objetivo da operação é promover uma “asfixia” de organizações criminosas que usam os principais terminais aeroportuários, ou seja, os portos de Santos, do Rio de Janeiro e de Itaguaí e os aeroportos do Galeão e de Guarulhos. Na prática, confirmaram-se os prognósticos mais desabonadores: alto custo financeiro, uso indevido das Forças Armadas, volume e qualidade de apreensões questionáveis e uma descabida teatralidade para a tal “asfixia”, enquanto o crime se mostra muito mais preparado para driblar as autoridades do que faz crer a fiscalização com local e hora marcados.
Como este jornal já afirmou, a GLO de Lula é uma demonstração das razões pelas quais a situação de segurança pública está do jeito que está: tudo parece resumir-se a uma grande farsa. Seria pedir, por decreto, para dar errado. Como, afinal, o crime organizado pode ser enfrentado com uma força-tarefa em três portos e dois aeroportos, e que por sua natureza precisa ter prazo temporário? Ademais, trata-se não só de uma medida inútil, mas também de um equívoco institucional e funcional por envolver as Forças Armadas na segurança pública. Militares não têm essa atribuição nem foram treinados para isso, lição aprendida na intervenção federal do Rio de Janeiro, em 2018. Mas o espalhafato na segurança pública costuma ser um atalho providencial para lideranças movidas por mero cálculo político-eleitoral. Rende boas imagens, produz barulho e gera a falsa sensação de que o governo está trabalhando contra o crime.
Nesta semana, o secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, disse ao Estadão que o combate ao crime organizado deve ser prioridade número um. A partir de sua experiência como procurador-geral de Justiça de São Paulo, Sarrubbo demonstrou apostar na estratégia de asfixia financeira das facções, no reforço das equipes de investigação de crimes e no aumento dos efetivos das polícias estaduais. Para ele, isso exige inteligência, melhora nos índices de esclarecimento de crimes e baixa letalidade policial. Difícil discordar. É um bom cardápio de ideias, especialmente num governo que costuma acreditar que a prevenção e o combate à criminalidade são sinônimos de truculência a serviço das elites nacionais. É também um freio de contenção em quem acredita em operações espetaculosas, violentas e ostensivas como forma de garantir resultados na segurança.
Ocorre que a entrevista do secretário oferece uma inquietante sensação de recomeço. Sarrubbo anunciou que está com “vários projetos saindo do forno”, que serão apresentados nas próximas semanas. Ora, e que fim levou o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas, anunciado com pompa por Flávio Dino? Era, decerto, uma peça genérica de intenções, o que fica evidente quando Sarrubbo nem sequer o menciona. Vê-se que o governo perdeu tempo em demasia, ora desfazendo os erros do governo anterior, ora ocupado com sua performance cênica. Ainda está para mostrar do que se ocupará daqui para a frente.