Artesanal e sustentável, chocolate amazônico atrai caçadores estrangeiros de amostras raras


Receitas, que dispensam aditivos como gordura hidrogenada, incluem outros ingredientes na região, como açaí, baruci e tucumã

Por Bruno Calixto
Atualização:

Belém (PA) - Plac! Se você ouvir este barulho ao quebrar uma barra de chocolate ao pé do ouvido, pode comemorar, ele foi temperado corretamente. E quando se trata do chocolate fino produzido na Amazônia, quer dizer também que ele foi feito com a amêndoa integral do cacau - leia-se, nibs mais manteiga -, pouquíssimo açúcar, nada de leite e nenhum aditivo artificial, como gordura hidrogenada ou algo do tipo. Ingredientes como tucumã, cupuaçu, banana frita, pimenta-murupi, açaí, bacuri e flocos de tapioca entram para incrementar textura e sabor.

É com essa receita que o chocolate amazônico vem dando mordidas cada vez maiores no mercado nacional e também no exterior. E um dos responsáveis pela boa notícia é o estado do Pará, que não só ultrapassou a Bahia na produção de cacau, como também vem despejando nas prateleiras a maior quantidade do produto embalado. O que ficou evidente nas últimas edições do Chocolat Festival, em Belém, que reuniram centenas de produtores do estado, uma boa parte da cidade de Medicilândia, na região de Altamira, atualmente, a maior produtora de cacau no Brasil.

Anualmente, são produzidos em território nacional 280 mil toneladas de cacau, sendo o Pará o responsável por cerca de 150 mil toneladas. A predominância do fruto paraense sobre o baiano, segundo o IBGE, vem de três anos para cá. Metade do cacau brasileiro é do Pará. E a consequência são os chocolates, feitos de modo artesanal, no qual o produtor acompanha cada etapa, desde a retirada do fruto do cacaueiro (tree to bar) ou então a partir da moagem das amêndoas (bean to bar) até o produto final, embalado e pronto para ser devorado.

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Chocolate amazônico, sem leite, quase nada de açúcar e zero aditivos, como gordura hidrogenada Foto: De Mendes

Muito desse sucesso se deve a nomes como o do chocolatier ítalo-brasileiro Fabio Sicilia, da Gaudens (orgasmo, em latim), que produz chocolates em Belém. São dele algumas das receitas mais premiadas, boa parte delas servida no Famiglia Sicilia, na capital paraense, onde sua irmã, Angela, toca a cozinha mesclando técnica italiana e insumos típicos do Pará. Você pode imaginar um ravioli de maniçoba? Ali tem.

Medalha de bronze no concurso mundial da Academy of Chocolate de Londres, o chocolate Gaudens é bean to bar, feito de cacau amazônico fermentado, o que resulta em um buquê de aromas. “A origem do cacau é amazônica. Ele foi levado para a Bahia. Aqui ele convive com outras culturas, a agrofloresta, por isso resiste tão bem a pragas como a vassoura de bruxa, que devassou fazendas em Ilhéus no passado”, conta Fabio. “O nosso diferencial é o controle de qualidade, desde a colheita e fermentação das amêndoa, a torra, que vai gerar os nibs, depois o chocolate em pó (sem a manteiga do cacau), que vai para a produção de chocolates finos.”

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Exclusividade de produtos

A linha Gaudens tem 36 sabores, e uma dessas maravilhas sai por R$ 30, em média, pelo site gaudens.com. Unindo a riqueza dos ingredientes da Amazônia com a criatividade do chocolatier, a crocante “Cripioca” é uma marca registrada entre as receitas: chocolate de altíssima qualidade com farinha de tapioca.

Produção sustentável do cacau

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Enquanto os chocólatras desfrutam dos mais variados sabores, há um compromisso com a sustentabilidade por trás da produção cacaueira. O que vem atraindo cada vez mais a atenção do mercado internacional. Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) apontam crescimento, nos últimos anos, das exportações. No ano passado, o valor desse mercado alcançou US$ 142 milhões, o mais alto em uma década. O volume foi de 36,1 mil toneladas de chocolate para exportação em 2022.

Na ponta, isso reflete no prestígio do produto e em sua variedade. Frutas e ervas medicinais desidratadas, embalagens biodegradáveis, manejo sustentável, chocolate Indígena. Katiana Xipaia, da comunidade indígena ribeirinha Jericoá, de Vitória do Xingu (região de Altamira), usa pitaya, abacaxi e banana na composição do seu chocolate Sıdjä Wahiü (“mulher forte”), feito com cacau de Medicilândia (PA). A marca foi lançada em junho deste ano, não leva leite, o que adoça é o mel de abelha nativa. Uma barra de 75g (54% a 72% de cacau) custa R$ 29,90 e pode ser comprada via Instagram (@sidja_wahiu).

“Assim como nós, outras comunidades indígenas também foram beneficiadas e, juntas, fazemos parte da primeira linha de chocolates da Cacauway Comunidades Indígenas, uma cooperativa de chocolates tree to bar, o primeiro da Transamazônica”, ressalta Katiana.

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Outro chocolate paraense famoso pelo savoir-faire ambiental - embora sem nome nem rótulo - vem das terras quilombolas Moju-Miri, da cidade de Moju, a seis quilômetros da capital Belém, pertencente à microrregião de Tomé-Açu. Um produto 100% orgânico e selvagem, cujo cacau vem de florestas alagadas pelo Rio Moju. Quem toca o negócio é João Cardoso e sua família. A barra 100% cacau chega a R$ 70, mas só indo até lá para experimentar.

Uma novidade que promete surpreender os paladares mais apurados é o chocolate Lá do Sítio, fruto da agricultura familiar. Paulo Barbosa planta e cuida do cacau. Jussara faz o chocolate tree to bar. A filha, Tatiana, dá os retoques finais e ajuda na comercialização. A família vem de Vitória do Xingu, onde aprendeu que castanha, pitaya e cumaru dão liga com cacau. E que liga! A primeira safra acabou de sair, ainda não tem nem embalagem. Lá, eles produzem 15 toneladas de cacau por ano, grande parte vendida para a Natura.

Expertise Yanomami

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São esses alguns dos atrativos que vêm seduzindo “caçadores” estrangeiros de chocolates raros. Caso da venezuelana radicada em Madrid, Helen Lopes, dona da Pecado, uma loja de chocolates finos que comercializa barras por até R$ 150. “O Brasil é o único país do mundo que, além de cultivar cacau, faz chocolate para o seu próprio consumo, doce e divertido.”

Cacau da De Mendes é produzido em sistema agroflorestal, em meio a outras culturas Foto: De Mendes

Chocolate com laranja todo mundo conhece, mas com cupuaçu, não. Na prateleira da loja de Helen, na capital espanhola, constam algumas das seis variedades que compõem o portfólio da paraense De Mendes, que atua com cacau colhido e pré-processado em comunidades de povos indígenas da Amazônia. Um dos que mais fazem sucesso na prateleira é o 69% cacau, produzido pelos povos Yanomami, sem leite e adoçado com rapadura orgânica. De sabor único, provoca as duas laterais da boca. Sem contar as embalagens, que trazem signos de conhecimento e vínculo com a floresta. Já se encontra por todo o Brasil (@chocolatesdemendes).

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Em comum, todas essas iniciativas na floresta trabalham com sustentabilidade, regionalidade e divulgação da cultura e gastronomia amazônicas. São mais de 300 marcas de chocolate de origem no Brasil, hoje, de acordo com Marco Lessa, idealizador do Chocolat Festival, que acabou de ganhar uma edição em Portugal. Na metade do salão, adivinha: só deu Amazônia.

Há dez anos, informa Lessa, havia duas marcas de chocolate no estado do Pará, hoje são mais de 50. “Isso só ocorre porque existe um exército de mulheres fazendo chocolate. Muitas delas viajaram 24 horas vindas do interior do estado para se apresentar e comercializar seus chocolates na capital. O resultado do terroir amazônico, mais frutado, sustentável, saudável.”

O Combu

A 15 minutos de barco da capital Belém, a Ilha do Combu é parada obrigatória. Uma oportunidade para o turista vivenciar uma verdadeira experiência na Floresta Amazônica sem precisar ir muito longe. Aquele ali é o CEP da Dona Nena, produtora de cacau (sistema agroflorestal, no qual o fruto convive com outras culturas) e do chocolate orgânico que chamou a atenção do chef Thiago Castanho: o Filha do Combu (@filhadocombu).

Dona Nena, da Filha do Combu, e o chef Thiago Castanho Foto: Arquivo Pe

“Thiago veio através da Prazeres (sobrinha da Nena, dona do restaurante vizinho Saudosa Maloca) e me chamou de doida”, conta ela, que iniciou a produção em 2006.

Passados 13 anos, ela se formou chocolatier e o resultado foi uma melhora sem igual no seu produto: sem leite, só cacau e açúcar orgânico (bem pouco). Com o tempo, a amizade entre ela e o chef famoso virou um negócio lucrativo para ambos. Hoje, Castanho é embaixador do chocolate da Dona Nena, uma cacaueira de mão cheia antes de mais nada.

Na volta para Belém, a dica é parar no Saudosa Maloca e provar algumas das receitas ribeirinhas, como a caldeirada paraense com filhote, camarões, tucupi e arroz com pirão (R$ 179 para até três pessoas) ou o tambaqui na brasa, servido com arroz de jambu, farofa e vinagrete (R$ 139,90).

O jornalista viajou a convite do Chocolat Festival.

Belém (PA) - Plac! Se você ouvir este barulho ao quebrar uma barra de chocolate ao pé do ouvido, pode comemorar, ele foi temperado corretamente. E quando se trata do chocolate fino produzido na Amazônia, quer dizer também que ele foi feito com a amêndoa integral do cacau - leia-se, nibs mais manteiga -, pouquíssimo açúcar, nada de leite e nenhum aditivo artificial, como gordura hidrogenada ou algo do tipo. Ingredientes como tucumã, cupuaçu, banana frita, pimenta-murupi, açaí, bacuri e flocos de tapioca entram para incrementar textura e sabor.

É com essa receita que o chocolate amazônico vem dando mordidas cada vez maiores no mercado nacional e também no exterior. E um dos responsáveis pela boa notícia é o estado do Pará, que não só ultrapassou a Bahia na produção de cacau, como também vem despejando nas prateleiras a maior quantidade do produto embalado. O que ficou evidente nas últimas edições do Chocolat Festival, em Belém, que reuniram centenas de produtores do estado, uma boa parte da cidade de Medicilândia, na região de Altamira, atualmente, a maior produtora de cacau no Brasil.

Anualmente, são produzidos em território nacional 280 mil toneladas de cacau, sendo o Pará o responsável por cerca de 150 mil toneladas. A predominância do fruto paraense sobre o baiano, segundo o IBGE, vem de três anos para cá. Metade do cacau brasileiro é do Pará. E a consequência são os chocolates, feitos de modo artesanal, no qual o produtor acompanha cada etapa, desde a retirada do fruto do cacaueiro (tree to bar) ou então a partir da moagem das amêndoas (bean to bar) até o produto final, embalado e pronto para ser devorado.

Chocolate amazônico, sem leite, quase nada de açúcar e zero aditivos, como gordura hidrogenada Foto: De Mendes

Muito desse sucesso se deve a nomes como o do chocolatier ítalo-brasileiro Fabio Sicilia, da Gaudens (orgasmo, em latim), que produz chocolates em Belém. São dele algumas das receitas mais premiadas, boa parte delas servida no Famiglia Sicilia, na capital paraense, onde sua irmã, Angela, toca a cozinha mesclando técnica italiana e insumos típicos do Pará. Você pode imaginar um ravioli de maniçoba? Ali tem.

Medalha de bronze no concurso mundial da Academy of Chocolate de Londres, o chocolate Gaudens é bean to bar, feito de cacau amazônico fermentado, o que resulta em um buquê de aromas. “A origem do cacau é amazônica. Ele foi levado para a Bahia. Aqui ele convive com outras culturas, a agrofloresta, por isso resiste tão bem a pragas como a vassoura de bruxa, que devassou fazendas em Ilhéus no passado”, conta Fabio. “O nosso diferencial é o controle de qualidade, desde a colheita e fermentação das amêndoa, a torra, que vai gerar os nibs, depois o chocolate em pó (sem a manteiga do cacau), que vai para a produção de chocolates finos.”

Exclusividade de produtos

A linha Gaudens tem 36 sabores, e uma dessas maravilhas sai por R$ 30, em média, pelo site gaudens.com. Unindo a riqueza dos ingredientes da Amazônia com a criatividade do chocolatier, a crocante “Cripioca” é uma marca registrada entre as receitas: chocolate de altíssima qualidade com farinha de tapioca.

Produção sustentável do cacau

Enquanto os chocólatras desfrutam dos mais variados sabores, há um compromisso com a sustentabilidade por trás da produção cacaueira. O que vem atraindo cada vez mais a atenção do mercado internacional. Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) apontam crescimento, nos últimos anos, das exportações. No ano passado, o valor desse mercado alcançou US$ 142 milhões, o mais alto em uma década. O volume foi de 36,1 mil toneladas de chocolate para exportação em 2022.

Na ponta, isso reflete no prestígio do produto e em sua variedade. Frutas e ervas medicinais desidratadas, embalagens biodegradáveis, manejo sustentável, chocolate Indígena. Katiana Xipaia, da comunidade indígena ribeirinha Jericoá, de Vitória do Xingu (região de Altamira), usa pitaya, abacaxi e banana na composição do seu chocolate Sıdjä Wahiü (“mulher forte”), feito com cacau de Medicilândia (PA). A marca foi lançada em junho deste ano, não leva leite, o que adoça é o mel de abelha nativa. Uma barra de 75g (54% a 72% de cacau) custa R$ 29,90 e pode ser comprada via Instagram (@sidja_wahiu).

“Assim como nós, outras comunidades indígenas também foram beneficiadas e, juntas, fazemos parte da primeira linha de chocolates da Cacauway Comunidades Indígenas, uma cooperativa de chocolates tree to bar, o primeiro da Transamazônica”, ressalta Katiana.

Outro chocolate paraense famoso pelo savoir-faire ambiental - embora sem nome nem rótulo - vem das terras quilombolas Moju-Miri, da cidade de Moju, a seis quilômetros da capital Belém, pertencente à microrregião de Tomé-Açu. Um produto 100% orgânico e selvagem, cujo cacau vem de florestas alagadas pelo Rio Moju. Quem toca o negócio é João Cardoso e sua família. A barra 100% cacau chega a R$ 70, mas só indo até lá para experimentar.

Uma novidade que promete surpreender os paladares mais apurados é o chocolate Lá do Sítio, fruto da agricultura familiar. Paulo Barbosa planta e cuida do cacau. Jussara faz o chocolate tree to bar. A filha, Tatiana, dá os retoques finais e ajuda na comercialização. A família vem de Vitória do Xingu, onde aprendeu que castanha, pitaya e cumaru dão liga com cacau. E que liga! A primeira safra acabou de sair, ainda não tem nem embalagem. Lá, eles produzem 15 toneladas de cacau por ano, grande parte vendida para a Natura.

Expertise Yanomami

São esses alguns dos atrativos que vêm seduzindo “caçadores” estrangeiros de chocolates raros. Caso da venezuelana radicada em Madrid, Helen Lopes, dona da Pecado, uma loja de chocolates finos que comercializa barras por até R$ 150. “O Brasil é o único país do mundo que, além de cultivar cacau, faz chocolate para o seu próprio consumo, doce e divertido.”

Cacau da De Mendes é produzido em sistema agroflorestal, em meio a outras culturas Foto: De Mendes

Chocolate com laranja todo mundo conhece, mas com cupuaçu, não. Na prateleira da loja de Helen, na capital espanhola, constam algumas das seis variedades que compõem o portfólio da paraense De Mendes, que atua com cacau colhido e pré-processado em comunidades de povos indígenas da Amazônia. Um dos que mais fazem sucesso na prateleira é o 69% cacau, produzido pelos povos Yanomami, sem leite e adoçado com rapadura orgânica. De sabor único, provoca as duas laterais da boca. Sem contar as embalagens, que trazem signos de conhecimento e vínculo com a floresta. Já se encontra por todo o Brasil (@chocolatesdemendes).

Em comum, todas essas iniciativas na floresta trabalham com sustentabilidade, regionalidade e divulgação da cultura e gastronomia amazônicas. São mais de 300 marcas de chocolate de origem no Brasil, hoje, de acordo com Marco Lessa, idealizador do Chocolat Festival, que acabou de ganhar uma edição em Portugal. Na metade do salão, adivinha: só deu Amazônia.

Há dez anos, informa Lessa, havia duas marcas de chocolate no estado do Pará, hoje são mais de 50. “Isso só ocorre porque existe um exército de mulheres fazendo chocolate. Muitas delas viajaram 24 horas vindas do interior do estado para se apresentar e comercializar seus chocolates na capital. O resultado do terroir amazônico, mais frutado, sustentável, saudável.”

O Combu

A 15 minutos de barco da capital Belém, a Ilha do Combu é parada obrigatória. Uma oportunidade para o turista vivenciar uma verdadeira experiência na Floresta Amazônica sem precisar ir muito longe. Aquele ali é o CEP da Dona Nena, produtora de cacau (sistema agroflorestal, no qual o fruto convive com outras culturas) e do chocolate orgânico que chamou a atenção do chef Thiago Castanho: o Filha do Combu (@filhadocombu).

Dona Nena, da Filha do Combu, e o chef Thiago Castanho Foto: Arquivo Pe

“Thiago veio através da Prazeres (sobrinha da Nena, dona do restaurante vizinho Saudosa Maloca) e me chamou de doida”, conta ela, que iniciou a produção em 2006.

Passados 13 anos, ela se formou chocolatier e o resultado foi uma melhora sem igual no seu produto: sem leite, só cacau e açúcar orgânico (bem pouco). Com o tempo, a amizade entre ela e o chef famoso virou um negócio lucrativo para ambos. Hoje, Castanho é embaixador do chocolate da Dona Nena, uma cacaueira de mão cheia antes de mais nada.

Na volta para Belém, a dica é parar no Saudosa Maloca e provar algumas das receitas ribeirinhas, como a caldeirada paraense com filhote, camarões, tucupi e arroz com pirão (R$ 179 para até três pessoas) ou o tambaqui na brasa, servido com arroz de jambu, farofa e vinagrete (R$ 139,90).

O jornalista viajou a convite do Chocolat Festival.

Belém (PA) - Plac! Se você ouvir este barulho ao quebrar uma barra de chocolate ao pé do ouvido, pode comemorar, ele foi temperado corretamente. E quando se trata do chocolate fino produzido na Amazônia, quer dizer também que ele foi feito com a amêndoa integral do cacau - leia-se, nibs mais manteiga -, pouquíssimo açúcar, nada de leite e nenhum aditivo artificial, como gordura hidrogenada ou algo do tipo. Ingredientes como tucumã, cupuaçu, banana frita, pimenta-murupi, açaí, bacuri e flocos de tapioca entram para incrementar textura e sabor.

É com essa receita que o chocolate amazônico vem dando mordidas cada vez maiores no mercado nacional e também no exterior. E um dos responsáveis pela boa notícia é o estado do Pará, que não só ultrapassou a Bahia na produção de cacau, como também vem despejando nas prateleiras a maior quantidade do produto embalado. O que ficou evidente nas últimas edições do Chocolat Festival, em Belém, que reuniram centenas de produtores do estado, uma boa parte da cidade de Medicilândia, na região de Altamira, atualmente, a maior produtora de cacau no Brasil.

Anualmente, são produzidos em território nacional 280 mil toneladas de cacau, sendo o Pará o responsável por cerca de 150 mil toneladas. A predominância do fruto paraense sobre o baiano, segundo o IBGE, vem de três anos para cá. Metade do cacau brasileiro é do Pará. E a consequência são os chocolates, feitos de modo artesanal, no qual o produtor acompanha cada etapa, desde a retirada do fruto do cacaueiro (tree to bar) ou então a partir da moagem das amêndoas (bean to bar) até o produto final, embalado e pronto para ser devorado.

Chocolate amazônico, sem leite, quase nada de açúcar e zero aditivos, como gordura hidrogenada Foto: De Mendes

Muito desse sucesso se deve a nomes como o do chocolatier ítalo-brasileiro Fabio Sicilia, da Gaudens (orgasmo, em latim), que produz chocolates em Belém. São dele algumas das receitas mais premiadas, boa parte delas servida no Famiglia Sicilia, na capital paraense, onde sua irmã, Angela, toca a cozinha mesclando técnica italiana e insumos típicos do Pará. Você pode imaginar um ravioli de maniçoba? Ali tem.

Medalha de bronze no concurso mundial da Academy of Chocolate de Londres, o chocolate Gaudens é bean to bar, feito de cacau amazônico fermentado, o que resulta em um buquê de aromas. “A origem do cacau é amazônica. Ele foi levado para a Bahia. Aqui ele convive com outras culturas, a agrofloresta, por isso resiste tão bem a pragas como a vassoura de bruxa, que devassou fazendas em Ilhéus no passado”, conta Fabio. “O nosso diferencial é o controle de qualidade, desde a colheita e fermentação das amêndoa, a torra, que vai gerar os nibs, depois o chocolate em pó (sem a manteiga do cacau), que vai para a produção de chocolates finos.”

Exclusividade de produtos

A linha Gaudens tem 36 sabores, e uma dessas maravilhas sai por R$ 30, em média, pelo site gaudens.com. Unindo a riqueza dos ingredientes da Amazônia com a criatividade do chocolatier, a crocante “Cripioca” é uma marca registrada entre as receitas: chocolate de altíssima qualidade com farinha de tapioca.

Produção sustentável do cacau

Enquanto os chocólatras desfrutam dos mais variados sabores, há um compromisso com a sustentabilidade por trás da produção cacaueira. O que vem atraindo cada vez mais a atenção do mercado internacional. Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) apontam crescimento, nos últimos anos, das exportações. No ano passado, o valor desse mercado alcançou US$ 142 milhões, o mais alto em uma década. O volume foi de 36,1 mil toneladas de chocolate para exportação em 2022.

Na ponta, isso reflete no prestígio do produto e em sua variedade. Frutas e ervas medicinais desidratadas, embalagens biodegradáveis, manejo sustentável, chocolate Indígena. Katiana Xipaia, da comunidade indígena ribeirinha Jericoá, de Vitória do Xingu (região de Altamira), usa pitaya, abacaxi e banana na composição do seu chocolate Sıdjä Wahiü (“mulher forte”), feito com cacau de Medicilândia (PA). A marca foi lançada em junho deste ano, não leva leite, o que adoça é o mel de abelha nativa. Uma barra de 75g (54% a 72% de cacau) custa R$ 29,90 e pode ser comprada via Instagram (@sidja_wahiu).

“Assim como nós, outras comunidades indígenas também foram beneficiadas e, juntas, fazemos parte da primeira linha de chocolates da Cacauway Comunidades Indígenas, uma cooperativa de chocolates tree to bar, o primeiro da Transamazônica”, ressalta Katiana.

Outro chocolate paraense famoso pelo savoir-faire ambiental - embora sem nome nem rótulo - vem das terras quilombolas Moju-Miri, da cidade de Moju, a seis quilômetros da capital Belém, pertencente à microrregião de Tomé-Açu. Um produto 100% orgânico e selvagem, cujo cacau vem de florestas alagadas pelo Rio Moju. Quem toca o negócio é João Cardoso e sua família. A barra 100% cacau chega a R$ 70, mas só indo até lá para experimentar.

Uma novidade que promete surpreender os paladares mais apurados é o chocolate Lá do Sítio, fruto da agricultura familiar. Paulo Barbosa planta e cuida do cacau. Jussara faz o chocolate tree to bar. A filha, Tatiana, dá os retoques finais e ajuda na comercialização. A família vem de Vitória do Xingu, onde aprendeu que castanha, pitaya e cumaru dão liga com cacau. E que liga! A primeira safra acabou de sair, ainda não tem nem embalagem. Lá, eles produzem 15 toneladas de cacau por ano, grande parte vendida para a Natura.

Expertise Yanomami

São esses alguns dos atrativos que vêm seduzindo “caçadores” estrangeiros de chocolates raros. Caso da venezuelana radicada em Madrid, Helen Lopes, dona da Pecado, uma loja de chocolates finos que comercializa barras por até R$ 150. “O Brasil é o único país do mundo que, além de cultivar cacau, faz chocolate para o seu próprio consumo, doce e divertido.”

Cacau da De Mendes é produzido em sistema agroflorestal, em meio a outras culturas Foto: De Mendes

Chocolate com laranja todo mundo conhece, mas com cupuaçu, não. Na prateleira da loja de Helen, na capital espanhola, constam algumas das seis variedades que compõem o portfólio da paraense De Mendes, que atua com cacau colhido e pré-processado em comunidades de povos indígenas da Amazônia. Um dos que mais fazem sucesso na prateleira é o 69% cacau, produzido pelos povos Yanomami, sem leite e adoçado com rapadura orgânica. De sabor único, provoca as duas laterais da boca. Sem contar as embalagens, que trazem signos de conhecimento e vínculo com a floresta. Já se encontra por todo o Brasil (@chocolatesdemendes).

Em comum, todas essas iniciativas na floresta trabalham com sustentabilidade, regionalidade e divulgação da cultura e gastronomia amazônicas. São mais de 300 marcas de chocolate de origem no Brasil, hoje, de acordo com Marco Lessa, idealizador do Chocolat Festival, que acabou de ganhar uma edição em Portugal. Na metade do salão, adivinha: só deu Amazônia.

Há dez anos, informa Lessa, havia duas marcas de chocolate no estado do Pará, hoje são mais de 50. “Isso só ocorre porque existe um exército de mulheres fazendo chocolate. Muitas delas viajaram 24 horas vindas do interior do estado para se apresentar e comercializar seus chocolates na capital. O resultado do terroir amazônico, mais frutado, sustentável, saudável.”

O Combu

A 15 minutos de barco da capital Belém, a Ilha do Combu é parada obrigatória. Uma oportunidade para o turista vivenciar uma verdadeira experiência na Floresta Amazônica sem precisar ir muito longe. Aquele ali é o CEP da Dona Nena, produtora de cacau (sistema agroflorestal, no qual o fruto convive com outras culturas) e do chocolate orgânico que chamou a atenção do chef Thiago Castanho: o Filha do Combu (@filhadocombu).

Dona Nena, da Filha do Combu, e o chef Thiago Castanho Foto: Arquivo Pe

“Thiago veio através da Prazeres (sobrinha da Nena, dona do restaurante vizinho Saudosa Maloca) e me chamou de doida”, conta ela, que iniciou a produção em 2006.

Passados 13 anos, ela se formou chocolatier e o resultado foi uma melhora sem igual no seu produto: sem leite, só cacau e açúcar orgânico (bem pouco). Com o tempo, a amizade entre ela e o chef famoso virou um negócio lucrativo para ambos. Hoje, Castanho é embaixador do chocolate da Dona Nena, uma cacaueira de mão cheia antes de mais nada.

Na volta para Belém, a dica é parar no Saudosa Maloca e provar algumas das receitas ribeirinhas, como a caldeirada paraense com filhote, camarões, tucupi e arroz com pirão (R$ 179 para até três pessoas) ou o tambaqui na brasa, servido com arroz de jambu, farofa e vinagrete (R$ 139,90).

O jornalista viajou a convite do Chocolat Festival.

Belém (PA) - Plac! Se você ouvir este barulho ao quebrar uma barra de chocolate ao pé do ouvido, pode comemorar, ele foi temperado corretamente. E quando se trata do chocolate fino produzido na Amazônia, quer dizer também que ele foi feito com a amêndoa integral do cacau - leia-se, nibs mais manteiga -, pouquíssimo açúcar, nada de leite e nenhum aditivo artificial, como gordura hidrogenada ou algo do tipo. Ingredientes como tucumã, cupuaçu, banana frita, pimenta-murupi, açaí, bacuri e flocos de tapioca entram para incrementar textura e sabor.

É com essa receita que o chocolate amazônico vem dando mordidas cada vez maiores no mercado nacional e também no exterior. E um dos responsáveis pela boa notícia é o estado do Pará, que não só ultrapassou a Bahia na produção de cacau, como também vem despejando nas prateleiras a maior quantidade do produto embalado. O que ficou evidente nas últimas edições do Chocolat Festival, em Belém, que reuniram centenas de produtores do estado, uma boa parte da cidade de Medicilândia, na região de Altamira, atualmente, a maior produtora de cacau no Brasil.

Anualmente, são produzidos em território nacional 280 mil toneladas de cacau, sendo o Pará o responsável por cerca de 150 mil toneladas. A predominância do fruto paraense sobre o baiano, segundo o IBGE, vem de três anos para cá. Metade do cacau brasileiro é do Pará. E a consequência são os chocolates, feitos de modo artesanal, no qual o produtor acompanha cada etapa, desde a retirada do fruto do cacaueiro (tree to bar) ou então a partir da moagem das amêndoas (bean to bar) até o produto final, embalado e pronto para ser devorado.

Chocolate amazônico, sem leite, quase nada de açúcar e zero aditivos, como gordura hidrogenada Foto: De Mendes

Muito desse sucesso se deve a nomes como o do chocolatier ítalo-brasileiro Fabio Sicilia, da Gaudens (orgasmo, em latim), que produz chocolates em Belém. São dele algumas das receitas mais premiadas, boa parte delas servida no Famiglia Sicilia, na capital paraense, onde sua irmã, Angela, toca a cozinha mesclando técnica italiana e insumos típicos do Pará. Você pode imaginar um ravioli de maniçoba? Ali tem.

Medalha de bronze no concurso mundial da Academy of Chocolate de Londres, o chocolate Gaudens é bean to bar, feito de cacau amazônico fermentado, o que resulta em um buquê de aromas. “A origem do cacau é amazônica. Ele foi levado para a Bahia. Aqui ele convive com outras culturas, a agrofloresta, por isso resiste tão bem a pragas como a vassoura de bruxa, que devassou fazendas em Ilhéus no passado”, conta Fabio. “O nosso diferencial é o controle de qualidade, desde a colheita e fermentação das amêndoa, a torra, que vai gerar os nibs, depois o chocolate em pó (sem a manteiga do cacau), que vai para a produção de chocolates finos.”

Exclusividade de produtos

A linha Gaudens tem 36 sabores, e uma dessas maravilhas sai por R$ 30, em média, pelo site gaudens.com. Unindo a riqueza dos ingredientes da Amazônia com a criatividade do chocolatier, a crocante “Cripioca” é uma marca registrada entre as receitas: chocolate de altíssima qualidade com farinha de tapioca.

Produção sustentável do cacau

Enquanto os chocólatras desfrutam dos mais variados sabores, há um compromisso com a sustentabilidade por trás da produção cacaueira. O que vem atraindo cada vez mais a atenção do mercado internacional. Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) apontam crescimento, nos últimos anos, das exportações. No ano passado, o valor desse mercado alcançou US$ 142 milhões, o mais alto em uma década. O volume foi de 36,1 mil toneladas de chocolate para exportação em 2022.

Na ponta, isso reflete no prestígio do produto e em sua variedade. Frutas e ervas medicinais desidratadas, embalagens biodegradáveis, manejo sustentável, chocolate Indígena. Katiana Xipaia, da comunidade indígena ribeirinha Jericoá, de Vitória do Xingu (região de Altamira), usa pitaya, abacaxi e banana na composição do seu chocolate Sıdjä Wahiü (“mulher forte”), feito com cacau de Medicilândia (PA). A marca foi lançada em junho deste ano, não leva leite, o que adoça é o mel de abelha nativa. Uma barra de 75g (54% a 72% de cacau) custa R$ 29,90 e pode ser comprada via Instagram (@sidja_wahiu).

“Assim como nós, outras comunidades indígenas também foram beneficiadas e, juntas, fazemos parte da primeira linha de chocolates da Cacauway Comunidades Indígenas, uma cooperativa de chocolates tree to bar, o primeiro da Transamazônica”, ressalta Katiana.

Outro chocolate paraense famoso pelo savoir-faire ambiental - embora sem nome nem rótulo - vem das terras quilombolas Moju-Miri, da cidade de Moju, a seis quilômetros da capital Belém, pertencente à microrregião de Tomé-Açu. Um produto 100% orgânico e selvagem, cujo cacau vem de florestas alagadas pelo Rio Moju. Quem toca o negócio é João Cardoso e sua família. A barra 100% cacau chega a R$ 70, mas só indo até lá para experimentar.

Uma novidade que promete surpreender os paladares mais apurados é o chocolate Lá do Sítio, fruto da agricultura familiar. Paulo Barbosa planta e cuida do cacau. Jussara faz o chocolate tree to bar. A filha, Tatiana, dá os retoques finais e ajuda na comercialização. A família vem de Vitória do Xingu, onde aprendeu que castanha, pitaya e cumaru dão liga com cacau. E que liga! A primeira safra acabou de sair, ainda não tem nem embalagem. Lá, eles produzem 15 toneladas de cacau por ano, grande parte vendida para a Natura.

Expertise Yanomami

São esses alguns dos atrativos que vêm seduzindo “caçadores” estrangeiros de chocolates raros. Caso da venezuelana radicada em Madrid, Helen Lopes, dona da Pecado, uma loja de chocolates finos que comercializa barras por até R$ 150. “O Brasil é o único país do mundo que, além de cultivar cacau, faz chocolate para o seu próprio consumo, doce e divertido.”

Cacau da De Mendes é produzido em sistema agroflorestal, em meio a outras culturas Foto: De Mendes

Chocolate com laranja todo mundo conhece, mas com cupuaçu, não. Na prateleira da loja de Helen, na capital espanhola, constam algumas das seis variedades que compõem o portfólio da paraense De Mendes, que atua com cacau colhido e pré-processado em comunidades de povos indígenas da Amazônia. Um dos que mais fazem sucesso na prateleira é o 69% cacau, produzido pelos povos Yanomami, sem leite e adoçado com rapadura orgânica. De sabor único, provoca as duas laterais da boca. Sem contar as embalagens, que trazem signos de conhecimento e vínculo com a floresta. Já se encontra por todo o Brasil (@chocolatesdemendes).

Em comum, todas essas iniciativas na floresta trabalham com sustentabilidade, regionalidade e divulgação da cultura e gastronomia amazônicas. São mais de 300 marcas de chocolate de origem no Brasil, hoje, de acordo com Marco Lessa, idealizador do Chocolat Festival, que acabou de ganhar uma edição em Portugal. Na metade do salão, adivinha: só deu Amazônia.

Há dez anos, informa Lessa, havia duas marcas de chocolate no estado do Pará, hoje são mais de 50. “Isso só ocorre porque existe um exército de mulheres fazendo chocolate. Muitas delas viajaram 24 horas vindas do interior do estado para se apresentar e comercializar seus chocolates na capital. O resultado do terroir amazônico, mais frutado, sustentável, saudável.”

O Combu

A 15 minutos de barco da capital Belém, a Ilha do Combu é parada obrigatória. Uma oportunidade para o turista vivenciar uma verdadeira experiência na Floresta Amazônica sem precisar ir muito longe. Aquele ali é o CEP da Dona Nena, produtora de cacau (sistema agroflorestal, no qual o fruto convive com outras culturas) e do chocolate orgânico que chamou a atenção do chef Thiago Castanho: o Filha do Combu (@filhadocombu).

Dona Nena, da Filha do Combu, e o chef Thiago Castanho Foto: Arquivo Pe

“Thiago veio através da Prazeres (sobrinha da Nena, dona do restaurante vizinho Saudosa Maloca) e me chamou de doida”, conta ela, que iniciou a produção em 2006.

Passados 13 anos, ela se formou chocolatier e o resultado foi uma melhora sem igual no seu produto: sem leite, só cacau e açúcar orgânico (bem pouco). Com o tempo, a amizade entre ela e o chef famoso virou um negócio lucrativo para ambos. Hoje, Castanho é embaixador do chocolate da Dona Nena, uma cacaueira de mão cheia antes de mais nada.

Na volta para Belém, a dica é parar no Saudosa Maloca e provar algumas das receitas ribeirinhas, como a caldeirada paraense com filhote, camarões, tucupi e arroz com pirão (R$ 179 para até três pessoas) ou o tambaqui na brasa, servido com arroz de jambu, farofa e vinagrete (R$ 139,90).

O jornalista viajou a convite do Chocolat Festival.

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