É difícil estabelecer a receita clássica da galinhada. E o motivo é simples: o prato viajou muito. Tem galinhada de galinha caipira, de frango, de galeto. Os pedaços também variam: algumas receitas recomendam cozinhar todas as partes da galinha; outras, só coxas, sobrecoxas e peitos. Conforme a região, o prato leva açafrão ou colorau, pequi, guariroba, quiabo, canjiquinha, ervilha, milho…
Mas é no modo de preparo que a galinhada parece encontrar seu DNA, como explica o chef e professor de cozinha brasileira na Universidade Anhembi Morumbi Luis Fernando Perin. “Depois de tostar os pedaços de galinha temperados é preciso torrar o arroz na mesma panela, adicionar a água e deixar cozinhar sem mexer. O importante é que o arroz, de preferência do tipo agulhinha, cozinhe no caldo do frango.” Para ensinar todos os detalhes, Perin fez o prato passo a passo, como está na página ao lado.
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Em partes. No Dalva e Dito ela é servida em bufê e a galinha vem separada do arroz
Mara Salles, pesquisadora e chef do Tordesilhas, ressalta que ainda que os ingredientes mudem pelo Brasil, galinhada que é galinhada tem de ser parada na mesma panela: arroz e galinha devem cozinhar juntos, com colorau ou açafrão além dos temperos. “A gente já conhece pouco nossos pratos. Se começarmos a usar nomes que não correspondem ao que são de verdade eles vão se descaracterizar, se perder”, diz. A chef usa banha de porco para fritar a ave. Usa galinha caipira para que a carne não desmanche durante o cozimento e faz o caldo com as partes menos nobres, como pé e pescoço.
A galinha caipira também é obrigatória na receita da chef Janaina Rueda no Bar da Dona Onça. “Sirvo o arroz de galinhada desde que abri o bar, umas 700 porções por mês. Há oito anos era difícil achar esse prato em São Paulo. É uma comida boêmia, interiorana”, diz. A chef não cozinha tudo em uma panela só: ela doura os pedaços da ave e termina o cozimento na pressão; depois desfia a carne e aproveita o caldo que ficou na panela para cozinhar o arroz. Daí o nome do prato no cardápio: arroz de galinhada.
Galinhada pode até aparecer em alguns restaurantes, mas sua vocação sempre foi mais para botecos, como atesta José Batista Martins, dono do Bar do Zezé, um dos mais conhecidos em Belo Horizonte. Desde a inauguração, em 2000, ele faz o prato nas noites de segunda, servindo quase 60 quilos de frango – com todas as partes. “A gente cozinha tudo junto e, na hora de servir, coloca no prato o que o cliente pedir. A não ser que ele chegue no fim de noite, quando os pedaços bons já acabaram, e tope comer galinhada de pescoço e pé.” Seu arroz é preparado numa panela separada até estar quase no ponto, mas termina o cozimento junto da galinha.
Diferentes cocoricós
Piauí Um dos pratos mais famosos do Estado é o capote com arroz, um tipo de galinhada feita com galinha-d’angola.
São Paulo Segue a mesma lógica da galinhada mineira, mas em algumas regiões é comum usar um pouco de molho de tomate ou tomates picados no cozimento.
Goiás É temperada com açafrão-da-terra (cúrcuma). A cidade de Mara Rosa, no norte do Estado, é uma das grandes produtoras brasileiras da planta que dá origem ao tempero. A galinhada aparece também com pequi e, em alguns locais, guariroba (um tipo de palmito amargo nativo da região) e milho.
Bahia A galinhada é apimentada e o cheiro-verde leva coentro.
Minas Gerais Leva colorau e é geralmente acompanhada de quiabo refogado ou tutu de feijão.
Rio Grande do Sul A marinada leva vinho e o refogado costuma ter pimentões picados e azeitonas. Em Venâncio Aires, uma lei definiu a galinhada como prato oficial da cidade. Ela é servida na festa anual de São Sebastião Mártir, o padroeiro local, desde 1876.
Você já foi ao Bahia?
Há mais de 20 anos servindo galinhada no Canindé, Raimundo Soares, o Bahia, cozinha galinha e arroz juntos, mas não revela muito mais sobre seu prato. Diz que o segredo de sua galinhada está “no tempero exclusivo da casa”. Sem querer, começa a falar dos ingredientes. Mas aí interrompe. “Já disse, não posso contar. O segredo da minha galinhada é segredo mesmo.”
Baiano de Rui Barbosa, ele chegou a São Paulo em 1975 e usou o dinheiro de um seguro-desemprego para comprar um botequinho. O lugar cresceu e em 1992, virou o restaurante Galinhada do Bahia. Ir até lá virou programa, vai gente de todos os cantos da cidade. Todo mundo conhece a galinhada do Bahia.