Aqui, o amido é quem decide


Neide Rigo achava que o cuscuz marroquino reinava sozinho nas cozinhas árabe e africana. Descobriu que naquelas plagas qualquer fonte de amido pode virar a iguaria: arroz, milho, milhete, mandioca e até fonio

Por Neide Rigo

Já no aeroporto de Paris começo a sentir ares africanos nas túnicas dos homens e roupas coloridas com turbante combinado das mulheres, que andam aprumadas, carregam filhos nas costas e o que precisar, na cabeça. Não estranhei a comida de bordo com cuscuz de trigo, já que em Paris é um prato comum nos bairros árabes - e por aqui também já estamos familiarizados com esse tipo de cuscuz marroquino de sêmola. Mas o que eu não sabia é que repousava no pratinho apenas o resumo de um jeito de comer que vivenciaria na região.

É claro que essa é uma visão muito limitada de alguém que não conhece a África, nem sequer o Senegal, mas simplesmente comeu e comprou algumas coisas em Dacar enquanto fazia tapioca a convite da ONG francesa Solidarité, para participar de um projeto para incentivar o uso de amidos locais em substituição ao trigo.

Para quem acreditava que o cuscuz marroquino era o único do gênero na cozinha árabe e africana, foi uma surpresa saber que no Senegal se faz cuscuz com qualquer fonte de amido. E poder comê-lo com colher ou com as mãos, acompanhado de sucos de baobá, tamarindo ou hibisco, dividindo o mesmo prato com os amigos, ouvindo lá longe o chamado do muezim no alto dos minaretes, trouxe uma sensação confortável de estar em casa de parente que não conhecia.

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Aos poucos fui percebendo que mesmo quando se come arroz com legumes, frango, cabrito, peixe fresco ou seco, é como se comesse um prato de cuscuz com grãos úmidos e uma mistura suculenta. Na maioria das vezes que comi arroz ele não era inteiro, mas quebrado em pequenos grãos como bolinhas de cuscuz - igual àquela quirera de arroz que se faz com suã em São Luiz do Paraitinga. O que mais comi em Dacar foi arroz, porém comprei todo cuscuz que achei, encantada com a variedade que agrupa também grãos não processados.

É que, além do arroz quebrado e das quireras de milho preparadas à mesma moda, há outro tipo que não é produzido fazendo bolinhas úmidas e cozinhando no vapor. Os grãos de fonio, uma espécie de milhete, são tão pequenos que seria desperdício reduzi-los a farinha para depois modelar. Então cuscuz de fonio é fonio cozido e pronto. Ele já foi bem mais comum no Senegal, mas ainda sobrevive graças aos defensores da tradição, caso do Le Point d’Interrogation, restaurante de Dacar.

Um outro tipo que também me chamou a atenção foi o de mandioca, que bem poderíamos ter por aqui. O attiéké é da Costa do Marfim e o processo de fabricação é mais ou menos parecido com o da nossa farinha d’água.

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Agora, depois de ver tanto cuscuz, a impressão que tive é que qualquer produto amiláceo que faça farinha pode fazer também cuscuz: milho, milhete, sorgo, misto de arroz com soja, trigo e milho, feijão fradinho, soja, mandioca, banana verde e até trigo. E essa diversidade me leva a pensar que se os cuscuzes do mundo foram embalados pelo mesmo balaio no Norte da África, é natural que tenhamos no Brasil toda sorte de cuscuz doce ou salgado, de panela ou de vapor, acompanhado de carnes, ovos, peixes, manteiga ou leite de coco adocicado, feitos com massa de mandioca, fubá molhado, milho socado, flocos de milho ou de arroz, inhame ralado com coco, fubá de arroz ou tipos diferentes. Outros hão de surgir.

*NEIDE RIGO É NUTRICIONISTA E AUTORA DO BLOG COME-SE

Já no aeroporto de Paris começo a sentir ares africanos nas túnicas dos homens e roupas coloridas com turbante combinado das mulheres, que andam aprumadas, carregam filhos nas costas e o que precisar, na cabeça. Não estranhei a comida de bordo com cuscuz de trigo, já que em Paris é um prato comum nos bairros árabes - e por aqui também já estamos familiarizados com esse tipo de cuscuz marroquino de sêmola. Mas o que eu não sabia é que repousava no pratinho apenas o resumo de um jeito de comer que vivenciaria na região.

É claro que essa é uma visão muito limitada de alguém que não conhece a África, nem sequer o Senegal, mas simplesmente comeu e comprou algumas coisas em Dacar enquanto fazia tapioca a convite da ONG francesa Solidarité, para participar de um projeto para incentivar o uso de amidos locais em substituição ao trigo.

Para quem acreditava que o cuscuz marroquino era o único do gênero na cozinha árabe e africana, foi uma surpresa saber que no Senegal se faz cuscuz com qualquer fonte de amido. E poder comê-lo com colher ou com as mãos, acompanhado de sucos de baobá, tamarindo ou hibisco, dividindo o mesmo prato com os amigos, ouvindo lá longe o chamado do muezim no alto dos minaretes, trouxe uma sensação confortável de estar em casa de parente que não conhecia.

Aos poucos fui percebendo que mesmo quando se come arroz com legumes, frango, cabrito, peixe fresco ou seco, é como se comesse um prato de cuscuz com grãos úmidos e uma mistura suculenta. Na maioria das vezes que comi arroz ele não era inteiro, mas quebrado em pequenos grãos como bolinhas de cuscuz - igual àquela quirera de arroz que se faz com suã em São Luiz do Paraitinga. O que mais comi em Dacar foi arroz, porém comprei todo cuscuz que achei, encantada com a variedade que agrupa também grãos não processados.

É que, além do arroz quebrado e das quireras de milho preparadas à mesma moda, há outro tipo que não é produzido fazendo bolinhas úmidas e cozinhando no vapor. Os grãos de fonio, uma espécie de milhete, são tão pequenos que seria desperdício reduzi-los a farinha para depois modelar. Então cuscuz de fonio é fonio cozido e pronto. Ele já foi bem mais comum no Senegal, mas ainda sobrevive graças aos defensores da tradição, caso do Le Point d’Interrogation, restaurante de Dacar.

Um outro tipo que também me chamou a atenção foi o de mandioca, que bem poderíamos ter por aqui. O attiéké é da Costa do Marfim e o processo de fabricação é mais ou menos parecido com o da nossa farinha d’água.

Agora, depois de ver tanto cuscuz, a impressão que tive é que qualquer produto amiláceo que faça farinha pode fazer também cuscuz: milho, milhete, sorgo, misto de arroz com soja, trigo e milho, feijão fradinho, soja, mandioca, banana verde e até trigo. E essa diversidade me leva a pensar que se os cuscuzes do mundo foram embalados pelo mesmo balaio no Norte da África, é natural que tenhamos no Brasil toda sorte de cuscuz doce ou salgado, de panela ou de vapor, acompanhado de carnes, ovos, peixes, manteiga ou leite de coco adocicado, feitos com massa de mandioca, fubá molhado, milho socado, flocos de milho ou de arroz, inhame ralado com coco, fubá de arroz ou tipos diferentes. Outros hão de surgir.

*NEIDE RIGO É NUTRICIONISTA E AUTORA DO BLOG COME-SE

Já no aeroporto de Paris começo a sentir ares africanos nas túnicas dos homens e roupas coloridas com turbante combinado das mulheres, que andam aprumadas, carregam filhos nas costas e o que precisar, na cabeça. Não estranhei a comida de bordo com cuscuz de trigo, já que em Paris é um prato comum nos bairros árabes - e por aqui também já estamos familiarizados com esse tipo de cuscuz marroquino de sêmola. Mas o que eu não sabia é que repousava no pratinho apenas o resumo de um jeito de comer que vivenciaria na região.

É claro que essa é uma visão muito limitada de alguém que não conhece a África, nem sequer o Senegal, mas simplesmente comeu e comprou algumas coisas em Dacar enquanto fazia tapioca a convite da ONG francesa Solidarité, para participar de um projeto para incentivar o uso de amidos locais em substituição ao trigo.

Para quem acreditava que o cuscuz marroquino era o único do gênero na cozinha árabe e africana, foi uma surpresa saber que no Senegal se faz cuscuz com qualquer fonte de amido. E poder comê-lo com colher ou com as mãos, acompanhado de sucos de baobá, tamarindo ou hibisco, dividindo o mesmo prato com os amigos, ouvindo lá longe o chamado do muezim no alto dos minaretes, trouxe uma sensação confortável de estar em casa de parente que não conhecia.

Aos poucos fui percebendo que mesmo quando se come arroz com legumes, frango, cabrito, peixe fresco ou seco, é como se comesse um prato de cuscuz com grãos úmidos e uma mistura suculenta. Na maioria das vezes que comi arroz ele não era inteiro, mas quebrado em pequenos grãos como bolinhas de cuscuz - igual àquela quirera de arroz que se faz com suã em São Luiz do Paraitinga. O que mais comi em Dacar foi arroz, porém comprei todo cuscuz que achei, encantada com a variedade que agrupa também grãos não processados.

É que, além do arroz quebrado e das quireras de milho preparadas à mesma moda, há outro tipo que não é produzido fazendo bolinhas úmidas e cozinhando no vapor. Os grãos de fonio, uma espécie de milhete, são tão pequenos que seria desperdício reduzi-los a farinha para depois modelar. Então cuscuz de fonio é fonio cozido e pronto. Ele já foi bem mais comum no Senegal, mas ainda sobrevive graças aos defensores da tradição, caso do Le Point d’Interrogation, restaurante de Dacar.

Um outro tipo que também me chamou a atenção foi o de mandioca, que bem poderíamos ter por aqui. O attiéké é da Costa do Marfim e o processo de fabricação é mais ou menos parecido com o da nossa farinha d’água.

Agora, depois de ver tanto cuscuz, a impressão que tive é que qualquer produto amiláceo que faça farinha pode fazer também cuscuz: milho, milhete, sorgo, misto de arroz com soja, trigo e milho, feijão fradinho, soja, mandioca, banana verde e até trigo. E essa diversidade me leva a pensar que se os cuscuzes do mundo foram embalados pelo mesmo balaio no Norte da África, é natural que tenhamos no Brasil toda sorte de cuscuz doce ou salgado, de panela ou de vapor, acompanhado de carnes, ovos, peixes, manteiga ou leite de coco adocicado, feitos com massa de mandioca, fubá molhado, milho socado, flocos de milho ou de arroz, inhame ralado com coco, fubá de arroz ou tipos diferentes. Outros hão de surgir.

*NEIDE RIGO É NUTRICIONISTA E AUTORA DO BLOG COME-SE

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