Em 2016, o título de “homem do ano” da revista Decanter, maior honraria do mundo do vinho, veio com aroma e sabor de atraso. Como é que o enólogo, cientista e consultor Denis Dubourdieu, com mais de 35 anos de carreira e um trabalho consistente, só foi reconhecido agora pela publicação? Em entrevista ao Paladar, ele não parece incomodado com a demora. “É uma honra e uma bela consagração para a minha carreira”, disse sobre o prêmio.
Para quem o conhece, a reação faz sentido. Arthur Azevedo, presidente da ABS-SP, diz que a humildade e a elegância são dois de seus traços mais marcantes. “Toda conversa com ele é uma aula, mas não de uma forma chata, doutoral. Ele é de uma enorme simplicidade”, afirma Azevedo, cujo vinho de Dubourdieu favorito é o Sauternes L’Extravagant.
A característica é um grande mérito quando se lembra que graças a Dubourdieu o vinho branco bordalês “limpou” sua reputação manchada ao redor do mundo por um passado de muita doçura e pouca qualidade. Ávido pesquisador, é considerado um dos maiores especialistas em vinificação e no envelhecimento de brancos. É professor de enologia na Universidade de Bordeaux desde 1987, responsável por formar gerações de enólogos, publicou mais de 200 artigos científicos, e fundou o centro de pesquisa Institut des Sciences de la Vigne et du Vin em 2009.
Seus estudos têm se concentrado principalmente em leveduras e aromas. Pesquisa as causas da oxidação prematura, as notas vegetais e de pimentão verde típicas da submaturação, as moléculas responsáveis pelos aromas da Sauvignon Blanc, a estrutura molecular de vinhos com podridão nobre, e as melhores práticas para assegurar vinhos mais aromáticos na taça. Por essas e por outras, foi citado em mais de 7.000 artigos ao redor do mundo.
“Ele consegue imprimir um estilo de pureza aromática pelo método de vinificação por conhecer muito bem a arte de trabalhar as leveduras”, afirma a sommelière Eliana Araújo, da Wine Soul. Para Tiago Locatelli, do restaurante Varanda, é um dos maiores nomes da enologia moderna. “Seu Sauternes é um dos grandes.”
Além de prestar serviços como consultor para inúmeras vinícolas como Château d’Yquem, Cheval Blanc e Margaux (Pavillon Blanc), hoje administra as propriedades da família em Bordeaux (entre elas Château Reynon, Doisy-Däene e Clos Floridene) com o auxílio da mulher Florence, que como ele vem de uma longa linhagem de produtores de vinho, e dos dois filhos.
Fabrice, formado engenheiro enólogo, é diretor técnico dos vinhedos e fica responsável pelos mercados do Reino Unido e da Ásia. Jean-Jacques, economista, é responsável por parte da vinificação e pelas divulgação e promoção, o que o faz visitar os mercados mais relevantes para seus châteaux anualmente. Acabou virando um habitué do Brasil.
Ao Paladar Jean-Jacques disse em tom de crítica que o título da Decanter saiu com dez anos de atraso. E que, diferentemente da mãe, que deve se retirar da vida profissional no ano que vem, o pai não tem planos de se aposentar.
Ao ler as respostas de Dubourdieu, tenho um palpite sobre o motivo que não o deixa parar. Para ele, é a obsessão que leva o homem a fazer um grande vinho – a busca incessante por revelar o terroir e tirar o melhor das uvas. Provavelmente, dentro do professor, mesmo que o público já tenha se apaixonado por seus vinhos, a obsessão persiste. Abaixo, a entrevista com o enólogo.
Qual é seu maior sucesso como enólogo? Certamente a criação do Clos Floridene, em 1982, é um dos mais belos sucessos enológicos. Nós partimos do nada e hoje Clos Floridene é notadamente uma marca mundial quando se fala em brancos.
Que vinho bebe no dia a dia? Evidentemente eu bebo meus vinhos e todos aqueles aos quais eu dou consultoria. Mas eu tenho uma queda pelos grandes Borgonha brancos e pelos vinhos velhos licorosos.
Como é trabalhar com a família? Trabalhamos todos juntos com nossos 36 colaboradores apaixonados. É um verdadeiro prazer ter na vinicultura uma estrutura familiar e visibilidade mundial.
Como vê a evolução do vinho desde o começo de sua carreira? A enologia moderna trouxe enormes progressos e melhorou muito a qualidade média dos vinhos. A técnica não deve entretanto nos fazer esquecer o principal: o terroir e a singularidade do gosto. A técnica e a mão do homem não fazem nada sem o terroir e sua identidade. Muito frequentemente se planta em superfícies que não têm potencial. O resultados são vinhos banais.
Como avalia a produção francesa atual? Globalmente, a produção francesa está hoje em seu melhor nível. Mas os aspectos de rendimento são uma verdadeira preocupação: como continuar competitivo no cenário internacional?
Como vê o biodinamismo? É uma prática corajosa que não se adapta em todo local e em qualquer estrutura. Eu admiro todos os que perseveram nesta direção. Mas o objetivo deve ser sempre o sabor. Se a crença leva ao melhor gosto, ótimo. Se não, é o caso de rever suas crenças.
Qual o limite da inovação? Ela é positiva ao servir à qualidade e ao proteger o meio ambiente. Agora, não podemos esquecer do bom senso. A qualidade do vinho não é ditada em função do dinheiro que nós gastamos para produzi-lo. O produtor deve ser obsessivo em revelar o terroir e as cepas de seus vinhos. A inovação deve ser apenas um meio para atingir seu objetivo e sua visão.
3X DUBOURDIEU
Três vinhos criados por Dubourdier:
CLOS FLORIDENE BLANC 2013 Corte de Sauvignon Blanc (56%), Sémillon (43%) e Muscadelle (1%), tem as particularidades dos brancos de solos calcários: aromas cítricos intensos, leve tostado, boa densidade e estrutura.
Origem: Graves, FrançaPreço: R$ 151 na Casa Flora
L’EXTRAVAGANT 2010
É o grande rótulo de Dubourdieu. “Sedutor, é mais do que um vinho de sobremesa, delicadamente denso e aveludado”, diz Eliana Araújo.
Origem: Sauternes, FrançaPreço: R$ 2.095,58 (350 ml na Casa Flora)
CHÂTEAU HAURA 2013
Experimentar um tinto de um grande mestre de brancos é educativo. Um corte de 55% de Cabernet Sauvignon e 45% de Merlot colhidas à mão, maturado por 12 meses em carvalho.
Origem: Graves, FrançaPreço: R$ 197 na Casa Flora