Em entrevista ao Estadão, o insuspeito ensaísta Francisco Bosco deu uma declaração que provocou a ira de muitos abutres da esquerda, adeptos do violento tribunal das redes sociais: reconheceu um acerto de Olavo de Carvalho, o ex-astrólogo convertido em guru de Jair Bolsonaro e da extrema direita brasileira. O acerto em questão, tratado pelos algozes do entrevistado com simplificações e clichês, parece inquestionável a Bosco, a este jornal e a qualquer pessoa que conheça o universo acadêmico do Brasil e preze a boa convivência democrática no debate público: nossas universidades concentram excessivamente uma perspectiva ideológica e política de esquerda e, mais do que isso, o ambiente acadêmico e intelectual tenta excluir grandes dissensos e reage violentamente a qualquer tentativa de ocupação de espaços por parte de pensadores conservadores.
Sem pluralidade e diversidade, um debate empobrecido emerge dos circuitos universitários e avança para todo o universo cultural do País, razão pela qual, como afirmou Bosco, a palavra “intelectual” é hoje “vista sob suspeita de elitismo e concentração ideológica”. Mas bastou o reconhecimento do ensaísta estar resumido no título da entrevista e nas postagens das redes sociais – Olavo de Carvalho tinha razão, alusão aos cartazes que manifestantes de direita conduziam nos protestos de 2013 – para que os vândalos da reputação alheia se ouriçassem. Não custa dizer: no conjunto da obra, sobretudo quando, mais recentemente, se tornou o sinônimo da desonestidade intelectual e da paranoia destrutiva que tão bem definem o bolsonarismo, Olavo está longe de ter razão. Mas não é preciso admirá-lo para reconhecer sua influência sobre um campo que nunca se viu representado na universidade e na política nem o acerto de suas reflexões sobre intelectuais acadêmicos. Foi o que Bosco fez na entrevista.
O mundo implacável, tóxico e superficial das redes, no entanto, costuma oferecer escasso espaço para reflexões complexas, invariavelmente substituídas por desqualificações grosseiras a partir do primeiro sinal de dissenso. Houve até quem levantasse a hipótese de que a entrevista publicada pelo Estadão fosse fake news. Não raro se ignorou o próprio conteúdo da entrevista, em que se vê uma tese cristalina, isto é, a de que o guru do bolsonarismo tinha razão num ponto: há concentração ideológica e elitização no debate intelectual nas universidades, sobretudo no campo das ciências humanas e particularmente na filosofia, nas letras e nas ciências sociais. E Bosco a demonstrou, não sem desconforto ante a natureza abominável de Olavo de Carvalho.
Assim resumiu o ensaísta ao Estadão: “Eu estudo (...) um autor de direita que fez uma verificação nos bancos do CNPq e mostrou que alguns dos autores conservadores mais importantes do mundo praticamente não são mencionados nas teses de ciências humanas do Brasil. A pessoa que talvez primeiro tenha falado sobre isso, e nem sempre da melhor maneira, foi o Olavo de Carvalho. Embora me custe dizer essa frase, eu a digo (...) sem problema algum: Olavo tinha razão nesse ponto”. Uma constatação que não é de hoje – nem restrita a um intelectual público independente como Bosco ou à extrema direita. Há mais de 50 anos, o professor da USP Roberto Schwarz, referência entre intelectuais de esquerda, já apontava isso num estudo sobre o período que antecedeu o golpe militar de 1964. Schwarz constatou então que nem mesmo a instauração da ditadura impedira a preservação do domínio cultural da esquerda.
O episódio ilustra o ar rarefeito sentido hoje no debate público brasileiro, no qual a lógica de grupo se sobrepõe à necessária liberdade de divergir e conviver. Um modo tribal de encarar o mundo, os valores e as ideias leva à sensação de ameaça permanente nos grupos e identidades que se enfrentam. Às tribos da esquerda que gritaram agora, resta o alerta: se prosseguir reagindo assim, obrigarão alguns a dizer que a esquerda é burra – e aí Olavo de Carvalho terá, infelizmente, acertado de novo.