Estes pãezinhos pálidos parecem sem graça e pouco atraentes. Mas não julgue pela aparência. O bao, como se diz em chinês, ou bun, como é chamado em inglês, é um pão delicado, de massa fermentada longamente e assado no vapor – o que explica a falta de cor.
Tem sabor suave, levemente adocicado, textura incrivelmente macia e úmida, e depois de assado, acomoda bem diferentes recheios, seja por contraste de textura, de sabor e cor, seja por semelhança. Dá certo sempre, o que explica a multiplicação de casas especializadas pelo mundo e a presença, cada vez mais notória, do pãozinho fofo e esbranquiçado nos cardápios.O bao é tradicionalmente recheado com barriga de porco cozida lentamente, bem macia, molho hoisin (um molho agridoce chinês) e coentro. Um recheio que faz belo contraste com a neutralidade do pãozinho.
Bao é corruptela de baozi, pão chinês cozido no vapor, encontrado nas várias cozinhas da China, com variações de recheios e formatos. Mas o bao que se popularizou no ocidente é o gua bao, o bao que serve como base para o sanduíche: gua, em chinês, é embrulhar e bao é pão. Típico de Taiwan, bao é comida de rua, consumido a qualquer hora do dia, de pé sempre com as mãos e em poucas mordidas, como conta Luis Yscava, chef do restaurante Hidden 2ndFloor, em Moema, que serve o bao feito na casa. Ele conheceu o pãozinho numa viagem de pesquisa à ilha e diz que por lá o sanduíche é apelidado de ‘o tigre abocanhando o porco’ referência ao formato do pão ‘uma boca de tigre, envolvendo a carne de porco’. A metáfora inspirou o nome de uma casa especializada, Petiscos do Tigrão, na Liberdade, aberta no último ano, que serve os gua baos com diferentes recheios, do tradicional de barriga de porco ao peixe empanado e o vegetariano de tofu.
E como acontece com receitas que ganham fama internacional, surgem variações de recheios e formatos por todos os lados. Tanto que o sanduíche já foi apelidado por aí de hambúrguer taiwanês, ou bao burgers e até de tacos asiáticos.
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Para entender a dimensão da febre do bao, bun ou gua bao – chame como quiser – já existe no País até uma versão paraense, criação do antenado chef Thiago Castanho, do Remanso do Bosque. Ele fez uma ‘releitura’ do sanduíche, com açaí no lugar da água na massa (que deixa o pãozinho quase preto) e recheio de peixe frito. Usou filhote empanado em farinha d’água e maionese de tucupi. A novidade deve entrar no cardápio do novo bar do grupo que abre no fim do mês, em Belém do Pará.
Mais próximo da receita original chinesa, o restaurante paulistano Tian foi o precursor dessa ‘tendência’ por aqui. Desde a inauguração, em 2013, o bun está no cardápio, na versão tradicional com barriga de porco super macia e molho hoisin.
O começo da moda. O bao ficou famoso como bun. Isto quer dizer que ele deve a sua fama internacional ao americano de família coreana David Chang, o chef responsável por lançar outras tendências, entre elas a febre do lámen e a propagação do kimchi pelo mundo ocidental. Em 2004, Chang colocou o pork bun no cardápio do seu Momofuku Noodle Bar, em Nova York, de última hora, poucos dias antes de abrir as portas da casa. Mas o prato, como ele conta no livro Momofuku, foi o seu primeiro grande sucesso e atraiu filas na porta do restaurante. O chef diz que não sabe explicar ao certo a razão de tanto sucesso do sanduíche de pão no vapor recheado com barriga de porco, hoisin, pepino e cebolinha. O fato é que desde que entrou no cardápio do Momofuku, o bun nunca mais foi o mesmo.
Depois de Chang, a cidade ganhou o Baohaus, dos irmãos Huang, descendentes de taiwaneses que elevaram o bao ao nível de comida descolada, em 2009. A febre chegou até ao prêmio 50 Best, promovido pela revista britânica Restaurant, quando, há duas semanas, a canadense descendente de chineses, May Chow, levou o prêmio de melhor chef mulher da Ásia. A chef comanda o Little Bao, restaurante em Hong Kong, dedicado quase que exclusivamente ao bao.
Como outras tendências que nascem nos EUA, o bun atravessou o oceano e seguiu para a Europa, que ganhou uma infinidade de casas inspiradas no Momofuku: descoladas e de um prato só, o bao, ou bun. Chame como quiser, mas aprenda a pedi-lo. Quer saber onde? Veja abaixo um roteiro do bao em São Paulo e alguns destaques pelo mundo. Se quiser fazer em casa, confira a receita e o passo a passo completo aqui.
BUN POR AQUI
Tendência que é tendência começa sorrateiramente e invade a cidade quando menos se espera. Foi assim com o bao ou bun. Antes confinado nas casas especializadas, ganhou espaço em outras cozinhas e hoje – branquelo e macio – está nos izakayas moderninhos, nos restaurantes japoneses, nos chineses, nas barracas de feiras gastronômicas e até lá no Pará, no Remanso do Bosque, de Thiago Castanho. Por aqui, ao menos nove casas servem o sanduíche de pão chinês no vapor – nem todos fazem na casa, alguns compram de fornecedores (que não divulgam, hupf!). O bun leva apenas farinha, água, fermento, óleo e açúcar, mas a massa pede descanso e paciência oriental, em alguns casos até oito horas de fermentação e muitas etapas antes de entrar no vapor. Confira o roteiro de onde comer o bun por aí e por lá.
Onde comer bun em São Paulo
BUN POR LÁ
BELÉM - REMANSO DO BOSQUE
Inspirado por David Chang, o chef Thiago Castanho já brinca com a ideia do bun há algum tempo na sua cozinha do Remanso. Desde o início do ano é possível provar uma versão de bun, feito com tapioca, cozido no vapor, recheado com barriga de porco, molho oriental e cebolinha (R$ 25 quatro unidades). Agora prestes a abrir um novo espaço, um bar de coquetelaria, Thiago viu a oportunidade de criar uma versão utilizando ingredientes paraenses. Foi assim que nasceu o bun de açaí com filhote empanado em farinha d’água e maionese de tucupi. É uma bela releitura do tradicional prato das ruas de Belém, o peixe frito com açaí. O bun paraense poderá ser provado a partir do fim do mês, com a inauguração do bar. R. 25 de Setembro, 2350, Belém. (91) 3347-2829
MILÃO - TOKUYOSHI
Pane, alici e burro é um clássico do Tokuyoshi, em Milão, classificado com uma estrela Michelin. Trata-se de um antepasto arrebatador, a coisa mais simples e mais sofisticada ao mesmo tempo: o pão cozido no vapor é recheado com alici marinado e servido com burro nocciola (versão italiana para beurre noisette). É um prato memorável num lugar cheio de pratos memoráveis, comandado por Yoji Tokuyoshi, que foi sous-chef de Massimo Bottura na Osteria Francescana. Ele saiu dali em 2014 para abrir este restaurante pequeno e notável, combinando ingredientes italianos e ideias japonesas. “Cozinha italiana contaminada”, como diz/ P.F. Via San Calocero, 3, 20123, Milão. ristorantetokuyoshi.com
HONG KONG - LITLLE BAO
May Chow, ganhadora do prêmio de melhor chef mulher da Ásia em 2017, é canadense, descendente de chineses, estudou nos EUA e foi Hong Kong a cidade que escolheu para abrir o seu primeiro restaurante, o Little Bao. A chef queria colocar todas estas influências no conceito da casa e foi no guabao que ela encontrou a solução. O sanduíche é considerado pelos chineses o máximo do ‘comfort food’ enquanto para os americanos esta comida é o hambúrguer. ‘Vi no bun uma forma de unir as minhas duas culturas’. O pão é feito como manda a receita chinesa, mas o formato é o do sanduíche americano. Os recheios são variados, mas o carro chef de acordo com a chef, é clássico: barriga de porco com ketchup de hoisin. 66 Staunton St, Hong Kong