“Chocolate branco não é chocolate.” Por muito tempo, essa premissa pautou chocolateiros e jornalistas de gastronomia por todo o País. Tanto que na tradicional degustação de ovos de Páscoa do Paladar, a seleção não dava sequer a chance das amostras brancas concorrerem ao título de melhor do ano. Era assim e ponto final. Não tinha discussão. Em 17 edições, apenas versões ao leite ou mais intensas foram consideradas dignas de conquistar um lugar ao sol.
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Até que, na degustação deste ano, nos vimos obrigados a mudar de rota. Importantes marcas de chocolate bean to bar colocaram para jogo, algumas pela primeira vez, amostras feitas de chocolate branco. A Baianí que o diga: seu catálogo de Páscoa não tinha um, mas uma linha inteira de ovos brancos em destaque. Epa! Como assim? Estávamos errados esse tempo todo?
Estávamos. Chocolate branco é, sim, chocolate. Inclusive de acordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que determina que, para ser chocolate, a barra “deve ser constituída de, no mínimo, 25% de sólidos totais de cacau”. E esses tais sólidos abarcam não apenas a massa de cacau prensada, usada como base para os chocolates escuros, mas também a manteiga de cacau. Claro! Dito isso, fica aqui registrado o nosso pedido de desculpas aos fãs de chocolate branco. O preconceito era todo nosso.
A chocolateira Luisa Abram, que está à frente da marca de chocolates homônima, também já torceu o nariz para os brancos. Quando estreou no mercado, em 2014, nem as versões ao leite faziam parte do seu portfólio. Só opções intensas, feitas com cacau de origem amazônica, tinham vez ali. “Mas percebi que estava negligenciando uma parcela significativa de consumidores. Não fazia sentido”, pondera. “Fora que não dá para ter uma origem nova toda hora. Quantos fornecedores você precisa ter ou quantas fazendas as marcas de chocolate tree to bar (que plantam seu próprio cacau) precisam ter para oferecer variedade?”
Hoje, além do premiado Branco Extra Cremoso, que leva apenas três ingredientes - açúcar orgânico, leite em pó e manteiga de cacau da Amazônia -, ela prepara outras cinco barras, com inclusões como açaí, castanha do Brasil e a ousada bottarga, que acrescenta um toque de sal e defumado ao chocolate branco.
“Os brancos estão em alta aqui no Brasil e lá fora”, conta Luisa. “Do final de 2020 para cá, muitas marcas começaram a apostar nessa tendência.” É o que mostrou, aliás, a Bean to Bar Brasil Chocolate Week, que ocorreu em São Paulo na semana passada. Dos 23 expositores participantes, 18 deles tinham ao menos uma opção branca para chamar de sua.
Quem também jurava que jamais trabalharia com chocolate branco é Arcelia Gallardo, da Mission. “Há 20 anos, eu só usava para decoração. Não existia nenhuma opção no mercado que fosse agradável na boca. Era tudo muito gorduroso e com aroma muito artificial”, relembra.
De tanto os clientes pedirem, ela, que é uma das chocolateiras mais premiadas do País, começou a matutar uma forma de seguir o conceito bean to bar, de valorização do cacau, na produção de um chocolate branco. A resposta era quase óbvia: utilizando manteiga de cacau de qualidade e nenhum outro tipo de gordura vegetal (como, infelizmente, faz grande parte da indústria).
50 tons de branco
Diferentemente dos chocolates intensos, em que o terroir é quem manda nas características sensoriais do produto, nos brancos, a manteiga de cacau, mais neutra, funciona como uma tela em branco para o chocolateiro, que pode brincar com os aromas, sabores e cores do chocolate, a depender das adições na receita.
A chocolateira Juliana Aquino, da Baianí, encantou-se com chocolates naturalmente coloridos numa feira do setor, em Seattle, e decidiu pintar o sete em sua fábrica em São Paulo. A marca que, até então, tinha apenas opções intensas em seu portfólio regular, acaba de lançar cinco barras, entre elas, uma rosa, tingida com beterraba desidratada, e uma verde, com capim-santo, que também empresta seu sabor ao chocolate.
A primeira barra branca produzida por Arcelia na Mission, lá em 2016 (ela é uma das pioneiras), foi a de arroz doce. “Eu pensei: o que é branco e gostoso?” Eureka! Feita da combinação da manteiga de cacau com açúcar orgânico e leite em pó, a barra é incrementada com flocos de arroz, que trazem crocância, e canela em pó salpicada.
O sucesso inspirou Arcelia a criar a linha Sobremesas Brasileiras, que tem outras cinco barras à base de chocolate branco - quatro delas, aliás, foram premiadas em concursos internacionais. “Eu perdi o controle das ideias”, brinca. Na de pamonha, o milho empresta, além do sabor, seu amarelo forte ao chocolate. Na versão romeu e julieta, a barra branca, que tem cream cheese entre os ingredientes, é decorada com pedacinhos de goiabada, formando um mosaico.
Já a versão de doce de leite com flor de sal merece um parágrafo só dela. Sua lista de ingredientes apresenta apenas a manteiga de cacau, o leite, o açúcar e a flor de sal. A receita não inclui doce de leite. O que garante o sabor e a cor do próprio é a caramelização do chocolate, que cozinha por horas, até atingir o tom. A receita é a mesma que levou medalha de ouro na categoria “brancos”, na degustação de Páscoa do Paladar desse ano.
A caramelização do chocolate, a saber, é uma tendência entre os brancos. Luisa Abram também tem uma barra desse estilo, batizada de Branco Caramelizado; na Baianí, a versão atende por Duplo Caramelo. Ambas adotam um processo diferente do de Arcelia, caramelizando primeiro o leite com o açúcar para depois fazer o chocolate. “Assim não corremos o risco de prejudicar a estrutura da manteiga de cacau”, afirma Juliana.
Matéria-prima
“A manteiga de cacau é um ingrediente nobre e caro”, ressalta Zelia Frangioni, degustadora certificada de chocolates e autora do Chocólatras Online. Para se ter uma ideia, a Mestiço, que faz questão de extrair a própria manteiga, leva um dia inteiro para conseguir de dez a 15 quilos do ingrediente - e suas barras brancas, como destacam as embalagens de 60 gramas, contém de 35% a 37% dessa manteiga.
Como a marca não usa aromatizantes, é preciso escolher a dedo os nibs de cacau para fazer a extração da manteiga, já que erros, como a sobrefermentação das amêndoas, podem trazer notas desagradáveis à manteiga. “A grande indústria desodoriza a manteiga de cacau de baixa qualidade para esconder esses defeitos. Só que ela fica sem gosto e sem aroma. Nós fazemos questão de preservar as características sensoriais do cacau para ter uma barra naturalmente aromática e saborosa”, explicam Claudia Gamba e Rogério Kamei, casal que está à frente da marca.
A Baianí também não abre mão de extrai a própria manteiga de cacau. O processo ocorre na fábrica em São Paulo, a partir dos nibs do cacau que é produzido na própria fazenda, no Vale Potumuju, na Bahia.
Outras marcas, como a Mission e a Luisa Abram, até tentaram extrair a própria manteiga, mas o processo, muito trabalhoso, com rendimento baixíssimo, mostrou-se inviável. Atualmente, elas compram a manteiga natural (não-desodorizada) da Indústria Brasileira de Cacau (IBC).