Existe uma relação cada vez mais intensa entre chefs de cozinha e produtores que a confeitaria precisa emular para ganhar peso no mundo da mesa. E essa relação, na opinião da confeiteira e professora Joyce Galvão, autora de A Química dos Bolos (Companhia de Mesa, 284 págs.), deveria ser acompanhada de uma maior atenção às frutas nacionais e a uma demanda mais crítica da indústria, para que os produtos melhorem e não se dependa tanto de insumos importados, como farinha de trigo, manteiga ou chocolate.
“Uma coisa que acontece na cozinha quente e a gente deveria copiar é justamente a proximidade com o produtor”, diz Joyce. “Outra coisa que as pessoas precisam entender é a sazonalidade. Quando eu vendia bolo, as pessoas queriam morango em janeiro!”
A voz suave e o gestual contido de Joyce contrastam com a crítica ácida que ela faz do setor, amparada por sua experiência em cozinhas europeias (como os célebres restaurantes El Celler de Can Roca e o extinto El Bulli), com a preparação de doces sob encomenda no Brasil (em sua All About Cakes) e ainda como professora universitária no Mackenzie.
Se cerca de um ano atrás ela já havia provocado colegas ao dizer que não existia uma confeitaria propriamente brasileira, agora ela alfineta não só a indústria, mas também seus pares e respectivos empregadores, mais exatamente restaurateurs e chefs, que destinam “salários de fome” a pessoas que têm a função de encerrar a refeição, muitas vezes um menu-degustação.
“Outro dia me pediram indicação de um confeiteiro para um restaurante, eu perguntei o salário para poder pensar em alguém. Eram R$ 1.200, seis dias por semana, dois turnos!”, conta. “E os confeiteiros em início de carreira vão. Mas vão para executar, não para pensar.”
De tanto reclamar da falta de profissionalização e de estudos em sua área Joyce resolveu contribuir para aprimorar o setor e criou, há três anos, um evento só para os confeiteiros, o Compartir. A próxima edição está marcada para os dias 22 e 23 deste mês, quando vários profissionais de São Paulo e do Rio, além de historiadores e produtores, vão se reunir para dar aulas técnicas e palestras, na Chocolate Academy da Callebaut, na Avenida Paulista.
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“Um bom exemplo das dificuldades que a confeitaria brasileira pensante enfrenta é ver bons profissionais como Flávio (Federico), Amanda (Lopes) e Diego (Lozano) abrirem lojas e fecharem, para depois irem dar aulas. Foi o que fiz também. O vender é difícil, e a mão de obra é incapacitada”, diz. Doce de restaurante. Nem tudo é farinha do mesmo saco, porém, e Joyce destaca confeiteiros de restaurantes como Rodrigo Ribeiro (Petí), Helena Franco Lima (Maní) e Henrique Rossanelli (Oro, no Rio), que estarão nesta edição do Compartir. Na passada, havia nomes como Saiko Izawa (A Casa do Porco) e Vivianne Wakuda (que já fez sobremesas para o Aizomê).
Nesses casos, ela acredita, o confeiteiro pode se apoiar na rede de fornecimento do chef e, em troca, o restaurante ganha destaque pela sobremesa. São eles – os confeiteiros pensantes, como diz Joyce – que vão atrás do inusitado, como Henrique, que pediu grumixama (fruta da mata atlântica com formato similar ao da jabuticaba) para sua apresentação no Compartir. “Mas não consegui a fruta por falta de logística”, diz ela. “Tem produtor que diz que o pé carrega de fruta, cai e apodrece, ninguém se interessa, daí eles não conseguem se desenvolver. Enquanto a gente ficar mostrando doce com framboesa, que custa R$ 25 a caixinha, ninguém vai querer grumixama.”
Mas é só colocar uma fruta nativa na receita e vira confeitaria brasileira? Para Joyce, há um caminho longo a se percorrer para chegar no patamar de gastronomia autoral que mescla ingredientes e receitas típicas nacionais com técnicas principalmente europeias.
Um caminho, indica ela, é diferenciar categorias de doces: confeitaria de restaurante, confeitaria de loja, confeitaria caseira, confeitaria regional e por aí vai. “A gente consegue definir o que é a cozinha do Maní, do Tuju, do Tordesilhas. Mas as pessoas colocam o bolo caseiro de leite Ninho e Nutella no mesmo patamar dos doces que Amanda Lopes fazia na Jelly Bread. Acham que é tudo confeitaria.”
SERVIÇO
Compartir 2018 Chocolate Academy Callebaut Av. Paulista, 1.048 Dias 22 e 23/9, das 8h às 17h Aulas a partir de R$ 300 Ingressos no site do evento