Vai ter francês arrancando cabelo. Ah, vai! Há sete anos Juanlu Fernández, de Jerez de la Fontera, na Andaluzia, começou uma importação própria da Normandia. Se existisse o título, o chef seria cavaleiro da manteiga, visto que em seu Lú, Cocina y Alma, recentemente condecorado com duas estrelas Michelin, perpetua a arte de amanteigar. Em outras palavras, faz a melhor manteiga da Espanha.
Pode soar esquisito, mas a manteiga nem sempre foi um produto nobre. Na Idade Média, o ícone francês não passava de “la graisse du pauvre” – isso é, a gordura do pobre. Porém, no Renascimento, quando ela caiu nas graças da corte, a Normandia pareceu o melhor lugar para produzi-la. Afinal, tinha muito pasto e não estava distante de Paris.
Até hoje, em torno de Isigny-sur-Mer, zona que carrega denominação de origem protegida, tem manteiga, ou melhor, beurre de baratte, proveniente de um creme de leite espesso e maturado, batido à moda antiga, originando um laticínio mais rico em sabores.
Dito isso, nem 10% da produção manteigueira respeita tal savoir-faire. Portanto, a percentagem do trabalho de Juanlu fica naqueles zeros com vírgulas que fazem da raridade itens de desejo. Como ele faz? Toda semana, o andaluz compra quase 10 quilos de natas batidas artesanalmente, como manda a tradição.
Então, em seu restaurante, aplica um método exclusivo: “A Normandia é onde se faz a melhor manteiga 100% artesanal do mundo. Pegamos esse produto cru e incrível, refinamos, adicionamos sal e, com a técnica de soleras, como o vinho Jerez, temos a manteiga do LÚ”.
Intraduzível, a manteiga do LÚ poderia ser chamada de rançosa e até de velha, mas como o cozinheiro estrelado mencionou, ao usar a expertise espanhola de elaboração de vinhos fortificados, como o Jerez, ele garante consistência, qualidade e complexidade ao produto final.
No caso dos vinhos, a técnica implica um sistema de envelhecimento em que barris são organizados em criaderas (camadas). A solera é a camada mais próxima ao solo, a que abriga o líquido mais antigo. Acima dela, progressivamente, vinhos mais jovens são adicionados.
De tempos em tempos, um pouco da bebida da solera é engarrafada, sendo imediatamente substituída pelo vinho da criadera acima. Um ciclo sem fim que resulta em um vinho complexo, que harmoniza diferentes idades em blends únicos.
Em 2017, o LÚ improvisou a própria solera: “Desde o início, o que fazemos é que temos uma porção desse beurre de baratte da Normandia e, a cada semana, adicionamos manteiga de leite cru fresca para obtermos mais nuances de sabor”.
Por nuances, Juanlu se refere a notas de gorgonzola e queijos maturados. Do processo autoral de maturação e da mistura contínua vem também um fundinho de ranço: “Nossa manteiga não é pasteurizada, por isso continua a evoluir com o tempo. À mesa, é amassada com pás de madeira como fazem tradicionalmente na França para temperá-la e moldá-la”.
Cada vez melhor, além de ser provada no meio do menu degustação do restaurante, a manteiga vintage e duas estrelas pode ser comprada como souvenir (€ 30 o vidro de 250 gramas).