Há em Tóquio, supostamente, mais de 5.000 restaurantes especializados em lámen, nada além de lámen. No Japão seriam 40 mil, no total. Não sei se o número é confiável, mas é indício de um fato: lámen é popular no Japão, nos dois sentidos – é comida do dia a dia e é, também, pop. E, mesmo quando é meio ruim, é bom; superfácil de comer; barato (como a pizza deveria ser); e, quanto mais simples, melhor.
Em Tóquio, é bastante comum uma curiosa forma de ramen-ya, os restaurantes especializados: são portinhas. Você entra – ou às vezes até do lado de fora – e escolhe o lámen numa máquina, como aquelas de refrigerante. Você faz a seleção, se quiser acrescenta ingredientes, um ovo a mais, de repente, e paga. A máquina cospe uma ficha, geralmente emitindo sons fofos e palavras de agradecimento, japoneses são pródigos nisso. Você vai até o fim do corredor – são sempre corredores – entrega a ficha na janelica que dá para cozinha e recebe, em troca, um bowl fumegante. Em pé mesmo, aboletado no balcão, tem a obrigação tácita de, em poucos minutos, sorver ruidosamente os fios da massa afogados no caldo restaurador.
Em dias quentes ou frios, come-se lámen. É um prazer intenso e fugaz – que custa em torno de 500 yenes (R$ 16). Uma comida rápida na hora do almoço.
Há também as casas um pouco maiores em que você pode se sentar e onde o chef varia o caldo e os complementos. Tem até ramen-ya com estrela Michelin em Tóquio. Mas, no geral, é coisa popular – e nem por isso pouco sofisticada no sabor.
Hit pop. Do outro lado do Pacífico, nos Estados Unidos, é que o lámen – o ramen, como dizem os americanos, com o “r” retroflexo – realizou plenamente sua vocação pop. Em meados dos anos 2000, começaram a abrir restaurantes especializados em Los Angeles e Nova York. O lámen, enfim, fez a América. Claro, uma forma muito particular dele, o macarrão instantâneo, o cup noodles de microondas, já era consumido ali. Mas com a abertura de casas como o Momofuku Noodle Bar, em Nova York, em 2004, ou a chegada da rede japonesa Ippudo à cidade, em 2008, que o lámen, feito com massa fresca e caldo apurado, que ramen-yas viraram moda.
A ramenmania foi tão longe que o próprio David Chang, que a propulsionou com o Momofuku, decretou no ano passado em sua revista, a Lucky Peach, que o “lámen está morto”. Segundo o chef-empresário, “o lámen está em todo lugar, e é igual em todo lugar”.
Não há inovação, e a qualidade do que se come, ao menos nos EUA, é baixa. Ele escreve até que o seu próprio lámen, no Momofuku, é superestimado.
Exageros à parte, vale visitar as casas de Ivan Orkin e o Ramen Lab, aberto no ano passado no SoHo, casa minúscula, onde se come em pé ótimos lámens – o lugar pertence à fábrica de massa Sun Noodles e foi aberto para “educar o americano sobre a cultura do lámen japonesa”. Longas filas na porta do restaurante mostram que a fome estadunidense por lámen está longe de ser saciada.
Po aqui, casas especializadas em lámen, incorporando o respeito com os ingredientes da tradição japonesa e a embalagem pop americana, começam a aparecer fora do tradicional circuito da Liberdade. ‘O melhor lámen da minha vida’
Eu tinha um dia para conhecer Fukuoka, cidade industrial, a mais populosa da ilha de Kyushu, ao sul do Japão. Seria só um pit-stop antes de passar uns dias mergulhado feito lámen nas águas sulfurosas no Monte Aso, ali nas proximidades.
Resolvi passear no mercado da cidade, era quase meio-dia, a fome apertava. Eu não falo japonês, os comerciantes não falavam português nem inglês, mas com palavras-chave – “lámen” – e gestos – “¯\_(*-*)_/¯” – entendi que o que eu procurava ficava a poucas quadras dali.
Fukuoka é o berço do lámen estilo Hakata (outro nome dado à região e que batiza também a estação de trem da cidade). É dos lámens mais populares do mundo, o tonkotsu ramen, feito com um caldo de porco denso, viscoso e opaco – entre cinza e marrom.
Depois de umas erradas, cheguei no que seria o melhor da cidade. Esperava um restaurante portentoso, mas era só uma portinha, numa microrrua, com uma fila de operários do lado fora.
Um a um fomos entrando, silenciosamente, e ocupando os seis lugares do balcão. Do outro lado, dois cozinheiros e enormes caldeirões. Numa bonita coreografia, eles cozinhavam a massa e a escorriam com uma mão, para então montar as cumbucas de lámen hakata. A acidez do caldo excitava a língua, a massa bem amarela era, a um só tempo, elástica e esponjosa. A fatia de carne de porco desmanchava à dentada, a cebolinha superfresca coloria e abria o sabor do prato. Sluuuurp.
Fazia calor, suei à beça e comi um dos melhores lámens da vida. Sem ter tomado nada de álcool, saí meio que bêbado pelas ruas sem nome, voltei ao mercado para agradecer a indicação. Esqueci de anotar como se chamava o restaurante. Mas, se você quiser ir lá, é só perguntar, ou gesticular, pelo melhor lámen da cidade no mercado de Yanagibashi, em Fukuoka.
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Thiago Bañares,do Tan Tan Noodles Bar,ensina os segredos para não se perderna tigela