Como se come na tribo


Com restaurantes, uma associação dedicada a estudar tradições culturais e chefs como Sean Sherman e Nephi Craig, empenhados em preservar receitas, a culinária indígena entra em pauta nos Estados Unidos

Por mariliamiragaia
Atualização:

Um pequeno e ainda disperso grupo de chefs dos Estados Unidos anda empenhado em reavivar a cozinha indígena americana. O trabalho faz todo sentido no momento atual: apesar de essa culinária variar de tribo para tribo, ela é marcada por técnicas de preservação, caça de animais e coleta de plantas silvestres. Exatamente aquilo que anda ditando tendências de Copenhague a Lima.

Prato feito com oxális e aipo selvagem. FOTO: Divulgação

A cozinha indígena americana já tem alguns restaurantes – deve ganhar mais um até o fim do ano –, além da Native American Culinary Association, entidade dedicada a estudar essa culinária e promotora de um fórum que reuniu no ano passado cozinheiros e outros estudiosos da cultura indígena.

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Neto de indígenas sioux, o chef Sean Sherman vai abrir o Chef Sioux, em Minnesota, quase na fronteira com o Canadá. O restaurante, que deve começar a funcionar no fim do ano, será inspirado na cultura dos grupos indígenas dakota (que deriva dos sioux) e ojibwe. O cardápio deve ter bisão braseado com folhas de cedro, manoomin (uma espécie de arroz selvagem muito fino e longo) servido com cranberry, coelho defumado e um ensopado com milho, pato desidratado e mirtilo. São pratos que o chef já prepara no catering que abriu no mês de julho, com o mesmo nome.

Apache e navajo. O chef Nephi Craig está à frente da Native American Culinary Association. FOTO: Evan Sung/Divulgação

Antes de dar início à empreitada, Sherman viajou por diferentes comunidades indígenas para conhecer seus hábitos e se debruçou sobre livros de história na tentativa de descobrir quais variedades de plantas eram usadas na era “pré-reservas”, anteriores à chegada de colonizadores europeus.

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Algumas dessas tradições Sherman já conhecia de perto. Ele cresceu nas planícies da reserva de Pine Ridge, em Dakota do Sul, no rancho de seu avô indígena, que frequentou escola evangelizadora. Ali, em uma área ampla e empobrecida, aprendeu a caçar e reconhecer ingredientes silvestres, tendo também contato com receitas que sobreviveram ao uso da comida enlatada.

“Os indígenas instalados nessa reserva não faziam cultivos tradicionais. Tiveram de se adaptar e muitos hábitos foram se perdendo”, diz o chef.

Território. Filho de uma apache e um navajo, o chef Nephi Craig também trabalha para manter as tradições indígenas. “Fomos forçados a sair de nosso território e realocados em reservas. Perdemos a capacidade de viajar, acompanhando manadas de animais selvagens em sua migração, e de coletar plantas silvestres.

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Deixamos de reproduzir nossas técnicas e a conexão entre a comida e a terra acabou ”, conta. Ele cresceu na reserva Fort Apache, nas White Mountains, leste do Arizona, e depois trabalhou num restaurante francês da região antes de decidir dedicar-se à cozinha indígena.

Hoje, comanda uma equipe formada apenas por apaches no restaurante do Sunrise Park Resort, instalado na reserva. Fundador da Native American Culinary Association, Nephi Craig já apresentou sua cozinha em países como Inglaterra, Alemanha e Japão. Também esteve no Brasil, onde experimentou receitas ligadas às raízes indígenas brasileiras como o tacacá – que repetiu “três ou quatro” vezes, atraído pelo azedinho do tucupi e a sensação de dormência na boca provocada pelo jambu.

A história desse chef ilustra a de um imenso contingente de indígenas americanos que perdeu terras, foi realocado e passou a depender da “ração” fornecida pelo governo, que inclui açúcar refinado e enlatados. “Desses hábitos recentes surgiram doenças como diabete e uma alimentação que em nada lembra a cozinha original desses povos”, diz o chef.

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Silvestres. Sobremesa que leva mistura de sementes. FOTO: Divulgação

Ingredientes. Em suas pesquisas, o chef Sherman descobriu ingredientes indígenas extremamente sazonais, encontrados durante poucas semanas apenas, como as chokecherries. As frutinhas, de gosto adstringente e com um grande caroço, viram geleia, molho ou calda que acompanham diferentes pratos. A produção é tão pequena e sazonal que, neste ano, o chef obteve apenas nove quilos do produto. “Tenho sorte de estar em uma comunidade em que ingredientes como esse são coletados e vendidos”, diz Sherman. Outros produtos chegam a ele por meio de pequenos agricultores que estão revitalizando plantações locais graças à troca de sementes.

Nephi Craig faz questão de lembrar que alimentos muito populares hoje, como milho, feijão, abóbora, pimenta e tomate foram estudados por povos indígenas durante séculos antes de serem difundidos pelo mundo. “São ingredientes indígenas usados em cozinhas do Alasca à Argentina”, diz.

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Entre os ingredientes mais frequentes na cozinha indígena da América do Norte estão o milho, feijão e abóbora. Além de alimentos mais comuns em determinadas paisagens, como o cáctus, nas regiões mais desérticas, e peixes nas áreas próximas a rios e lagos.

Combinações. O menu do Sunrise Park Resort passa longe dos produtos mais comuns. Os pratos têm como base ingredientes silvestres e de pronúncia complicada. O cardápio custa US$ 95, tem de 8 a 12 etapas e depende de ingredientes disponíveis na estação. A reserva deve ser feita com antecedência.

Um exemplo é o prato que combina flores de iúca (planta de folhas longas e pontiagudas), óxalis (espécie de trevo), aipo selvagem, amaranto e milho. Craig se entusiasma com uma das sobremesas, preparada com flores de calêndula, mel e uma mistura de sementes locais usadas no inverno como fonte de energia.

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O chef conta que certa vez, durante um jantar, foi procurado por uma senhora apache emocionada. “Ela queria saber onde eu havia conseguido aquelas sementes, que tinham desaparecido havia anos. Esses ingredientes são mais luxuosos que trufas e caviar. São nossas iguarias”, diz o chef deixando escapar uma ponta de orgulho.

“A cultura indígena faz ligações cosmológicas com tudo”, explica o chef. Para ilustrar, ele conta que descobriu uma tribo na Nova Zelândia que se refere à própria comida como comida das estrelas. “E nossa música, língua, arte, tudo está também permeado de referências à comida. Comida é uma forma de resiliência cultural.”

Mesa e despensa indígena

Sumac selvagem. Cítrica, a espécie americana vai bem com peixes e refrescos, como uma limonada

Tradicional. Receita que leva peixe local e diferentes variedades de feijão, duas marcas alimentares indígenas

Timpsula. A raiz, que pode ser consumida fresca ou desidratada, é importante ingrediente para indígenas

Bebida. A associação entre sumac selvagem e folhas de pinheiro dá origem a uma espécie de chá

SERVIÇO - Sunrise Park Resort Highway 273, Arizona, Estados Unidos Tel.: 1 (855) 735-7669

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 30/10/2014

Um pequeno e ainda disperso grupo de chefs dos Estados Unidos anda empenhado em reavivar a cozinha indígena americana. O trabalho faz todo sentido no momento atual: apesar de essa culinária variar de tribo para tribo, ela é marcada por técnicas de preservação, caça de animais e coleta de plantas silvestres. Exatamente aquilo que anda ditando tendências de Copenhague a Lima.

Prato feito com oxális e aipo selvagem. FOTO: Divulgação

A cozinha indígena americana já tem alguns restaurantes – deve ganhar mais um até o fim do ano –, além da Native American Culinary Association, entidade dedicada a estudar essa culinária e promotora de um fórum que reuniu no ano passado cozinheiros e outros estudiosos da cultura indígena.

Neto de indígenas sioux, o chef Sean Sherman vai abrir o Chef Sioux, em Minnesota, quase na fronteira com o Canadá. O restaurante, que deve começar a funcionar no fim do ano, será inspirado na cultura dos grupos indígenas dakota (que deriva dos sioux) e ojibwe. O cardápio deve ter bisão braseado com folhas de cedro, manoomin (uma espécie de arroz selvagem muito fino e longo) servido com cranberry, coelho defumado e um ensopado com milho, pato desidratado e mirtilo. São pratos que o chef já prepara no catering que abriu no mês de julho, com o mesmo nome.

Apache e navajo. O chef Nephi Craig está à frente da Native American Culinary Association. FOTO: Evan Sung/Divulgação

Antes de dar início à empreitada, Sherman viajou por diferentes comunidades indígenas para conhecer seus hábitos e se debruçou sobre livros de história na tentativa de descobrir quais variedades de plantas eram usadas na era “pré-reservas”, anteriores à chegada de colonizadores europeus.

Algumas dessas tradições Sherman já conhecia de perto. Ele cresceu nas planícies da reserva de Pine Ridge, em Dakota do Sul, no rancho de seu avô indígena, que frequentou escola evangelizadora. Ali, em uma área ampla e empobrecida, aprendeu a caçar e reconhecer ingredientes silvestres, tendo também contato com receitas que sobreviveram ao uso da comida enlatada.

“Os indígenas instalados nessa reserva não faziam cultivos tradicionais. Tiveram de se adaptar e muitos hábitos foram se perdendo”, diz o chef.

Território. Filho de uma apache e um navajo, o chef Nephi Craig também trabalha para manter as tradições indígenas. “Fomos forçados a sair de nosso território e realocados em reservas. Perdemos a capacidade de viajar, acompanhando manadas de animais selvagens em sua migração, e de coletar plantas silvestres.

Deixamos de reproduzir nossas técnicas e a conexão entre a comida e a terra acabou ”, conta. Ele cresceu na reserva Fort Apache, nas White Mountains, leste do Arizona, e depois trabalhou num restaurante francês da região antes de decidir dedicar-se à cozinha indígena.

Hoje, comanda uma equipe formada apenas por apaches no restaurante do Sunrise Park Resort, instalado na reserva. Fundador da Native American Culinary Association, Nephi Craig já apresentou sua cozinha em países como Inglaterra, Alemanha e Japão. Também esteve no Brasil, onde experimentou receitas ligadas às raízes indígenas brasileiras como o tacacá – que repetiu “três ou quatro” vezes, atraído pelo azedinho do tucupi e a sensação de dormência na boca provocada pelo jambu.

A história desse chef ilustra a de um imenso contingente de indígenas americanos que perdeu terras, foi realocado e passou a depender da “ração” fornecida pelo governo, que inclui açúcar refinado e enlatados. “Desses hábitos recentes surgiram doenças como diabete e uma alimentação que em nada lembra a cozinha original desses povos”, diz o chef.

Silvestres. Sobremesa que leva mistura de sementes. FOTO: Divulgação

Ingredientes. Em suas pesquisas, o chef Sherman descobriu ingredientes indígenas extremamente sazonais, encontrados durante poucas semanas apenas, como as chokecherries. As frutinhas, de gosto adstringente e com um grande caroço, viram geleia, molho ou calda que acompanham diferentes pratos. A produção é tão pequena e sazonal que, neste ano, o chef obteve apenas nove quilos do produto. “Tenho sorte de estar em uma comunidade em que ingredientes como esse são coletados e vendidos”, diz Sherman. Outros produtos chegam a ele por meio de pequenos agricultores que estão revitalizando plantações locais graças à troca de sementes.

Nephi Craig faz questão de lembrar que alimentos muito populares hoje, como milho, feijão, abóbora, pimenta e tomate foram estudados por povos indígenas durante séculos antes de serem difundidos pelo mundo. “São ingredientes indígenas usados em cozinhas do Alasca à Argentina”, diz.

Entre os ingredientes mais frequentes na cozinha indígena da América do Norte estão o milho, feijão e abóbora. Além de alimentos mais comuns em determinadas paisagens, como o cáctus, nas regiões mais desérticas, e peixes nas áreas próximas a rios e lagos.

Combinações. O menu do Sunrise Park Resort passa longe dos produtos mais comuns. Os pratos têm como base ingredientes silvestres e de pronúncia complicada. O cardápio custa US$ 95, tem de 8 a 12 etapas e depende de ingredientes disponíveis na estação. A reserva deve ser feita com antecedência.

Um exemplo é o prato que combina flores de iúca (planta de folhas longas e pontiagudas), óxalis (espécie de trevo), aipo selvagem, amaranto e milho. Craig se entusiasma com uma das sobremesas, preparada com flores de calêndula, mel e uma mistura de sementes locais usadas no inverno como fonte de energia.

O chef conta que certa vez, durante um jantar, foi procurado por uma senhora apache emocionada. “Ela queria saber onde eu havia conseguido aquelas sementes, que tinham desaparecido havia anos. Esses ingredientes são mais luxuosos que trufas e caviar. São nossas iguarias”, diz o chef deixando escapar uma ponta de orgulho.

“A cultura indígena faz ligações cosmológicas com tudo”, explica o chef. Para ilustrar, ele conta que descobriu uma tribo na Nova Zelândia que se refere à própria comida como comida das estrelas. “E nossa música, língua, arte, tudo está também permeado de referências à comida. Comida é uma forma de resiliência cultural.”

Mesa e despensa indígena

Sumac selvagem. Cítrica, a espécie americana vai bem com peixes e refrescos, como uma limonada

Tradicional. Receita que leva peixe local e diferentes variedades de feijão, duas marcas alimentares indígenas

Timpsula. A raiz, que pode ser consumida fresca ou desidratada, é importante ingrediente para indígenas

Bebida. A associação entre sumac selvagem e folhas de pinheiro dá origem a uma espécie de chá

SERVIÇO - Sunrise Park Resort Highway 273, Arizona, Estados Unidos Tel.: 1 (855) 735-7669

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Um pequeno e ainda disperso grupo de chefs dos Estados Unidos anda empenhado em reavivar a cozinha indígena americana. O trabalho faz todo sentido no momento atual: apesar de essa culinária variar de tribo para tribo, ela é marcada por técnicas de preservação, caça de animais e coleta de plantas silvestres. Exatamente aquilo que anda ditando tendências de Copenhague a Lima.

Prato feito com oxális e aipo selvagem. FOTO: Divulgação

A cozinha indígena americana já tem alguns restaurantes – deve ganhar mais um até o fim do ano –, além da Native American Culinary Association, entidade dedicada a estudar essa culinária e promotora de um fórum que reuniu no ano passado cozinheiros e outros estudiosos da cultura indígena.

Neto de indígenas sioux, o chef Sean Sherman vai abrir o Chef Sioux, em Minnesota, quase na fronteira com o Canadá. O restaurante, que deve começar a funcionar no fim do ano, será inspirado na cultura dos grupos indígenas dakota (que deriva dos sioux) e ojibwe. O cardápio deve ter bisão braseado com folhas de cedro, manoomin (uma espécie de arroz selvagem muito fino e longo) servido com cranberry, coelho defumado e um ensopado com milho, pato desidratado e mirtilo. São pratos que o chef já prepara no catering que abriu no mês de julho, com o mesmo nome.

Apache e navajo. O chef Nephi Craig está à frente da Native American Culinary Association. FOTO: Evan Sung/Divulgação

Antes de dar início à empreitada, Sherman viajou por diferentes comunidades indígenas para conhecer seus hábitos e se debruçou sobre livros de história na tentativa de descobrir quais variedades de plantas eram usadas na era “pré-reservas”, anteriores à chegada de colonizadores europeus.

Algumas dessas tradições Sherman já conhecia de perto. Ele cresceu nas planícies da reserva de Pine Ridge, em Dakota do Sul, no rancho de seu avô indígena, que frequentou escola evangelizadora. Ali, em uma área ampla e empobrecida, aprendeu a caçar e reconhecer ingredientes silvestres, tendo também contato com receitas que sobreviveram ao uso da comida enlatada.

“Os indígenas instalados nessa reserva não faziam cultivos tradicionais. Tiveram de se adaptar e muitos hábitos foram se perdendo”, diz o chef.

Território. Filho de uma apache e um navajo, o chef Nephi Craig também trabalha para manter as tradições indígenas. “Fomos forçados a sair de nosso território e realocados em reservas. Perdemos a capacidade de viajar, acompanhando manadas de animais selvagens em sua migração, e de coletar plantas silvestres.

Deixamos de reproduzir nossas técnicas e a conexão entre a comida e a terra acabou ”, conta. Ele cresceu na reserva Fort Apache, nas White Mountains, leste do Arizona, e depois trabalhou num restaurante francês da região antes de decidir dedicar-se à cozinha indígena.

Hoje, comanda uma equipe formada apenas por apaches no restaurante do Sunrise Park Resort, instalado na reserva. Fundador da Native American Culinary Association, Nephi Craig já apresentou sua cozinha em países como Inglaterra, Alemanha e Japão. Também esteve no Brasil, onde experimentou receitas ligadas às raízes indígenas brasileiras como o tacacá – que repetiu “três ou quatro” vezes, atraído pelo azedinho do tucupi e a sensação de dormência na boca provocada pelo jambu.

A história desse chef ilustra a de um imenso contingente de indígenas americanos que perdeu terras, foi realocado e passou a depender da “ração” fornecida pelo governo, que inclui açúcar refinado e enlatados. “Desses hábitos recentes surgiram doenças como diabete e uma alimentação que em nada lembra a cozinha original desses povos”, diz o chef.

Silvestres. Sobremesa que leva mistura de sementes. FOTO: Divulgação

Ingredientes. Em suas pesquisas, o chef Sherman descobriu ingredientes indígenas extremamente sazonais, encontrados durante poucas semanas apenas, como as chokecherries. As frutinhas, de gosto adstringente e com um grande caroço, viram geleia, molho ou calda que acompanham diferentes pratos. A produção é tão pequena e sazonal que, neste ano, o chef obteve apenas nove quilos do produto. “Tenho sorte de estar em uma comunidade em que ingredientes como esse são coletados e vendidos”, diz Sherman. Outros produtos chegam a ele por meio de pequenos agricultores que estão revitalizando plantações locais graças à troca de sementes.

Nephi Craig faz questão de lembrar que alimentos muito populares hoje, como milho, feijão, abóbora, pimenta e tomate foram estudados por povos indígenas durante séculos antes de serem difundidos pelo mundo. “São ingredientes indígenas usados em cozinhas do Alasca à Argentina”, diz.

Entre os ingredientes mais frequentes na cozinha indígena da América do Norte estão o milho, feijão e abóbora. Além de alimentos mais comuns em determinadas paisagens, como o cáctus, nas regiões mais desérticas, e peixes nas áreas próximas a rios e lagos.

Combinações. O menu do Sunrise Park Resort passa longe dos produtos mais comuns. Os pratos têm como base ingredientes silvestres e de pronúncia complicada. O cardápio custa US$ 95, tem de 8 a 12 etapas e depende de ingredientes disponíveis na estação. A reserva deve ser feita com antecedência.

Um exemplo é o prato que combina flores de iúca (planta de folhas longas e pontiagudas), óxalis (espécie de trevo), aipo selvagem, amaranto e milho. Craig se entusiasma com uma das sobremesas, preparada com flores de calêndula, mel e uma mistura de sementes locais usadas no inverno como fonte de energia.

O chef conta que certa vez, durante um jantar, foi procurado por uma senhora apache emocionada. “Ela queria saber onde eu havia conseguido aquelas sementes, que tinham desaparecido havia anos. Esses ingredientes são mais luxuosos que trufas e caviar. São nossas iguarias”, diz o chef deixando escapar uma ponta de orgulho.

“A cultura indígena faz ligações cosmológicas com tudo”, explica o chef. Para ilustrar, ele conta que descobriu uma tribo na Nova Zelândia que se refere à própria comida como comida das estrelas. “E nossa música, língua, arte, tudo está também permeado de referências à comida. Comida é uma forma de resiliência cultural.”

Mesa e despensa indígena

Sumac selvagem. Cítrica, a espécie americana vai bem com peixes e refrescos, como uma limonada

Tradicional. Receita que leva peixe local e diferentes variedades de feijão, duas marcas alimentares indígenas

Timpsula. A raiz, que pode ser consumida fresca ou desidratada, é importante ingrediente para indígenas

Bebida. A associação entre sumac selvagem e folhas de pinheiro dá origem a uma espécie de chá

SERVIÇO - Sunrise Park Resort Highway 273, Arizona, Estados Unidos Tel.: 1 (855) 735-7669

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 30/10/2014

Um pequeno e ainda disperso grupo de chefs dos Estados Unidos anda empenhado em reavivar a cozinha indígena americana. O trabalho faz todo sentido no momento atual: apesar de essa culinária variar de tribo para tribo, ela é marcada por técnicas de preservação, caça de animais e coleta de plantas silvestres. Exatamente aquilo que anda ditando tendências de Copenhague a Lima.

Prato feito com oxális e aipo selvagem. FOTO: Divulgação

A cozinha indígena americana já tem alguns restaurantes – deve ganhar mais um até o fim do ano –, além da Native American Culinary Association, entidade dedicada a estudar essa culinária e promotora de um fórum que reuniu no ano passado cozinheiros e outros estudiosos da cultura indígena.

Neto de indígenas sioux, o chef Sean Sherman vai abrir o Chef Sioux, em Minnesota, quase na fronteira com o Canadá. O restaurante, que deve começar a funcionar no fim do ano, será inspirado na cultura dos grupos indígenas dakota (que deriva dos sioux) e ojibwe. O cardápio deve ter bisão braseado com folhas de cedro, manoomin (uma espécie de arroz selvagem muito fino e longo) servido com cranberry, coelho defumado e um ensopado com milho, pato desidratado e mirtilo. São pratos que o chef já prepara no catering que abriu no mês de julho, com o mesmo nome.

Apache e navajo. O chef Nephi Craig está à frente da Native American Culinary Association. FOTO: Evan Sung/Divulgação

Antes de dar início à empreitada, Sherman viajou por diferentes comunidades indígenas para conhecer seus hábitos e se debruçou sobre livros de história na tentativa de descobrir quais variedades de plantas eram usadas na era “pré-reservas”, anteriores à chegada de colonizadores europeus.

Algumas dessas tradições Sherman já conhecia de perto. Ele cresceu nas planícies da reserva de Pine Ridge, em Dakota do Sul, no rancho de seu avô indígena, que frequentou escola evangelizadora. Ali, em uma área ampla e empobrecida, aprendeu a caçar e reconhecer ingredientes silvestres, tendo também contato com receitas que sobreviveram ao uso da comida enlatada.

“Os indígenas instalados nessa reserva não faziam cultivos tradicionais. Tiveram de se adaptar e muitos hábitos foram se perdendo”, diz o chef.

Território. Filho de uma apache e um navajo, o chef Nephi Craig também trabalha para manter as tradições indígenas. “Fomos forçados a sair de nosso território e realocados em reservas. Perdemos a capacidade de viajar, acompanhando manadas de animais selvagens em sua migração, e de coletar plantas silvestres.

Deixamos de reproduzir nossas técnicas e a conexão entre a comida e a terra acabou ”, conta. Ele cresceu na reserva Fort Apache, nas White Mountains, leste do Arizona, e depois trabalhou num restaurante francês da região antes de decidir dedicar-se à cozinha indígena.

Hoje, comanda uma equipe formada apenas por apaches no restaurante do Sunrise Park Resort, instalado na reserva. Fundador da Native American Culinary Association, Nephi Craig já apresentou sua cozinha em países como Inglaterra, Alemanha e Japão. Também esteve no Brasil, onde experimentou receitas ligadas às raízes indígenas brasileiras como o tacacá – que repetiu “três ou quatro” vezes, atraído pelo azedinho do tucupi e a sensação de dormência na boca provocada pelo jambu.

A história desse chef ilustra a de um imenso contingente de indígenas americanos que perdeu terras, foi realocado e passou a depender da “ração” fornecida pelo governo, que inclui açúcar refinado e enlatados. “Desses hábitos recentes surgiram doenças como diabete e uma alimentação que em nada lembra a cozinha original desses povos”, diz o chef.

Silvestres. Sobremesa que leva mistura de sementes. FOTO: Divulgação

Ingredientes. Em suas pesquisas, o chef Sherman descobriu ingredientes indígenas extremamente sazonais, encontrados durante poucas semanas apenas, como as chokecherries. As frutinhas, de gosto adstringente e com um grande caroço, viram geleia, molho ou calda que acompanham diferentes pratos. A produção é tão pequena e sazonal que, neste ano, o chef obteve apenas nove quilos do produto. “Tenho sorte de estar em uma comunidade em que ingredientes como esse são coletados e vendidos”, diz Sherman. Outros produtos chegam a ele por meio de pequenos agricultores que estão revitalizando plantações locais graças à troca de sementes.

Nephi Craig faz questão de lembrar que alimentos muito populares hoje, como milho, feijão, abóbora, pimenta e tomate foram estudados por povos indígenas durante séculos antes de serem difundidos pelo mundo. “São ingredientes indígenas usados em cozinhas do Alasca à Argentina”, diz.

Entre os ingredientes mais frequentes na cozinha indígena da América do Norte estão o milho, feijão e abóbora. Além de alimentos mais comuns em determinadas paisagens, como o cáctus, nas regiões mais desérticas, e peixes nas áreas próximas a rios e lagos.

Combinações. O menu do Sunrise Park Resort passa longe dos produtos mais comuns. Os pratos têm como base ingredientes silvestres e de pronúncia complicada. O cardápio custa US$ 95, tem de 8 a 12 etapas e depende de ingredientes disponíveis na estação. A reserva deve ser feita com antecedência.

Um exemplo é o prato que combina flores de iúca (planta de folhas longas e pontiagudas), óxalis (espécie de trevo), aipo selvagem, amaranto e milho. Craig se entusiasma com uma das sobremesas, preparada com flores de calêndula, mel e uma mistura de sementes locais usadas no inverno como fonte de energia.

O chef conta que certa vez, durante um jantar, foi procurado por uma senhora apache emocionada. “Ela queria saber onde eu havia conseguido aquelas sementes, que tinham desaparecido havia anos. Esses ingredientes são mais luxuosos que trufas e caviar. São nossas iguarias”, diz o chef deixando escapar uma ponta de orgulho.

“A cultura indígena faz ligações cosmológicas com tudo”, explica o chef. Para ilustrar, ele conta que descobriu uma tribo na Nova Zelândia que se refere à própria comida como comida das estrelas. “E nossa música, língua, arte, tudo está também permeado de referências à comida. Comida é uma forma de resiliência cultural.”

Mesa e despensa indígena

Sumac selvagem. Cítrica, a espécie americana vai bem com peixes e refrescos, como uma limonada

Tradicional. Receita que leva peixe local e diferentes variedades de feijão, duas marcas alimentares indígenas

Timpsula. A raiz, que pode ser consumida fresca ou desidratada, é importante ingrediente para indígenas

Bebida. A associação entre sumac selvagem e folhas de pinheiro dá origem a uma espécie de chá

SERVIÇO - Sunrise Park Resort Highway 273, Arizona, Estados Unidos Tel.: 1 (855) 735-7669

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Prato feito com oxális e aipo selvagem. FOTO: Divulgação

A cozinha indígena americana já tem alguns restaurantes – deve ganhar mais um até o fim do ano –, além da Native American Culinary Association, entidade dedicada a estudar essa culinária e promotora de um fórum que reuniu no ano passado cozinheiros e outros estudiosos da cultura indígena.

Neto de indígenas sioux, o chef Sean Sherman vai abrir o Chef Sioux, em Minnesota, quase na fronteira com o Canadá. O restaurante, que deve começar a funcionar no fim do ano, será inspirado na cultura dos grupos indígenas dakota (que deriva dos sioux) e ojibwe. O cardápio deve ter bisão braseado com folhas de cedro, manoomin (uma espécie de arroz selvagem muito fino e longo) servido com cranberry, coelho defumado e um ensopado com milho, pato desidratado e mirtilo. São pratos que o chef já prepara no catering que abriu no mês de julho, com o mesmo nome.

Apache e navajo. O chef Nephi Craig está à frente da Native American Culinary Association. FOTO: Evan Sung/Divulgação

Antes de dar início à empreitada, Sherman viajou por diferentes comunidades indígenas para conhecer seus hábitos e se debruçou sobre livros de história na tentativa de descobrir quais variedades de plantas eram usadas na era “pré-reservas”, anteriores à chegada de colonizadores europeus.

Algumas dessas tradições Sherman já conhecia de perto. Ele cresceu nas planícies da reserva de Pine Ridge, em Dakota do Sul, no rancho de seu avô indígena, que frequentou escola evangelizadora. Ali, em uma área ampla e empobrecida, aprendeu a caçar e reconhecer ingredientes silvestres, tendo também contato com receitas que sobreviveram ao uso da comida enlatada.

“Os indígenas instalados nessa reserva não faziam cultivos tradicionais. Tiveram de se adaptar e muitos hábitos foram se perdendo”, diz o chef.

Território. Filho de uma apache e um navajo, o chef Nephi Craig também trabalha para manter as tradições indígenas. “Fomos forçados a sair de nosso território e realocados em reservas. Perdemos a capacidade de viajar, acompanhando manadas de animais selvagens em sua migração, e de coletar plantas silvestres.

Deixamos de reproduzir nossas técnicas e a conexão entre a comida e a terra acabou ”, conta. Ele cresceu na reserva Fort Apache, nas White Mountains, leste do Arizona, e depois trabalhou num restaurante francês da região antes de decidir dedicar-se à cozinha indígena.

Hoje, comanda uma equipe formada apenas por apaches no restaurante do Sunrise Park Resort, instalado na reserva. Fundador da Native American Culinary Association, Nephi Craig já apresentou sua cozinha em países como Inglaterra, Alemanha e Japão. Também esteve no Brasil, onde experimentou receitas ligadas às raízes indígenas brasileiras como o tacacá – que repetiu “três ou quatro” vezes, atraído pelo azedinho do tucupi e a sensação de dormência na boca provocada pelo jambu.

A história desse chef ilustra a de um imenso contingente de indígenas americanos que perdeu terras, foi realocado e passou a depender da “ração” fornecida pelo governo, que inclui açúcar refinado e enlatados. “Desses hábitos recentes surgiram doenças como diabete e uma alimentação que em nada lembra a cozinha original desses povos”, diz o chef.

Silvestres. Sobremesa que leva mistura de sementes. FOTO: Divulgação

Ingredientes. Em suas pesquisas, o chef Sherman descobriu ingredientes indígenas extremamente sazonais, encontrados durante poucas semanas apenas, como as chokecherries. As frutinhas, de gosto adstringente e com um grande caroço, viram geleia, molho ou calda que acompanham diferentes pratos. A produção é tão pequena e sazonal que, neste ano, o chef obteve apenas nove quilos do produto. “Tenho sorte de estar em uma comunidade em que ingredientes como esse são coletados e vendidos”, diz Sherman. Outros produtos chegam a ele por meio de pequenos agricultores que estão revitalizando plantações locais graças à troca de sementes.

Nephi Craig faz questão de lembrar que alimentos muito populares hoje, como milho, feijão, abóbora, pimenta e tomate foram estudados por povos indígenas durante séculos antes de serem difundidos pelo mundo. “São ingredientes indígenas usados em cozinhas do Alasca à Argentina”, diz.

Entre os ingredientes mais frequentes na cozinha indígena da América do Norte estão o milho, feijão e abóbora. Além de alimentos mais comuns em determinadas paisagens, como o cáctus, nas regiões mais desérticas, e peixes nas áreas próximas a rios e lagos.

Combinações. O menu do Sunrise Park Resort passa longe dos produtos mais comuns. Os pratos têm como base ingredientes silvestres e de pronúncia complicada. O cardápio custa US$ 95, tem de 8 a 12 etapas e depende de ingredientes disponíveis na estação. A reserva deve ser feita com antecedência.

Um exemplo é o prato que combina flores de iúca (planta de folhas longas e pontiagudas), óxalis (espécie de trevo), aipo selvagem, amaranto e milho. Craig se entusiasma com uma das sobremesas, preparada com flores de calêndula, mel e uma mistura de sementes locais usadas no inverno como fonte de energia.

O chef conta que certa vez, durante um jantar, foi procurado por uma senhora apache emocionada. “Ela queria saber onde eu havia conseguido aquelas sementes, que tinham desaparecido havia anos. Esses ingredientes são mais luxuosos que trufas e caviar. São nossas iguarias”, diz o chef deixando escapar uma ponta de orgulho.

“A cultura indígena faz ligações cosmológicas com tudo”, explica o chef. Para ilustrar, ele conta que descobriu uma tribo na Nova Zelândia que se refere à própria comida como comida das estrelas. “E nossa música, língua, arte, tudo está também permeado de referências à comida. Comida é uma forma de resiliência cultural.”

Mesa e despensa indígena

Sumac selvagem. Cítrica, a espécie americana vai bem com peixes e refrescos, como uma limonada

Tradicional. Receita que leva peixe local e diferentes variedades de feijão, duas marcas alimentares indígenas

Timpsula. A raiz, que pode ser consumida fresca ou desidratada, é importante ingrediente para indígenas

Bebida. A associação entre sumac selvagem e folhas de pinheiro dá origem a uma espécie de chá

SERVIÇO - Sunrise Park Resort Highway 273, Arizona, Estados Unidos Tel.: 1 (855) 735-7669

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