Primeiro vieram os sushis e temakis. Depois houve a invasão de izakayas e agora imperam as casas de lámen, prova de que o Japão sempre foi gastronomicamente bem representado em São Paulo – e não por acaso, já que a cidade abriga a maior colônia japonesa no exterior. Na hora da sobremesa, entretanto, a riqueza culinária desaparece.
Antes de levantar os hashis para protestar contra a falta de bons doces nos restaurantes japoneses paulistanos, porém, é preciso entender que por trás dela há uma questão cultural, como explica a confeiteira brasileira Mari Hirata, que vive em Tóquio. “No Japão, o arroz tem açúcar no tempero e isso tira a vontade de comer doces no fim da refeição”, diz. Mari Hirata é especialista em confeitaria japonesa. Estudou na Le Cordon Bleu de Paris e viveu oito anos na França antes de se mudar para o Japão, onde trabalhou na Toraya, a confeitaria mais tradicional do país. Ela conta que a sobremesa não faz parte do ritual à mesa no Japão, no máximo, serve-se fruta ou sorbet.
Mas brasileiro não passa sem um docinho depois da refeição e algumas casas de alta cozinha incluíram sobremesas elaboradas, como o mochi de chocolate do Kinoshita e o sorvete de maçã verde com kanten de saquê do Jun Sakamoto. Entretanto, o que acabou virando ícone mesmo foi a banana flambada, que de nipônica não tem nada.
Recentemente, os restaurantes japoneses da cidade passaram a investir numa confeitaria que combina técnicas francesas e ingredientes orientais, chamada yogashi. No Japão, ela nasceu por influência ocidental, e esses doces não são servidos em restaurantes, só em docerias. O nível da confeitaria nipônica é tamanho que os grandes pâtissiers da França (da grande confeitaria francesa!) andam mandando discípulos e artesãos para o Japão. É o caso de Pierre Hermé, o mestre dos macarons.
Em Paris, um dos mais prestigiados doceiros do momento é o japonês Sadaharu Aoki, que tem três lojas com seu nome e faz sucesso misturando matchá e gergelim em éclairs e macarons vendidos também nas Galeries Lafayette.
Por aqui, a confeitaria yogashi, que incorpora o rigor e a tradição francesa aos ingredientes orientais, começa a ganhar força com o trabalho de dois jovens confeiteiros de origem nipônica que abastecem alguns restaurantes com seus choux creams e bolos de matchá.
Viviane Wakuda tem sua base no restaurante Aizomê e também é responsável pelas sobremesas do izakaya Hirá e do recém-aberto JoJo Ramen. Felipe Tadao é o confeiteiro do restaurante UN. Os dois trouxeram do Japão ideias e técnicas. Replicam aqui o que aprenderam lá: doces de muito apuro visual e estético, com pouco açúcar e ingredientes nipônicos como matchá (o chá verde em pó), yuzu (cítrico), gergelim ou hana ume (folha de ameixa).
Interessado em investir nos doces, o chef Tadashi Shiraishi, do UN, contratou Tadao dois anos antes de abrir seu restaurante. Quebrando a tradição de seus ancestrais, ele defende que “não basta servir o melhor sushi, o melhor lámen e, ao final, oferecer uma sobremesa sem graça”.
Se você ainda acha que a confeitaria japonesa está toda baseada em doces de arroz e feijão, está na hora de renovar o seu repertório. A confeitaria japonesa tem duas grandes vertentes, wagashi e yogashi. A wagashi é a doceria tradicional do país, impera na cerimônia do chá e nas datas comemorativas. Seus doces são feitos a partir de pastas de feijão azuki, arroz e kanten (ágar-ágar, extraído de algas marinhas para fazer gelatina). O preparo é artesanal e o costume é acompanhá-los de chá verde.
Vocabulário nipônico
Já o yogashi é a confeitaria japonesa de técnicas ocidentais, adaptados ao paladar e ingredientes japoneses, ou a confeitaria estrangeira com olhar japonês, como define a brasileira Vivianne Wakuda. São doces de receita ocidental mais leves e principalmente com menos adição de açúcar.
Na yogashi saem o arroz e o feijão, mas permanecem o matchá e as frutas da estação – extremamente valorizadas nesse estilo de doçaria.
Ela nasceu por influência ocidental, mas não é recente na terra do sol nascente. Após a abertura econômica do País, ao final da era Edo, em 1868, houve a entrada dos doces ocidentais, com forte influência das confeitarias francesa e italiana. Elas logo ganharam a simpatia dos japoneses, que, aos poucos, as adaptaram ao seu paladar e a sua cultura. Mas sua popularização ocorreu a partir da Segunda Guerra mundial. A base desses doces pode estar em técnicas francesas, italianas e até portuguesas, mas sempre com toques nipônicos. Não somente nos ingredientes, mas também no aspecto visual, impecável e minimalista, típico de artesãos japoneses.
Ichigo Shortcake
O doce símbolo da doçaria de estilo yogashi é este bolo de morango com chantilly. No Japão, é consumido na época do Natal – como a festa é importada, não existe um doce tradicional japonês para a data e este bolo reina, como conta Mari Hirata no livro As minhas receitas japonesas. Feito basicamente de pão de ló, chantilly e morango (ichigo) parece um simples bolo de morango, mas, como todo yogashi é levíssimo, tem pouco açúcar e belo acabamento, com o morango sempre visível e valorizado.
Nipobrasileiros. Os dois jovens brasileiros seguem à risca as normas dessa rica confeitaria para dar origem a bolos chiffon mais macios que qualquer pão de ló, choux creams (lê-se “chu-cream”) leves e com doçura que permite comer sem pensar duas vezes e apresentação impecável, como os de Vivi Wakuda. Já Felipe Tadao brinca com as duas vertentes da doçaria japonesa. Quando pratica a técnica wagashi, usa ingredientes ocidentais, combinando por exemplo pasta de feijão com caramelo; e faz belos bolos no vapor, entre outras delícias de sotaque nipônico. Não há como passar batido por essa onda.
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