A tacada dupla de nomeações, consumada com a imagem do presidente Lula da Silva circundado por Flávio Dino e Ricardo Lewandowski no Palácio do Planalto, reafirma o movimento de aproximação entre o Executivo e o Judiciário como forma de sustentação da governabilidade. Pelas indicações casadas, pelo histórico de ambos e pelo discurso sem filtros de Lula, o gesto sela em definitivo aquilo que se avizinhava: uma aliança tática do governo com o Supremo Tribunal Federal (STF), o reforço da politização da Corte e sua consolidação como fiador de um novo arranjo institucional, no qual exerce papel crescente na arena política. Na cosmologia lulopetista, o sentido é o mesmo ao nomear como seu novo auxiliar um ex-integrante da Corte que deu sucessivas demonstrações de apreço e proteção jurídica ao próprio Lula e a muitos dos seus companheiros, e ao levar à instância máxima da Justiça um aliado de primeira hora, com perfil de notório saber político. A despeito dos desafios de ambos no estrito dever do cargo, aos dois reserva-se um papel inquestionável: ajudar Lula e seu governo.
De maneira otimista, pode-se dizer que essa ascensão do Judiciário significa uma reação inevitável do sistema de pesos e contrapesos da República, tisnado pela fragilização do Executivo diante de um Congresso hoje hostil, indócil e forte, e de uma base partidária de apoio ao governo frágil e fragmentada entre muitas e médias bancadas – elementos que criaram uma espécie de parlamentarismo bastardo, com poder gigantesco do Legislativo sobre o Orçamento e as agendas de interesse do Executivo. O mesmo presidencialismo de coalizão que manteve o funcionamento e o equilíbrio sistêmico durante os governos da Nova República colapsou com a crise de representação depois das manifestações de 2013. Os escândalos de corrupção e a Lava Jato completaram a crise e legitimaram a força do Judiciário nos anos seguintes.
Enquanto a independência do Executivo e do Legislativo se esvaía no mesmo compasso da força suprema do STF, a Corte sublinhava sua condição não apenas de guardiã da Constituição, como também de um tribunal penal político. Não sem excessos no protagonismo individual de seus ministros, com declarações políticas cada vez mais frequentes e desinibidas. Tudo isso resultou no que analistas vêm chamando de “judiciarismo de coalizão”. Em outras palavras, segundo essa tese, o regime presidencialista só funciona se o presidente tiver uma boa bancada no Supremo Tribunal Federal como parte do jogo político da governabilidade. É o que Lula vem fazendo.
O outro lado da moeda revela-se mais inquietante: a naturalidade espantosa com que o presidente demonstrou usar as nomeações e referir-se aos nomeados como parte desse jogo. Ou de admitir seu “sonho antigo”, palavras dele, de ter alguém com “cabeça política” na mais alta Corte do País.
Em sua fala, Lula exaltou a experiência política de Flávio Dino como sinônimo de sua competência futura na bancada lulista no STF, mandando às favas a própria tentativa do nomeado de se dissociar de tal papel, quando afirmou na sabatina no Senado que não seria influenciado pela sua carreira pública. Diz quem pode, acredita quem quer. Já de Lewandowski espera-se um pouco mais de equilíbrio e comedimento ao tratar dos temas de sua futura pasta, diferente da vocação midiática de Flávio Dino. Ele tem a confiança e o respeito dos seus ex-colegas do STF, respaldo no meio jurídico e, é inegável, uma enorme folha de serviços prestados à defesa de Lula e de outros réus petistas durante o calvário na Lava Jato. Do futuro ministro da Justiça, portanto, não se questiona a fidelidade ao novo chefe nem a capacidade de trazer-lhe dividendos políticos e institucionais junto à sua antiga casa.
No jogo de sobrevivência política, Lula ampliou seu cardápio de possibilidades de governabilidade para conter o Congresso, enquanto o STF aprofunda seu risco maior: ser visto cada vez mais com desconfiança, por imiscuir-se em demasia em questões políticas e partidárias. Maus presságios.