Se deseja atuar no País, o Twitter tem de submeter-se às leis brasileiras. A resistência da empresa, mesmo após ter sido notificada, em excluir material criminoso publicado em seus perfis é uma afronta não apenas ao poder público, mas à sociedade brasileira.
Existe lei no País; em concreto, o Código Penal e o Marco Civil da Internet. Assim como todas as outras pessoas e empresas, as plataformas digitais não podem fazer o que bem entenderem, como se as únicas regras a que estivessem submetidas fossem aquelas ditadas por seus donos – alguns deles, notórios despóticos. Não é assim que funciona no Estado Democrático de Direito. Há liberdades fundamentais a serem respeitadas. Existem leis justamente para que as famílias brasileiras não fiquem reféns de quem pretenda ganhar dinheiro monetizando conteúdo criminoso, que instiga e promove a violência.
O caso mais recente é uma verdadeira aberração. O Ministério da Justiça notificou o Twitter sobre a existência de 431 contas contendo material relacionado a ataques contra escolas em diferentes localidades do Brasil. Em vez de se desculpar com a sociedade brasileira – por albergar conteúdo tão nefasto em seus perfis, em uma conivência acintosa com o crime – e excluir imediatamente as contas, a empresa americana disse que não iria fazer nada porque os termos de uso da plataforma permitem a divulgação desse tipo de material.
A omissão do Twitter está permeada de graves erros. Os termos de uso de uma plataforma digital, assim como as regras de uma empresa, associação ou instituição, não estão acima da lei. Eles devem adequar-se criteriosamente à legislação pátria. Caso contrário, a plataforma estará fora da lei, não podendo operar legalmente no Brasil. O cumprimento da lei não é uma opção, e sim uma obrigação.
Além disso, ao afirmar que seus termos de uso não impedem a publicação de material que instiga a violência nas escolas, o Twitter admite expressamente que suas regras internas são absurdas, revelando uma compreensão de liberdade de expressão rigorosamente disfuncional e criminosa. A atitude do Twitter é constrangedora. A empresa diz, com todas as letras, que acolhe e protege conteúdos que difundem a violência contra crianças e adolescentes. Isso não é liberdade de expressão em nenhum lugar do mundo.
Infelizmente, tal compreensão equivocada de liberdade não está restrita ao Twitter e a seus chefes. Atualmente, há quem confunda o direito de expressar sua opinião com o suposto direito de falar impunemente o que bem entender. Não existe esse direito. As palavras têm consequências, e cada um é responsável pelo que diz, podendo até mesmo responder criminalmente por sua fala. O Código Penal estabelece crimes que podem ser cometidos por meio de palavras.
No caso do Twitter e de todas as outras plataformas digitais, sua responsabilidade jurídica está regulada pelo Marco Civil da Internet e, em último termo, pela Constituição. Uma vez notificada de que determinadas contas oferecem conteúdo criminoso – há alguma dúvida de que incitar a violência contra crianças e adolescentes é criminoso? –, a empresa tem de agir. E não basta agir apenas para retirar o conteúdo mencionado na notificação. É preciso revisar seus métodos e controles, para evitar que novas publicações incorram no mesmo problema.
Observa-se, neste caso do Twitter, não somente uma grave incompreensão da lei brasileira. Não é um mero problema de entendimento do Direito, oriundo de uma interpretação peculiar do ordenamento jurídico. A questão é mais profunda. Há um abismo ético, uma indiferença cívica: constata-se um desleixo com um dos aspectos mais básicos da vida em sociedade, que é cuidar das crianças e adolescentes, pondo todos os meios possíveis para proteger sua vida e sua integridade física. Para piorar, essa atitude omissiva vem acompanhada de uma grande empáfia, como se a empresa estivesse defendendo a liberdade. São tempos realmente estranhos, em que até a proteção da vida das crianças é preterida em função de interesses comerciais.