O premiê britânico, Rishi Sunak, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciaram um acordo que desanuviará a questão mais volátil do Brexit: a fronteira entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido. O “Parâmetro de Windsor” facilitará o comércio e relações políticas mais construtivas – um “novo capítulo”, como ambos enfatizaram.
A ilha da Irlanda, dividida entre a República da Irlanda (membro da UE) e a Irlanda do Norte (membro do Reino Unido), sempre foi problemática para o Brexit. Em 1973, a entrada da República da Irlanda e do Reino Unido no que seria a União Europeia iniciou um processo de harmonização das fronteiras entre as Irlandas que culminou com o Acordo da Sexta-Feira Santa, em 1998, eliminando todas as barreiras. Desde o início do Brexit havia um consenso, especialmente para a UE, de que o retorno das fronteiras perturbaria esse processo. Mas era preciso fixá-las em algum lugar. Pelo “Protocolo da Irlanda”, o Reino Unido deixou o mercado europeu, mas a Irlanda do Norte permaneceu, criando uma insólita fronteira no interior do Reino Unido: a Irlanda do Norte seguiu sujeita à jurisdição e às regras da UE, incluindo impostos e controles alfandegários sobre bens britânicos.
O preço pago para consumar o Brexit gerou problemas domésticos: muitos comerciantes britânicos deixaram de vender para a Irlanda do Norte e os brexiteers duros e unionistas da Irlanda do Norte, que querem a união completa com o Reino Unido, ficaram insatisfeitos – os últimos, em protesto, deixaram o Executivo da Irlanda do Norte.
O “Parâmetro de Windsor” minimiza as restrições, criando pistas “verdes” para o comércio entre Reino Unido e Irlanda do Norte, ainda que os bens destinados à Irlanda e a UE permaneçam adstritos a pistas “vermelhas”. A Corte Europeia mantém sua jurisdição sobre o comércio internacional da Irlanda do Norte, mas Londres controlará os impostos. O acordo confere à Irlanda do Norte um “freio de emergência” caso a UE promova mudanças alfandegárias substantivas.
O acordo deve ser ratificado pelo Parlamento britânico, por contar com o apoio da maioria dos conservadores e da oposição trabalhista. Os brexiteers duros e unionistas seguem insatisfeitos, mas, mesmo sem corroborar o acordo, podem ser convencidos por Sunak a não se opor. Os conservadores também, para evitar mais divisões no governo e prejudicar seu capital eleitoral. Os unionistas deveriam considerar que a maioria da população da Irlanda do Norte se opôs ao Brexit e quer o fim dos distúrbios comerciais.
O acordo foi uma vitória do pragmatismo. Se a UE fez tantas concessões, é porque Sunak se mostrou mais confiável que seus antecessores. O acordo viabilizará outras pontes, como a participação do Reino Unido no programa científico europeu Horizon e a cooperação internacional em controles de imigração e nas concertações para deter a Rússia de Vladimir Putin.
De resto, seja para os britânicos que querem consumar o Brexit, seja para os que querem revertê-lo, a estabilização das relações com a UE será benéfica para que possam debater suas posições em paz e democraticamente.