Caneta do chef: desenhar ingredientes e pratos faz parte do processo criativo


Por meio de ilustrações, cozinheiros colocam as ideias de empratamento no papel antes de colocar a mão na massa

Por Danielle Nagase

Colocar as ideias no papel antes de levá-las ao prato faz parte do processo criativo de muitos chefs de cozinha. Além de receitas, lembretes sobre processos e notas sobre potenciais ingredientes, seus cadernos – ou tablets, no caso dos mais tecnológicos – guardam também desenhos que dão pistas de como será o empratamento. Tem desenho que mais parece um rabisco, tem desenho que é obra de arte – com direito à exposição em galeria e valor de venda superior a US$ 3 mil.

Caderno de Itsuo Kobayashi, ex-chef, que retratou todas as suas refeições ao longo de três décadas. Foto: Kushino Terrace

“Meus desenhos são mais um esboço, cheio de flechas e anotações, tudo bem rabiscado. Se bobear, nem eu entendo depois de um tempo”, conta o chef Luiz Filipe Souza, do Evvai. A caneta do chef entra em cena mais para o final da criação, quando as ideias estão mais maduras. “Desenho para pensar nos detalhes.”

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Com a pandemia e as novas regras de etiqueta do salão, Luiz Filipe tratou de aprimorar seus traços para ilustrar – e explicar – aos clientes as etapas do seu menu-degustação. “Não dava mais para a equipe de sala ficar explicando prato por prato à mesa, contando a história por trás de cada receita. Além da necessidade de distanciamento, é muito difícil se fazer ouvir usando máscara e face shield”, explica. Desde a reabertura, quem opta pelo menu Oriundi recebe uma caixa de madeira à mesa recheada de cartinhas numeradas, que correspondem à ordem das etapas. Além das ilustrações e legendas, elas trazem histórias escritas à mão.

Macaron de caju, limão e cajuína- e louça exclusiva - desenhadopelo chef Luiz Filipe Souza. Foto: Luiz Filipe Souza/Reprodução

Solução que deve continuar mesmo com o fim da pandemia: “Nem sempre a pessoa quer ficar ouvindo a explicação de prato – e, na verdade, nem precisa, cada prato se resolve por si só, com ou sem storytelling. As cartas ficam na mesa, e o cliente lê se quiser, quando quiser, e não tem mais a sua conversa interrompida a cada serviço”, conta o chef.

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Louça que carrega macaron do Evvai foi moldada na mão do chef Luiz Filipe Souza. Foto: Tadeu Brunelli

Quem também colocou seus dotes artísticos para jogo na quarentena foi a confeiteira Nathalia Gonçalves, do Charco, que passou a ilustrar a montagem das sobremesas do delivery para que os clientes tentassem reproduzir em casa. “A gente mandava os componentes do prato separados, juntamente com o passo a passo. Teve muita gente que fez, postou e marcou o perfil do restaurante nas redes”, conta.

Esboço de Nathália Gonçalves para a sobremesa leite e mel. Foto: Nathalia Gonçalves/Reprodução
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Nathalia sempre gostou de desenhar – chegou, inclusive, a cursar Artes Visuais por um ano. Desde que virou confeiteira, ela põe no papel todas as suas criações. “Parto dos ingredientes que quero usar, das técnicas, e os desenhos vão me ajudando a visualizar melhor a sobremesa, as proporções, os formatos de cada componente, além de me dar um norte para o empratamento. Às vezes, na prática, muda tudo, mas funciona como uma base.” Em sua casa, há desenhos em todo canto. “São esboços, vou pensando e colocando no papel, sem a menor preocupação estética. Nem para o Tuca (seu marido, e chef do restaurante) eu gosto de mostrar”, ri.

Leite e mel (bolo de amênodas, mousse de baunilha, sorvete de leite defumado e crocante de mel), do Charco. Foto: Rubens Kato

Thiago Bañares, do Tan Tan, também bandeou para a gastronomia em vez de seguir carreira como desenhista – ele chegou a prestar vestibular para Desenho Industrial e passou, mas optou pela dança das panelas. Sua aptidão para os desenhos é aproveitada durante o processo criativo de pratos que planeja servir.

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Yasai Ramen, pelos traços do chef Thiago Bañares, do Tan Tan. Foto: Thiago Bañares/Reprodução

“Na hora de desenvolver uma receita, é preciso pensar no sabor, na textura e na aparência do prato, que é tão importante quanto”, afirma Thiago. Além do estímulo visual quando a comida é servida à mesa – come-se primeiro com os olhos, afinal –, “o design do prato é a assinatura do cozinheiro”, acredita. “Desenhar antes de preparar a receita e empratar me ajuda a pensar se não falta algo ali, se preciso aumentar a quantidade de proteína ou de carboidrato.”

Yasai Ramen, com caldo de cebola tostada, do Tan Tan. Foto: Tati Frisson
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Já a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, trocou os croquis de quando trabalhava com moda pelas ilustrações dos pratos que vai servir no restaurante. “Desenho quando não tenho à mão algum ingrediente ou cerâmica que pretendo usar na composição. Quando necessário, faço esboços para a equipe entender o que imagino numa montagem."

Jardim de musgos em desenho da chef Telma Shiraishi, do Aizomê. Foto: Telma Shiraishi/Reprodução

Na concepção da sobremesa jardim de musgos, novidade no menu do restaurante, Telma primeiro pensou no empratamento em um prato côncavo, como consta no desenho, mas acabou mudando a cerâmica "disco voador" no final. "A colher também veio depois, que dá todo o charme do serviço", complementa a chef. O prato combina chocolate, matchá, cogumelos enoki, nozes caramelizadas e pimenta sanshô. "Fazia tempo que eu queria incorporar incorporar cogumelos em uma sobremesa."

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Jardim de musgos,chocolate, matchá, cogumelos enoki, nozes caramelizadas e pimenta sanshô, do Aizomê. Foto: Rafael Salvador

 

Seguindo o ditado italiano “gil occhi anche hanno la tua parte”, que em português quer dizer “os olhos têm a sua parte na comida”, o chef Fellipe Zanuto, há anos, têm o hábito de fazer desenhos para pensar na montagem das redondas d'A Pizza da Mooca, já que “a ordem e a disposição dos ingredientes na cobertura fazem toda a diferença”, conta.

Virado à paulista, pelas mãos do chef Fellipe Zanuto. Foto: Fellipe Zanuto/Reprodução

Com os pratos da Hospedaria, faz o mesmo: ilustra com detalhes cada componente e a disposição deles no prato. “Assim, na hora de empratar, você já está com as ideias mais organizadas, concretas, o que diminui o risco de ficar ruim e ter que preparar tudo de novo”, explica.

Virado à paulista, da Hospedaria, na Mooca. Foto: Fellipe Zanuto

Desenhar para não esquecer

“Uma vez, esqueci de colocar uma ervinha no prato e tomei a maior bronca do chef”, relembra Helena Rizzo. Foi aí, durante a temporada em cozinhas fora do Brasil, no início da carreira, que ela passou a desenhar todos os pratos, como forma de fixar os ingredientes e a montagem na memória.

Desenho da chef Helena Rizzo releva os elementos do prato que estão 'escondidos' sob o mochi. Foto: Helena Rizzo/Reprodução

“Faço isso até hoje no Maní (seu restaurante), meus cadernos são apinhados de anotações e desenhos. Outro dia achei um caderninho com ideias para o menu de estreia da casa. Gosto de folhear esses registros antigos de vez em quando, para relembrar e ter novas ideias.”

Mochi de flor de clitória, com doce de feijão azuki e sorvete de jasmim, do Maní. Foto: Roberto Seba

No Japão, Itsuo Kobayashi, ex-chef de cozinha, por mais de 30 anos, fez desenhos fiéis de suas refeições, com uma riqueza de detalhes que, segundo ele, são capazes de fazê-lo lembrar do sabor e da textura dos pratos. São centenas de tigelas de lámen, bentôs (marmitas japonesas), oniguiris, tempurás, pratos de karê, tonkatsu – as ilustrações, supercoloridas, aparecem acompanhadas de informações como o nome do prato, do restaurante, o valor, além da opinião de Kobayashi sobre a experiência.

Ilustrações de Itsuo Kobayashi são parte do acervo da galeria Kushino Terrace. Foto: Reprodução/Kushino Terrace

O acervo com mais de mil imagens caiu nas graças de Nobumasa Kushino, curador da galeria Kushino Terrace, em Fukuyama, que montou uma exibição permanente com as obras de Kobayashi – algumas à venda por até US$ 3 mil. 

Colocar as ideias no papel antes de levá-las ao prato faz parte do processo criativo de muitos chefs de cozinha. Além de receitas, lembretes sobre processos e notas sobre potenciais ingredientes, seus cadernos – ou tablets, no caso dos mais tecnológicos – guardam também desenhos que dão pistas de como será o empratamento. Tem desenho que mais parece um rabisco, tem desenho que é obra de arte – com direito à exposição em galeria e valor de venda superior a US$ 3 mil.

Caderno de Itsuo Kobayashi, ex-chef, que retratou todas as suas refeições ao longo de três décadas. Foto: Kushino Terrace

“Meus desenhos são mais um esboço, cheio de flechas e anotações, tudo bem rabiscado. Se bobear, nem eu entendo depois de um tempo”, conta o chef Luiz Filipe Souza, do Evvai. A caneta do chef entra em cena mais para o final da criação, quando as ideias estão mais maduras. “Desenho para pensar nos detalhes.”

Com a pandemia e as novas regras de etiqueta do salão, Luiz Filipe tratou de aprimorar seus traços para ilustrar – e explicar – aos clientes as etapas do seu menu-degustação. “Não dava mais para a equipe de sala ficar explicando prato por prato à mesa, contando a história por trás de cada receita. Além da necessidade de distanciamento, é muito difícil se fazer ouvir usando máscara e face shield”, explica. Desde a reabertura, quem opta pelo menu Oriundi recebe uma caixa de madeira à mesa recheada de cartinhas numeradas, que correspondem à ordem das etapas. Além das ilustrações e legendas, elas trazem histórias escritas à mão.

Macaron de caju, limão e cajuína- e louça exclusiva - desenhadopelo chef Luiz Filipe Souza. Foto: Luiz Filipe Souza/Reprodução

Solução que deve continuar mesmo com o fim da pandemia: “Nem sempre a pessoa quer ficar ouvindo a explicação de prato – e, na verdade, nem precisa, cada prato se resolve por si só, com ou sem storytelling. As cartas ficam na mesa, e o cliente lê se quiser, quando quiser, e não tem mais a sua conversa interrompida a cada serviço”, conta o chef.

Louça que carrega macaron do Evvai foi moldada na mão do chef Luiz Filipe Souza. Foto: Tadeu Brunelli

Quem também colocou seus dotes artísticos para jogo na quarentena foi a confeiteira Nathalia Gonçalves, do Charco, que passou a ilustrar a montagem das sobremesas do delivery para que os clientes tentassem reproduzir em casa. “A gente mandava os componentes do prato separados, juntamente com o passo a passo. Teve muita gente que fez, postou e marcou o perfil do restaurante nas redes”, conta.

Esboço de Nathália Gonçalves para a sobremesa leite e mel. Foto: Nathalia Gonçalves/Reprodução

Nathalia sempre gostou de desenhar – chegou, inclusive, a cursar Artes Visuais por um ano. Desde que virou confeiteira, ela põe no papel todas as suas criações. “Parto dos ingredientes que quero usar, das técnicas, e os desenhos vão me ajudando a visualizar melhor a sobremesa, as proporções, os formatos de cada componente, além de me dar um norte para o empratamento. Às vezes, na prática, muda tudo, mas funciona como uma base.” Em sua casa, há desenhos em todo canto. “São esboços, vou pensando e colocando no papel, sem a menor preocupação estética. Nem para o Tuca (seu marido, e chef do restaurante) eu gosto de mostrar”, ri.

Leite e mel (bolo de amênodas, mousse de baunilha, sorvete de leite defumado e crocante de mel), do Charco. Foto: Rubens Kato

Thiago Bañares, do Tan Tan, também bandeou para a gastronomia em vez de seguir carreira como desenhista – ele chegou a prestar vestibular para Desenho Industrial e passou, mas optou pela dança das panelas. Sua aptidão para os desenhos é aproveitada durante o processo criativo de pratos que planeja servir.

Yasai Ramen, pelos traços do chef Thiago Bañares, do Tan Tan. Foto: Thiago Bañares/Reprodução

“Na hora de desenvolver uma receita, é preciso pensar no sabor, na textura e na aparência do prato, que é tão importante quanto”, afirma Thiago. Além do estímulo visual quando a comida é servida à mesa – come-se primeiro com os olhos, afinal –, “o design do prato é a assinatura do cozinheiro”, acredita. “Desenhar antes de preparar a receita e empratar me ajuda a pensar se não falta algo ali, se preciso aumentar a quantidade de proteína ou de carboidrato.”

Yasai Ramen, com caldo de cebola tostada, do Tan Tan. Foto: Tati Frisson

Já a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, trocou os croquis de quando trabalhava com moda pelas ilustrações dos pratos que vai servir no restaurante. “Desenho quando não tenho à mão algum ingrediente ou cerâmica que pretendo usar na composição. Quando necessário, faço esboços para a equipe entender o que imagino numa montagem."

Jardim de musgos em desenho da chef Telma Shiraishi, do Aizomê. Foto: Telma Shiraishi/Reprodução

Na concepção da sobremesa jardim de musgos, novidade no menu do restaurante, Telma primeiro pensou no empratamento em um prato côncavo, como consta no desenho, mas acabou mudando a cerâmica "disco voador" no final. "A colher também veio depois, que dá todo o charme do serviço", complementa a chef. O prato combina chocolate, matchá, cogumelos enoki, nozes caramelizadas e pimenta sanshô. "Fazia tempo que eu queria incorporar incorporar cogumelos em uma sobremesa."

Jardim de musgos,chocolate, matchá, cogumelos enoki, nozes caramelizadas e pimenta sanshô, do Aizomê. Foto: Rafael Salvador

 

Seguindo o ditado italiano “gil occhi anche hanno la tua parte”, que em português quer dizer “os olhos têm a sua parte na comida”, o chef Fellipe Zanuto, há anos, têm o hábito de fazer desenhos para pensar na montagem das redondas d'A Pizza da Mooca, já que “a ordem e a disposição dos ingredientes na cobertura fazem toda a diferença”, conta.

Virado à paulista, pelas mãos do chef Fellipe Zanuto. Foto: Fellipe Zanuto/Reprodução

Com os pratos da Hospedaria, faz o mesmo: ilustra com detalhes cada componente e a disposição deles no prato. “Assim, na hora de empratar, você já está com as ideias mais organizadas, concretas, o que diminui o risco de ficar ruim e ter que preparar tudo de novo”, explica.

Virado à paulista, da Hospedaria, na Mooca. Foto: Fellipe Zanuto

Desenhar para não esquecer

“Uma vez, esqueci de colocar uma ervinha no prato e tomei a maior bronca do chef”, relembra Helena Rizzo. Foi aí, durante a temporada em cozinhas fora do Brasil, no início da carreira, que ela passou a desenhar todos os pratos, como forma de fixar os ingredientes e a montagem na memória.

Desenho da chef Helena Rizzo releva os elementos do prato que estão 'escondidos' sob o mochi. Foto: Helena Rizzo/Reprodução

“Faço isso até hoje no Maní (seu restaurante), meus cadernos são apinhados de anotações e desenhos. Outro dia achei um caderninho com ideias para o menu de estreia da casa. Gosto de folhear esses registros antigos de vez em quando, para relembrar e ter novas ideias.”

Mochi de flor de clitória, com doce de feijão azuki e sorvete de jasmim, do Maní. Foto: Roberto Seba

No Japão, Itsuo Kobayashi, ex-chef de cozinha, por mais de 30 anos, fez desenhos fiéis de suas refeições, com uma riqueza de detalhes que, segundo ele, são capazes de fazê-lo lembrar do sabor e da textura dos pratos. São centenas de tigelas de lámen, bentôs (marmitas japonesas), oniguiris, tempurás, pratos de karê, tonkatsu – as ilustrações, supercoloridas, aparecem acompanhadas de informações como o nome do prato, do restaurante, o valor, além da opinião de Kobayashi sobre a experiência.

Ilustrações de Itsuo Kobayashi são parte do acervo da galeria Kushino Terrace. Foto: Reprodução/Kushino Terrace

O acervo com mais de mil imagens caiu nas graças de Nobumasa Kushino, curador da galeria Kushino Terrace, em Fukuyama, que montou uma exibição permanente com as obras de Kobayashi – algumas à venda por até US$ 3 mil. 

Colocar as ideias no papel antes de levá-las ao prato faz parte do processo criativo de muitos chefs de cozinha. Além de receitas, lembretes sobre processos e notas sobre potenciais ingredientes, seus cadernos – ou tablets, no caso dos mais tecnológicos – guardam também desenhos que dão pistas de como será o empratamento. Tem desenho que mais parece um rabisco, tem desenho que é obra de arte – com direito à exposição em galeria e valor de venda superior a US$ 3 mil.

Caderno de Itsuo Kobayashi, ex-chef, que retratou todas as suas refeições ao longo de três décadas. Foto: Kushino Terrace

“Meus desenhos são mais um esboço, cheio de flechas e anotações, tudo bem rabiscado. Se bobear, nem eu entendo depois de um tempo”, conta o chef Luiz Filipe Souza, do Evvai. A caneta do chef entra em cena mais para o final da criação, quando as ideias estão mais maduras. “Desenho para pensar nos detalhes.”

Com a pandemia e as novas regras de etiqueta do salão, Luiz Filipe tratou de aprimorar seus traços para ilustrar – e explicar – aos clientes as etapas do seu menu-degustação. “Não dava mais para a equipe de sala ficar explicando prato por prato à mesa, contando a história por trás de cada receita. Além da necessidade de distanciamento, é muito difícil se fazer ouvir usando máscara e face shield”, explica. Desde a reabertura, quem opta pelo menu Oriundi recebe uma caixa de madeira à mesa recheada de cartinhas numeradas, que correspondem à ordem das etapas. Além das ilustrações e legendas, elas trazem histórias escritas à mão.

Macaron de caju, limão e cajuína- e louça exclusiva - desenhadopelo chef Luiz Filipe Souza. Foto: Luiz Filipe Souza/Reprodução

Solução que deve continuar mesmo com o fim da pandemia: “Nem sempre a pessoa quer ficar ouvindo a explicação de prato – e, na verdade, nem precisa, cada prato se resolve por si só, com ou sem storytelling. As cartas ficam na mesa, e o cliente lê se quiser, quando quiser, e não tem mais a sua conversa interrompida a cada serviço”, conta o chef.

Louça que carrega macaron do Evvai foi moldada na mão do chef Luiz Filipe Souza. Foto: Tadeu Brunelli

Quem também colocou seus dotes artísticos para jogo na quarentena foi a confeiteira Nathalia Gonçalves, do Charco, que passou a ilustrar a montagem das sobremesas do delivery para que os clientes tentassem reproduzir em casa. “A gente mandava os componentes do prato separados, juntamente com o passo a passo. Teve muita gente que fez, postou e marcou o perfil do restaurante nas redes”, conta.

Esboço de Nathália Gonçalves para a sobremesa leite e mel. Foto: Nathalia Gonçalves/Reprodução

Nathalia sempre gostou de desenhar – chegou, inclusive, a cursar Artes Visuais por um ano. Desde que virou confeiteira, ela põe no papel todas as suas criações. “Parto dos ingredientes que quero usar, das técnicas, e os desenhos vão me ajudando a visualizar melhor a sobremesa, as proporções, os formatos de cada componente, além de me dar um norte para o empratamento. Às vezes, na prática, muda tudo, mas funciona como uma base.” Em sua casa, há desenhos em todo canto. “São esboços, vou pensando e colocando no papel, sem a menor preocupação estética. Nem para o Tuca (seu marido, e chef do restaurante) eu gosto de mostrar”, ri.

Leite e mel (bolo de amênodas, mousse de baunilha, sorvete de leite defumado e crocante de mel), do Charco. Foto: Rubens Kato

Thiago Bañares, do Tan Tan, também bandeou para a gastronomia em vez de seguir carreira como desenhista – ele chegou a prestar vestibular para Desenho Industrial e passou, mas optou pela dança das panelas. Sua aptidão para os desenhos é aproveitada durante o processo criativo de pratos que planeja servir.

Yasai Ramen, pelos traços do chef Thiago Bañares, do Tan Tan. Foto: Thiago Bañares/Reprodução

“Na hora de desenvolver uma receita, é preciso pensar no sabor, na textura e na aparência do prato, que é tão importante quanto”, afirma Thiago. Além do estímulo visual quando a comida é servida à mesa – come-se primeiro com os olhos, afinal –, “o design do prato é a assinatura do cozinheiro”, acredita. “Desenhar antes de preparar a receita e empratar me ajuda a pensar se não falta algo ali, se preciso aumentar a quantidade de proteína ou de carboidrato.”

Yasai Ramen, com caldo de cebola tostada, do Tan Tan. Foto: Tati Frisson

Já a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, trocou os croquis de quando trabalhava com moda pelas ilustrações dos pratos que vai servir no restaurante. “Desenho quando não tenho à mão algum ingrediente ou cerâmica que pretendo usar na composição. Quando necessário, faço esboços para a equipe entender o que imagino numa montagem."

Jardim de musgos em desenho da chef Telma Shiraishi, do Aizomê. Foto: Telma Shiraishi/Reprodução

Na concepção da sobremesa jardim de musgos, novidade no menu do restaurante, Telma primeiro pensou no empratamento em um prato côncavo, como consta no desenho, mas acabou mudando a cerâmica "disco voador" no final. "A colher também veio depois, que dá todo o charme do serviço", complementa a chef. O prato combina chocolate, matchá, cogumelos enoki, nozes caramelizadas e pimenta sanshô. "Fazia tempo que eu queria incorporar incorporar cogumelos em uma sobremesa."

Jardim de musgos,chocolate, matchá, cogumelos enoki, nozes caramelizadas e pimenta sanshô, do Aizomê. Foto: Rafael Salvador

 

Seguindo o ditado italiano “gil occhi anche hanno la tua parte”, que em português quer dizer “os olhos têm a sua parte na comida”, o chef Fellipe Zanuto, há anos, têm o hábito de fazer desenhos para pensar na montagem das redondas d'A Pizza da Mooca, já que “a ordem e a disposição dos ingredientes na cobertura fazem toda a diferença”, conta.

Virado à paulista, pelas mãos do chef Fellipe Zanuto. Foto: Fellipe Zanuto/Reprodução

Com os pratos da Hospedaria, faz o mesmo: ilustra com detalhes cada componente e a disposição deles no prato. “Assim, na hora de empratar, você já está com as ideias mais organizadas, concretas, o que diminui o risco de ficar ruim e ter que preparar tudo de novo”, explica.

Virado à paulista, da Hospedaria, na Mooca. Foto: Fellipe Zanuto

Desenhar para não esquecer

“Uma vez, esqueci de colocar uma ervinha no prato e tomei a maior bronca do chef”, relembra Helena Rizzo. Foi aí, durante a temporada em cozinhas fora do Brasil, no início da carreira, que ela passou a desenhar todos os pratos, como forma de fixar os ingredientes e a montagem na memória.

Desenho da chef Helena Rizzo releva os elementos do prato que estão 'escondidos' sob o mochi. Foto: Helena Rizzo/Reprodução

“Faço isso até hoje no Maní (seu restaurante), meus cadernos são apinhados de anotações e desenhos. Outro dia achei um caderninho com ideias para o menu de estreia da casa. Gosto de folhear esses registros antigos de vez em quando, para relembrar e ter novas ideias.”

Mochi de flor de clitória, com doce de feijão azuki e sorvete de jasmim, do Maní. Foto: Roberto Seba

No Japão, Itsuo Kobayashi, ex-chef de cozinha, por mais de 30 anos, fez desenhos fiéis de suas refeições, com uma riqueza de detalhes que, segundo ele, são capazes de fazê-lo lembrar do sabor e da textura dos pratos. São centenas de tigelas de lámen, bentôs (marmitas japonesas), oniguiris, tempurás, pratos de karê, tonkatsu – as ilustrações, supercoloridas, aparecem acompanhadas de informações como o nome do prato, do restaurante, o valor, além da opinião de Kobayashi sobre a experiência.

Ilustrações de Itsuo Kobayashi são parte do acervo da galeria Kushino Terrace. Foto: Reprodução/Kushino Terrace

O acervo com mais de mil imagens caiu nas graças de Nobumasa Kushino, curador da galeria Kushino Terrace, em Fukuyama, que montou uma exibição permanente com as obras de Kobayashi – algumas à venda por até US$ 3 mil. 

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