Cervejarias têm divulgado as suas receitas. Mas quão possível é clonar as cervejas?


Reunimos cervejeiros caseiros para um desafio: reproduzir cervejas consagradas, a partir das receitas que constam nos seus rótulos. As genéricas passaram longe das originais, pois a receita é apenas o início para a cópia

Por Carolina Oda
Atualização:

Não é de hoje que as cervejarias divulgam suas receitas (a italiana Baladin faz isso desde 2008), porém, recentemente, cada vez mais cervejarias renomadas estão abrindo suas fórmulas – seja por transparência, para incentivar os cervejeiros caseiros, ou pelo marketing, já que essa divulgação tem dado boa repercussão pela internet. Quando revelou todas as suas receitas, a cervejaria escocesa BrewDog anunciou que ali estava a chave para o seu reino. Será mesmo?

  Foto: Alex Silva|Estadão

Foi essa a pergunta que inspirou esta reportagem. A ideia de reproduzir a BrewDog Punk IPA, a Bodebrown Perigosa, a Toast Ale e a Bohemia 14-Weiss empolgou os cervejeiros caseiros convidados – Paulo Mattos, Luís Nascimento, Sérgio Müller e Georges Parkinson. Afinal, o que eles gostam mesmo é de passar horas olhando para uma panela, nos dias de folga ou na madrugada.

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O hobby de fazer cerveja, que tem atraído muita gente, pode ser prazeroso e relativamente simples, mas ter uma boa cerveja feita em casa requer esforço, concentração e dedicação desde a compra dos insumos, organização da cozinha, muitas horas na função, panelas enormes para lavar… E ainda há os dias de espera até saber se a cerveja ficou bebível – não é exagero. 

Para se ter uma ideia, dos quatro cervejeiros convidados, todos experientes e premiados, dois tiveram que fazer a receita mais de uma vez ao notar no meio do caminho que tinha dado errado. 

A prova. Passados 30 dias depois de fazer e refazer, chegou o momento da prova. Marcamos o encontro no bar da BrewDog por um motivo: a marca nasceu num fogão caseiro. Os cervejeiros chegaram carregando seus barris e garrafas. O mestre-cervejeiro Alexandre Figliolino foi convidado para a degustação. Ele provou as genéricas, abriu as originais e as provou também, comparou e fez as avaliações. Terminou com dicas para melhorar as cervejas em questão. 

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Time. A partir da esquerda, os cervejeiros caseiros Paulo, Georges, Luís e Sérgio Foto: Ernersto Rodrigues|Estadão

A conclusão é que ter a receita em mãos é só o começo da história. Conseguir reproduzir fielmente uma receita depende de diversos fatores. “O segredo maior está na técnica e no conhecimento aplicados na produção”, avalia Figliolino. Mesmo em desvantagem tecnológica, quem faz em casa ganha ao consumir a bebida direto da fonte e em poder dar seu toque pessoal. O atrativo maior é o prazer de tomar uma cerveja feita com as próprias mãos.

A RECEITA É SÓ O INÍCIO

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● O maior desafio é o controle da fermentação, que envolve administração de temperatura, dosagem de fermento e aeração do mosto corretos. ● Ales são mais fáceis de reproduzir do que lagers. ● A temperatura do termostato da geladeira não é, necessariamente, a temperatura do líquido. A questão é que 1°C faz diferença no processo.  ● A pressão no tanque da cervejaria é controlada e a do balde do cervejeiro caseiro, não. É preciso cuidado. ● É fundamental saber identificar a moagem apropriada do malte, a intensidade correta da fervura e a turbidez do mosto filtrado.

BOHEMIA 14-WEISS – fermentação era o segredo

Com a receita vinda da AB-Inbev, a - de muito longe - maior cervejaria dentre 4 participantes, a Bohemia tem o melhor da tecnologia cervejeira a seu favor. Essa versão tem a proposta de ser bem fácil de beber, com somente 4,3% de teor alcoólico e aromas de fermentação - de banana e cravo - mais moderados do que a versão tradicional alemã. E não. Não vai milho! 

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  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

 Maiores dificuldades: - Quanto mais delicada a cerveja, mais fácil é aparecerem alterações e defeitos, já que não há outras características intensas para mascarar. Isso pede muito cuidado técnico na produção. - A temperatura pedida no começo da fermentação é difícil de aferir em casa - em vez de deixar a 13°C nos dois primeiros dias e depois subir para 18°C, como manda a receita, fez direto a 18°C, por falta de equipamento, o que interfere bastante nos aromas.

Principais diferenças: - Enquanto a Bohemia 14-Weiss é uma cerveja de aroma mais sutil, com presença mais moderada do fermento e leve toque cítrico do lúpulo, o clone acabou apresentando características mais intensas de cravo e banana. - No aspecto visual a versão caseira se demonstrou mais turva, consequência de uma filtração sem a eficiência de um equipamento industrial e maturação mais curta, já que ela teve que ser bebida dois dias antes por conta da data da degustação.

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Cervejeiro: Paulo MattosCusto produção caseira: R$ 5,69/litroPreço na loja: R$ 4,99 no Empório da Cerveja (300 ml) – R$ 16,64/litro Site: cervejariabohemia.com.br/receitas

BREWDOG PUNK IPA – o foco estava na lupulagem

Reproduzir uma das cervejas mais cobiçadas e consumidas do mundo cervejeiro artesanal um desafio ainda pior. O rótulo mais vendido da BrewDog é este,tem o foco no sabor do lúpulo, e aí mora a grande questão.

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  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

Maiores dificuldades: - O lúpulo tem o mesmo conceito de terroir da uva – são dezenas de tipos que variam conforme o clima, solo, etc, e, por isso, suas características dependem da safra – uma por ano – e do fornecedor. Algumas variedades costumam faltar no mercado, principalmente, claro, as que têm grande procura ou são a bola da vez. A própria BrewDog já teve que mudar a receita da Punk justamente por esse motivo. Ou seja, esse é um grande desafio até para a indústria de cerveja. Com lotes que saem a cada 20 dias, o mestre-cervejeiro tem que se virar para a mudança na matéria-prima quase desaparecer no produto final. - Quando o assunto é lúpulo, o quesito frescor é a chave, tanto como matéria-prima quanto na cerveja já engarrafada. Com certeza, os lúpulos usados na BrewDog têm qualidade bem diferente dos vendidos aqui e isso aparece no resultado final da cerveja. São duas variáveis: frescor do lúpulo X frescor da cerveja. A original usa lúpulo melhor, mas está engarrafada há mais tempo. A cópia usa lúpulos mais sofridos, mas está muito mais fresca. Boa disputa!

Principais diferenças: - Na hora de degustar, pegamos uma Punk long neck e outra de 660ml, com lotes e validades diferentes, com 1 mês de intervalo. A clonada estava pronta há mais de 1 mês e o cervejeiro garante que a mudança no aroma do primeiro dia para o dia da degustação é nítida. Mesmo com mais tempo de produção, a Punk original apresentou pouco mais sabor de lúpulo. - Na receita, falta a informação sobre o tempo de lupulagem na cerveja. A variação de alguns minutos na fervura do lúpulo interfere muito no amargor. No site da cervejaria, consta que a Punk tem 35 IBU, mas na receita dá 55, o que fica perceptível mesmo. A clone tem mais amargor, mas que também foi potencializado pelo fato de ter mais adstringência.  - Na clone apareceram notas do fermento típicas de produção caseira, em que as leveduras ficam por mais tempo em contato com a cerveja.

Cervejeiro: Sérgio MüllerCusto produção caseira: R$ 16/litroPreço na loja: R$ 48 (660 ml) no BrewDog Bar – R$ 72,73/litroSite: brewdog.com/diydog

BODEBROWN PERIGOSA – com mais álcool e mais lúpulo, atenção à fermentação e lupulagem

A BodeBrown, assim como muitas outras cervejarias, nasceu de um cervejeiro caseiro que fez do hobby a profissão. E, de maneira muito aberta, mantém uma ligação de incentivo com esse movimento. Além de promover diversos cursos na própria cervejaria, vende os kits completos para reprodução das suas cervejas, o que dá uma bela adiantada no processo da clonagem.

  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

Mesmos ingredientes, mesmos fornecedores e uma receita muito detalhada. A mais detalhada das quatro, aliás, contendo todas as informações sobre a qualidade da água, tempos, temperatura... O resultado, então, não espanta: foi o clone mais parecido com a matriz.

Maior dificuldade: - A única alteração no processo foi deixar alguns dias a menos o lúpulo de dry-hopping (adição de lúpulo a frio na cerveja já pronta para conferir mais aroma) em contato com a cerveja. E, na cervejaria, o dry-hopping é feito num filtro e, na caseira, com uma espécie de saquinho de tule.

Principais diferenças: - A clone estava, obviamente, mais fresca, mas apresentava notas de levedura stressada. Sim, ela é viva e também quer ser bem tratada, ainda mais em cervejas bem alcoólicas. - A original estava levemente mais turva, com mais corpo e sabor de lúpulo, mas também mais doçura e sabor de malte - características de envelhecimento. Ou seja, as duas estavam equilibradas, mas de maneiras distintas. A original apresenta mais lúpulo, mas também mais presença do malte, em corpo e doçura. A clone tem menos presença de lúpulo, mas com menos corpo e menos dulçor.Cervejeiro: Georges ParkinsonCusto produção caseira: R$ 15/litroPreço na loja: R$ 29,50 (300ml) no Nono Bier – R$ 98,34/litroSite: loja.bodebrown.com.br/kit-perigosa-baby-20-litros

TOAST ALE – tipo de malte foi determinante

Essa receita nasceu da iniciativa da Hackney Brewery de criar uma economia circular e utilizar pão velho, que iria para o lixo, para fazer cerveja. E, por mais que a ideia seja mudar essa realidade, a receita divulgada carece de informações.

  Foto: Toast|Divulgação

Maiores dificuldades: - Para uma cerveja feita em outro país, que tem fornecedores distintos dos presentes aqui no Brasil, saber a marca ou a ficha técnica do malte é bastante relevante. Por exemplo, eles dizem para usar o malte caramalte. Mas qual? Várias maltarias têm esse tipo de malte. Se não quiseram divulgar a marca, poderiam ao menos falar a cor, que vem em unidades de medida (SRM ou EBC). - Qual tipo de pão usar? Aqui, usamos pão francês comum (o mais possível de sobrar e ser jogado fora). No começo, pensamos em usar pão de fermentação natural, livre de químicos e afins. Mas ninguém deixa um pão desses, bem mais caro, dando sopa, né?

Principais diferenças: - O resultado, muito por conta do malte, foi bastante diferente da cerveja original, mais escura e com muito mais sabor do malte caramelizado. Mesmo tendo sido trazida diretamente de Londres e a validade estar distante, a original já apresentava traços de oxidação, que intensificam ainda mais os sabores maltados. - A clone ficou muito, muito turva, ao contrário da original que foi filtrada.  - Por estar bem mais fresca, a clone apresentava bem mais aroma de lúpulo. O amargor também ficou mais intenso e desequilibrado, tanto pelas substâncias ainda em suspensão no líquido quanto pela falta do caramelizado do malte utilizado. - Em ambas as cervejas, não dá pra detectar o pão na receita, o que já era esperado: o amido do pão é convertido em açúcar que é consumido na fermentação.

Cervejeiro: Luís Nascimento, professor de produção caseira na cervejaria-escola SinnatrahCusto produção caseira: R$ 5/litroPreço na loja: 2,5 libras no toastale.com (330 ml) – $ 25/litroSite: toastale.com/toast-ale-recipe

Não é de hoje que as cervejarias divulgam suas receitas (a italiana Baladin faz isso desde 2008), porém, recentemente, cada vez mais cervejarias renomadas estão abrindo suas fórmulas – seja por transparência, para incentivar os cervejeiros caseiros, ou pelo marketing, já que essa divulgação tem dado boa repercussão pela internet. Quando revelou todas as suas receitas, a cervejaria escocesa BrewDog anunciou que ali estava a chave para o seu reino. Será mesmo?

  Foto: Alex Silva|Estadão

Foi essa a pergunta que inspirou esta reportagem. A ideia de reproduzir a BrewDog Punk IPA, a Bodebrown Perigosa, a Toast Ale e a Bohemia 14-Weiss empolgou os cervejeiros caseiros convidados – Paulo Mattos, Luís Nascimento, Sérgio Müller e Georges Parkinson. Afinal, o que eles gostam mesmo é de passar horas olhando para uma panela, nos dias de folga ou na madrugada.

O hobby de fazer cerveja, que tem atraído muita gente, pode ser prazeroso e relativamente simples, mas ter uma boa cerveja feita em casa requer esforço, concentração e dedicação desde a compra dos insumos, organização da cozinha, muitas horas na função, panelas enormes para lavar… E ainda há os dias de espera até saber se a cerveja ficou bebível – não é exagero. 

Para se ter uma ideia, dos quatro cervejeiros convidados, todos experientes e premiados, dois tiveram que fazer a receita mais de uma vez ao notar no meio do caminho que tinha dado errado. 

A prova. Passados 30 dias depois de fazer e refazer, chegou o momento da prova. Marcamos o encontro no bar da BrewDog por um motivo: a marca nasceu num fogão caseiro. Os cervejeiros chegaram carregando seus barris e garrafas. O mestre-cervejeiro Alexandre Figliolino foi convidado para a degustação. Ele provou as genéricas, abriu as originais e as provou também, comparou e fez as avaliações. Terminou com dicas para melhorar as cervejas em questão. 

Time. A partir da esquerda, os cervejeiros caseiros Paulo, Georges, Luís e Sérgio Foto: Ernersto Rodrigues|Estadão

A conclusão é que ter a receita em mãos é só o começo da história. Conseguir reproduzir fielmente uma receita depende de diversos fatores. “O segredo maior está na técnica e no conhecimento aplicados na produção”, avalia Figliolino. Mesmo em desvantagem tecnológica, quem faz em casa ganha ao consumir a bebida direto da fonte e em poder dar seu toque pessoal. O atrativo maior é o prazer de tomar uma cerveja feita com as próprias mãos.

A RECEITA É SÓ O INÍCIO

● O maior desafio é o controle da fermentação, que envolve administração de temperatura, dosagem de fermento e aeração do mosto corretos. ● Ales são mais fáceis de reproduzir do que lagers. ● A temperatura do termostato da geladeira não é, necessariamente, a temperatura do líquido. A questão é que 1°C faz diferença no processo.  ● A pressão no tanque da cervejaria é controlada e a do balde do cervejeiro caseiro, não. É preciso cuidado. ● É fundamental saber identificar a moagem apropriada do malte, a intensidade correta da fervura e a turbidez do mosto filtrado.

BOHEMIA 14-WEISS – fermentação era o segredo

Com a receita vinda da AB-Inbev, a - de muito longe - maior cervejaria dentre 4 participantes, a Bohemia tem o melhor da tecnologia cervejeira a seu favor. Essa versão tem a proposta de ser bem fácil de beber, com somente 4,3% de teor alcoólico e aromas de fermentação - de banana e cravo - mais moderados do que a versão tradicional alemã. E não. Não vai milho! 

  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

 Maiores dificuldades: - Quanto mais delicada a cerveja, mais fácil é aparecerem alterações e defeitos, já que não há outras características intensas para mascarar. Isso pede muito cuidado técnico na produção. - A temperatura pedida no começo da fermentação é difícil de aferir em casa - em vez de deixar a 13°C nos dois primeiros dias e depois subir para 18°C, como manda a receita, fez direto a 18°C, por falta de equipamento, o que interfere bastante nos aromas.

Principais diferenças: - Enquanto a Bohemia 14-Weiss é uma cerveja de aroma mais sutil, com presença mais moderada do fermento e leve toque cítrico do lúpulo, o clone acabou apresentando características mais intensas de cravo e banana. - No aspecto visual a versão caseira se demonstrou mais turva, consequência de uma filtração sem a eficiência de um equipamento industrial e maturação mais curta, já que ela teve que ser bebida dois dias antes por conta da data da degustação.

Cervejeiro: Paulo MattosCusto produção caseira: R$ 5,69/litroPreço na loja: R$ 4,99 no Empório da Cerveja (300 ml) – R$ 16,64/litro Site: cervejariabohemia.com.br/receitas

BREWDOG PUNK IPA – o foco estava na lupulagem

Reproduzir uma das cervejas mais cobiçadas e consumidas do mundo cervejeiro artesanal um desafio ainda pior. O rótulo mais vendido da BrewDog é este,tem o foco no sabor do lúpulo, e aí mora a grande questão.

  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

Maiores dificuldades: - O lúpulo tem o mesmo conceito de terroir da uva – são dezenas de tipos que variam conforme o clima, solo, etc, e, por isso, suas características dependem da safra – uma por ano – e do fornecedor. Algumas variedades costumam faltar no mercado, principalmente, claro, as que têm grande procura ou são a bola da vez. A própria BrewDog já teve que mudar a receita da Punk justamente por esse motivo. Ou seja, esse é um grande desafio até para a indústria de cerveja. Com lotes que saem a cada 20 dias, o mestre-cervejeiro tem que se virar para a mudança na matéria-prima quase desaparecer no produto final. - Quando o assunto é lúpulo, o quesito frescor é a chave, tanto como matéria-prima quanto na cerveja já engarrafada. Com certeza, os lúpulos usados na BrewDog têm qualidade bem diferente dos vendidos aqui e isso aparece no resultado final da cerveja. São duas variáveis: frescor do lúpulo X frescor da cerveja. A original usa lúpulo melhor, mas está engarrafada há mais tempo. A cópia usa lúpulos mais sofridos, mas está muito mais fresca. Boa disputa!

Principais diferenças: - Na hora de degustar, pegamos uma Punk long neck e outra de 660ml, com lotes e validades diferentes, com 1 mês de intervalo. A clonada estava pronta há mais de 1 mês e o cervejeiro garante que a mudança no aroma do primeiro dia para o dia da degustação é nítida. Mesmo com mais tempo de produção, a Punk original apresentou pouco mais sabor de lúpulo. - Na receita, falta a informação sobre o tempo de lupulagem na cerveja. A variação de alguns minutos na fervura do lúpulo interfere muito no amargor. No site da cervejaria, consta que a Punk tem 35 IBU, mas na receita dá 55, o que fica perceptível mesmo. A clone tem mais amargor, mas que também foi potencializado pelo fato de ter mais adstringência.  - Na clone apareceram notas do fermento típicas de produção caseira, em que as leveduras ficam por mais tempo em contato com a cerveja.

Cervejeiro: Sérgio MüllerCusto produção caseira: R$ 16/litroPreço na loja: R$ 48 (660 ml) no BrewDog Bar – R$ 72,73/litroSite: brewdog.com/diydog

BODEBROWN PERIGOSA – com mais álcool e mais lúpulo, atenção à fermentação e lupulagem

A BodeBrown, assim como muitas outras cervejarias, nasceu de um cervejeiro caseiro que fez do hobby a profissão. E, de maneira muito aberta, mantém uma ligação de incentivo com esse movimento. Além de promover diversos cursos na própria cervejaria, vende os kits completos para reprodução das suas cervejas, o que dá uma bela adiantada no processo da clonagem.

  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

Mesmos ingredientes, mesmos fornecedores e uma receita muito detalhada. A mais detalhada das quatro, aliás, contendo todas as informações sobre a qualidade da água, tempos, temperatura... O resultado, então, não espanta: foi o clone mais parecido com a matriz.

Maior dificuldade: - A única alteração no processo foi deixar alguns dias a menos o lúpulo de dry-hopping (adição de lúpulo a frio na cerveja já pronta para conferir mais aroma) em contato com a cerveja. E, na cervejaria, o dry-hopping é feito num filtro e, na caseira, com uma espécie de saquinho de tule.

Principais diferenças: - A clone estava, obviamente, mais fresca, mas apresentava notas de levedura stressada. Sim, ela é viva e também quer ser bem tratada, ainda mais em cervejas bem alcoólicas. - A original estava levemente mais turva, com mais corpo e sabor de lúpulo, mas também mais doçura e sabor de malte - características de envelhecimento. Ou seja, as duas estavam equilibradas, mas de maneiras distintas. A original apresenta mais lúpulo, mas também mais presença do malte, em corpo e doçura. A clone tem menos presença de lúpulo, mas com menos corpo e menos dulçor.Cervejeiro: Georges ParkinsonCusto produção caseira: R$ 15/litroPreço na loja: R$ 29,50 (300ml) no Nono Bier – R$ 98,34/litroSite: loja.bodebrown.com.br/kit-perigosa-baby-20-litros

TOAST ALE – tipo de malte foi determinante

Essa receita nasceu da iniciativa da Hackney Brewery de criar uma economia circular e utilizar pão velho, que iria para o lixo, para fazer cerveja. E, por mais que a ideia seja mudar essa realidade, a receita divulgada carece de informações.

  Foto: Toast|Divulgação

Maiores dificuldades: - Para uma cerveja feita em outro país, que tem fornecedores distintos dos presentes aqui no Brasil, saber a marca ou a ficha técnica do malte é bastante relevante. Por exemplo, eles dizem para usar o malte caramalte. Mas qual? Várias maltarias têm esse tipo de malte. Se não quiseram divulgar a marca, poderiam ao menos falar a cor, que vem em unidades de medida (SRM ou EBC). - Qual tipo de pão usar? Aqui, usamos pão francês comum (o mais possível de sobrar e ser jogado fora). No começo, pensamos em usar pão de fermentação natural, livre de químicos e afins. Mas ninguém deixa um pão desses, bem mais caro, dando sopa, né?

Principais diferenças: - O resultado, muito por conta do malte, foi bastante diferente da cerveja original, mais escura e com muito mais sabor do malte caramelizado. Mesmo tendo sido trazida diretamente de Londres e a validade estar distante, a original já apresentava traços de oxidação, que intensificam ainda mais os sabores maltados. - A clone ficou muito, muito turva, ao contrário da original que foi filtrada.  - Por estar bem mais fresca, a clone apresentava bem mais aroma de lúpulo. O amargor também ficou mais intenso e desequilibrado, tanto pelas substâncias ainda em suspensão no líquido quanto pela falta do caramelizado do malte utilizado. - Em ambas as cervejas, não dá pra detectar o pão na receita, o que já era esperado: o amido do pão é convertido em açúcar que é consumido na fermentação.

Cervejeiro: Luís Nascimento, professor de produção caseira na cervejaria-escola SinnatrahCusto produção caseira: R$ 5/litroPreço na loja: 2,5 libras no toastale.com (330 ml) – $ 25/litroSite: toastale.com/toast-ale-recipe

Não é de hoje que as cervejarias divulgam suas receitas (a italiana Baladin faz isso desde 2008), porém, recentemente, cada vez mais cervejarias renomadas estão abrindo suas fórmulas – seja por transparência, para incentivar os cervejeiros caseiros, ou pelo marketing, já que essa divulgação tem dado boa repercussão pela internet. Quando revelou todas as suas receitas, a cervejaria escocesa BrewDog anunciou que ali estava a chave para o seu reino. Será mesmo?

  Foto: Alex Silva|Estadão

Foi essa a pergunta que inspirou esta reportagem. A ideia de reproduzir a BrewDog Punk IPA, a Bodebrown Perigosa, a Toast Ale e a Bohemia 14-Weiss empolgou os cervejeiros caseiros convidados – Paulo Mattos, Luís Nascimento, Sérgio Müller e Georges Parkinson. Afinal, o que eles gostam mesmo é de passar horas olhando para uma panela, nos dias de folga ou na madrugada.

O hobby de fazer cerveja, que tem atraído muita gente, pode ser prazeroso e relativamente simples, mas ter uma boa cerveja feita em casa requer esforço, concentração e dedicação desde a compra dos insumos, organização da cozinha, muitas horas na função, panelas enormes para lavar… E ainda há os dias de espera até saber se a cerveja ficou bebível – não é exagero. 

Para se ter uma ideia, dos quatro cervejeiros convidados, todos experientes e premiados, dois tiveram que fazer a receita mais de uma vez ao notar no meio do caminho que tinha dado errado. 

A prova. Passados 30 dias depois de fazer e refazer, chegou o momento da prova. Marcamos o encontro no bar da BrewDog por um motivo: a marca nasceu num fogão caseiro. Os cervejeiros chegaram carregando seus barris e garrafas. O mestre-cervejeiro Alexandre Figliolino foi convidado para a degustação. Ele provou as genéricas, abriu as originais e as provou também, comparou e fez as avaliações. Terminou com dicas para melhorar as cervejas em questão. 

Time. A partir da esquerda, os cervejeiros caseiros Paulo, Georges, Luís e Sérgio Foto: Ernersto Rodrigues|Estadão

A conclusão é que ter a receita em mãos é só o começo da história. Conseguir reproduzir fielmente uma receita depende de diversos fatores. “O segredo maior está na técnica e no conhecimento aplicados na produção”, avalia Figliolino. Mesmo em desvantagem tecnológica, quem faz em casa ganha ao consumir a bebida direto da fonte e em poder dar seu toque pessoal. O atrativo maior é o prazer de tomar uma cerveja feita com as próprias mãos.

A RECEITA É SÓ O INÍCIO

● O maior desafio é o controle da fermentação, que envolve administração de temperatura, dosagem de fermento e aeração do mosto corretos. ● Ales são mais fáceis de reproduzir do que lagers. ● A temperatura do termostato da geladeira não é, necessariamente, a temperatura do líquido. A questão é que 1°C faz diferença no processo.  ● A pressão no tanque da cervejaria é controlada e a do balde do cervejeiro caseiro, não. É preciso cuidado. ● É fundamental saber identificar a moagem apropriada do malte, a intensidade correta da fervura e a turbidez do mosto filtrado.

BOHEMIA 14-WEISS – fermentação era o segredo

Com a receita vinda da AB-Inbev, a - de muito longe - maior cervejaria dentre 4 participantes, a Bohemia tem o melhor da tecnologia cervejeira a seu favor. Essa versão tem a proposta de ser bem fácil de beber, com somente 4,3% de teor alcoólico e aromas de fermentação - de banana e cravo - mais moderados do que a versão tradicional alemã. E não. Não vai milho! 

  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

 Maiores dificuldades: - Quanto mais delicada a cerveja, mais fácil é aparecerem alterações e defeitos, já que não há outras características intensas para mascarar. Isso pede muito cuidado técnico na produção. - A temperatura pedida no começo da fermentação é difícil de aferir em casa - em vez de deixar a 13°C nos dois primeiros dias e depois subir para 18°C, como manda a receita, fez direto a 18°C, por falta de equipamento, o que interfere bastante nos aromas.

Principais diferenças: - Enquanto a Bohemia 14-Weiss é uma cerveja de aroma mais sutil, com presença mais moderada do fermento e leve toque cítrico do lúpulo, o clone acabou apresentando características mais intensas de cravo e banana. - No aspecto visual a versão caseira se demonstrou mais turva, consequência de uma filtração sem a eficiência de um equipamento industrial e maturação mais curta, já que ela teve que ser bebida dois dias antes por conta da data da degustação.

Cervejeiro: Paulo MattosCusto produção caseira: R$ 5,69/litroPreço na loja: R$ 4,99 no Empório da Cerveja (300 ml) – R$ 16,64/litro Site: cervejariabohemia.com.br/receitas

BREWDOG PUNK IPA – o foco estava na lupulagem

Reproduzir uma das cervejas mais cobiçadas e consumidas do mundo cervejeiro artesanal um desafio ainda pior. O rótulo mais vendido da BrewDog é este,tem o foco no sabor do lúpulo, e aí mora a grande questão.

  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

Maiores dificuldades: - O lúpulo tem o mesmo conceito de terroir da uva – são dezenas de tipos que variam conforme o clima, solo, etc, e, por isso, suas características dependem da safra – uma por ano – e do fornecedor. Algumas variedades costumam faltar no mercado, principalmente, claro, as que têm grande procura ou são a bola da vez. A própria BrewDog já teve que mudar a receita da Punk justamente por esse motivo. Ou seja, esse é um grande desafio até para a indústria de cerveja. Com lotes que saem a cada 20 dias, o mestre-cervejeiro tem que se virar para a mudança na matéria-prima quase desaparecer no produto final. - Quando o assunto é lúpulo, o quesito frescor é a chave, tanto como matéria-prima quanto na cerveja já engarrafada. Com certeza, os lúpulos usados na BrewDog têm qualidade bem diferente dos vendidos aqui e isso aparece no resultado final da cerveja. São duas variáveis: frescor do lúpulo X frescor da cerveja. A original usa lúpulo melhor, mas está engarrafada há mais tempo. A cópia usa lúpulos mais sofridos, mas está muito mais fresca. Boa disputa!

Principais diferenças: - Na hora de degustar, pegamos uma Punk long neck e outra de 660ml, com lotes e validades diferentes, com 1 mês de intervalo. A clonada estava pronta há mais de 1 mês e o cervejeiro garante que a mudança no aroma do primeiro dia para o dia da degustação é nítida. Mesmo com mais tempo de produção, a Punk original apresentou pouco mais sabor de lúpulo. - Na receita, falta a informação sobre o tempo de lupulagem na cerveja. A variação de alguns minutos na fervura do lúpulo interfere muito no amargor. No site da cervejaria, consta que a Punk tem 35 IBU, mas na receita dá 55, o que fica perceptível mesmo. A clone tem mais amargor, mas que também foi potencializado pelo fato de ter mais adstringência.  - Na clone apareceram notas do fermento típicas de produção caseira, em que as leveduras ficam por mais tempo em contato com a cerveja.

Cervejeiro: Sérgio MüllerCusto produção caseira: R$ 16/litroPreço na loja: R$ 48 (660 ml) no BrewDog Bar – R$ 72,73/litroSite: brewdog.com/diydog

BODEBROWN PERIGOSA – com mais álcool e mais lúpulo, atenção à fermentação e lupulagem

A BodeBrown, assim como muitas outras cervejarias, nasceu de um cervejeiro caseiro que fez do hobby a profissão. E, de maneira muito aberta, mantém uma ligação de incentivo com esse movimento. Além de promover diversos cursos na própria cervejaria, vende os kits completos para reprodução das suas cervejas, o que dá uma bela adiantada no processo da clonagem.

  Foto: Ernesto Rodrigues|Estadão

Mesmos ingredientes, mesmos fornecedores e uma receita muito detalhada. A mais detalhada das quatro, aliás, contendo todas as informações sobre a qualidade da água, tempos, temperatura... O resultado, então, não espanta: foi o clone mais parecido com a matriz.

Maior dificuldade: - A única alteração no processo foi deixar alguns dias a menos o lúpulo de dry-hopping (adição de lúpulo a frio na cerveja já pronta para conferir mais aroma) em contato com a cerveja. E, na cervejaria, o dry-hopping é feito num filtro e, na caseira, com uma espécie de saquinho de tule.

Principais diferenças: - A clone estava, obviamente, mais fresca, mas apresentava notas de levedura stressada. Sim, ela é viva e também quer ser bem tratada, ainda mais em cervejas bem alcoólicas. - A original estava levemente mais turva, com mais corpo e sabor de lúpulo, mas também mais doçura e sabor de malte - características de envelhecimento. Ou seja, as duas estavam equilibradas, mas de maneiras distintas. A original apresenta mais lúpulo, mas também mais presença do malte, em corpo e doçura. A clone tem menos presença de lúpulo, mas com menos corpo e menos dulçor.Cervejeiro: Georges ParkinsonCusto produção caseira: R$ 15/litroPreço na loja: R$ 29,50 (300ml) no Nono Bier – R$ 98,34/litroSite: loja.bodebrown.com.br/kit-perigosa-baby-20-litros

TOAST ALE – tipo de malte foi determinante

Essa receita nasceu da iniciativa da Hackney Brewery de criar uma economia circular e utilizar pão velho, que iria para o lixo, para fazer cerveja. E, por mais que a ideia seja mudar essa realidade, a receita divulgada carece de informações.

  Foto: Toast|Divulgação

Maiores dificuldades: - Para uma cerveja feita em outro país, que tem fornecedores distintos dos presentes aqui no Brasil, saber a marca ou a ficha técnica do malte é bastante relevante. Por exemplo, eles dizem para usar o malte caramalte. Mas qual? Várias maltarias têm esse tipo de malte. Se não quiseram divulgar a marca, poderiam ao menos falar a cor, que vem em unidades de medida (SRM ou EBC). - Qual tipo de pão usar? Aqui, usamos pão francês comum (o mais possível de sobrar e ser jogado fora). No começo, pensamos em usar pão de fermentação natural, livre de químicos e afins. Mas ninguém deixa um pão desses, bem mais caro, dando sopa, né?

Principais diferenças: - O resultado, muito por conta do malte, foi bastante diferente da cerveja original, mais escura e com muito mais sabor do malte caramelizado. Mesmo tendo sido trazida diretamente de Londres e a validade estar distante, a original já apresentava traços de oxidação, que intensificam ainda mais os sabores maltados. - A clone ficou muito, muito turva, ao contrário da original que foi filtrada.  - Por estar bem mais fresca, a clone apresentava bem mais aroma de lúpulo. O amargor também ficou mais intenso e desequilibrado, tanto pelas substâncias ainda em suspensão no líquido quanto pela falta do caramelizado do malte utilizado. - Em ambas as cervejas, não dá pra detectar o pão na receita, o que já era esperado: o amido do pão é convertido em açúcar que é consumido na fermentação.

Cervejeiro: Luís Nascimento, professor de produção caseira na cervejaria-escola SinnatrahCusto produção caseira: R$ 5/litroPreço na loja: 2,5 libras no toastale.com (330 ml) – $ 25/litroSite: toastale.com/toast-ale-recipe

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