No apagar das luzes da atual legislatura, tramita na Câmara um projeto de lei que prorroga os benefícios de consumidores que instalam painéis solares em suas residências. Para que os donos dessas estruturas se livrem do pagamento de todas as taxas de transmissão e distribuição por 30 anos, o texto repassa esse custo aos consumidores que não possuem painéis em suas casas. Se aprovada, a proposta deve ampliar o volume de subsídios embutidos na conta de luz em R$ 40 bilhões, segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia.
O projeto é um exemplo claro de políticas que transferem renda dos mais pobres para os mais ricos, mas não é o único. Neste ano, os consumidores já pagaram quase R$ 26 bilhões em subsídios, como mostra uma ferramenta lançada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o “subsidiômetro”. Não fossem esses descontos para tantos grupos de interesse, as tarifas poderiam estar 12,59% mais baixas.
Esse assunto se tornou uma das questões centrais do gabinete de transição do governo eleito, de acordo com Mauricio Tolmasquim, coordenador do grupo de energia da equipe. Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Tolmasquim defendeu um pacto entre os agentes do setor elétrico para frear o avanço de uma rubrica que está a ponto de tornar a conta de luz impagável. “Cada associação tenta passar a sua medida. É a lei da selva, e quem paga é o consumidor. É um drama que esse país está vivendo”, disse. “Até quanto os consumidores vão aceitar pagar a conta?”, questionou.
Tolmasquim tem razão. Nos últimos anos, não houve uma única proposta a tramitar no Legislativo que tenha passado incólume de tentativas de criar ou ampliar subsídios e outros custos do setor elétrico por meio de “jabutis” – emendas que tratam de assuntos que nada têm a ver com o texto original. A proposta que permitiu a privatização da Eletrobras foi uma das mais recentes, ao obrigar o governo a contratar termoelétricas a gás em locais sem reservas nem gasodutos. No caso dos painéis fotovoltaicos, seus defensores diziam que o pagamento das tarifas que todos são obrigados a pagar seria o mesmo que “taxar o sol”. É um evidente caso de greenwashing, em que empresas recorrem a um discurso pretensamente verde como desculpa para defender a rentabilidade de seus próprios negócios.
Ao longo dos anos, a conta de luz se tornou um meio de financiar um orçamento paralelo. Diferentemente do Orçamento-Geral da União, no entanto, não há nem mesmo um esburacado teto de gastos para conter o avanço dos subsídios. Não há mecanismos de fiscalização e controle sobre o uso dos recursos. Não há avaliação dos resultados das políticas que as tarifas custeiam. Criar uma nova despesa na conta de luz não requer nem mesmo encontrar uma fonte para financiá-la. Basta aumentar as tarifas e deixar o desgaste político com a Aneel.
A energia é uma das variáveis mais importantes de uma economia. Uma conta de luz muito alta compromete a renda das famílias e reduz sua capacidade de consumo. Para a indústria, o custo da eletricidade é um dos indicadores a definir se um país oferece condições para receber novos investimentos. Se na teoria todos concordam com essas afirmações, a prática dos parlamentares e das associações tem sido muito diferente. O governo, por sua vez, tem sido convenientemente leniente nos debates sobre esse assunto para não ter de arcar com algo que tem sobrado para o consumidor.
A disparada do custo da energia em toda a Europa em razão da guerra entre Rússia e Ucrânia abre oportunidades de desenvolvimento para o Brasil, que já detém uma matriz majoritariamente limpa. Para aproveitá-las, no entanto, o governo eleito precisará enfrentar o Congresso e as associações, mantendo subsídios apenas para aqueles que realmente façam jus aos benefícios, como as famílias de baixa renda e projetos como o Luz para Todos e o Mais Luz para a Amazônia. O diagnóstico já existe e não vem de hoje, mas exige mais do que discurso. É preciso haver vontade, liderança e articulação política.