Pode parecer apenas um selinho na embalagem ou o nome de um produto. No entanto, as indicações geográficas (IGs) são mais do que isso: é o reconhecimento do trabalho de produtores e uma forma de atrair a atenção para determinadas regiões, expandindo economias e fazendo com que brasileiros saibam sabores e saberes espalhados no País. Hoje, de olho nessas possibilidades, está acontecendo um salto nos pedidos de IGs.
Até hoje, o Brasil conta com apenas 89 indicações geográficas. A primeira foi há duas décadas, quando reconheceram os vinhos da região do Vale do Vinhedo, no Rio Grande do Sul. Desde então, as aprovações aconteceram em marcha lenta: depois dessa primeira aprovação, a próxima aconteceu apenas em 2005, com o café do Cerrado Mineiro. Depois, o único crescimento expressivo aconteceu em 2012, mas também com grandes intervalos.
Em 2021, enquanto isso, a conversa foi outra. O número de concessões de indicações geográficas bateu recorde. Foram 18, batendo o recorde de 10 IGs em 2020. Dentre as novidades, produtos como chocolate artesanal de Gramado, o queijo de búfala de Marajó, farinha de mandioca de Bragança, café conilon do Espírito Santo, vinho de altitude de Santa Catarina -- além das redes de Jaguaruana. Em fevereiro deste ano, já aconteceu a primeira aprovação: o mel produzido em uma aroeira, especificamente no norte de Minas Gerais.
“O processo começou com a pesquisa territorial e geográfica, foi feita a coleta de amostras de apiários de cada cidade, análise do mel e do solo, além do pólen da aroeira”, conta o presidente da Cooperativa dos Apicultores e Agricultores Familiares do Norte de Minas (COOPEMAPI), Luciano Fernandes. “Em dezembro de 2019, o Conselho do Desenvolvimento da Apicultura do Norte de Minas colocou o processo no INPI, além de termos contratado um consultor do Sebrae, que nos apoiou. Com dois anos, saiu a IG”.
Todos eles se juntam à uma lista com alimentos, serviços e produtos célebres, com é o caso do queijo Canastra, os camarões da Costa Negra ou o café do Cerrado Mineiro.
No entanto, esses bons números do Brasil em 2021 não estão nem perto do alcance das indicações geográficas da Europa. A Itália, atualmente, conta com cerca de 930 IGs, enquanto a França está na casa das 792. Isso é fruto de uma preocupação antiga dos governos europeus: enquanto a primeira legislação brasileira foi escrita em 1996, a Europa já estava aprovando o vinho do porto como a primeira indicação geográfica no século XVIII.
“Nós estamos educando as pessoas a entenderem o que é a indicação geográfica, o que diferencia aquele produto e como é importante, acima de tudo, termos essas indicações”, diz Simone Goldman, consultora de agronegócios do Sebrae-SP. “O Brasil está muito abaixo dos números da Europa, mas temos um potencial enorme, com uma cultura imensa, muito rica. Temos um longo e interessante caminho a ser percorrido”.
Processo de Indicação Geográfica
Algo que impede o crescimento vertiginoso das indicações geográficas é o longo e burocrático processo para conseguir uma concessão. Primeiramente, é preciso ter uma entidade representativa para aquela região, produto ou serviço. “Um grupo de produtores, uma associação, um sindicato, uma cooperativa”, explica Simone, do Sebrae-SP. Além disso, vale dizer que não são apenas IGs de alimentos. Há, também, indústrias e serviços. É o caso dos sapatos de Franca, a cerâmica de Porto Ferreira ou o bordado de Caicó.
O próximo passo é pedir uma concessão de Indicação Geográfica no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). No entanto, para isso, há uma longa burocracia. Em uma primeira camada, há as indicações de procedência (IPs), com regiões reconhecidas pela produção de determinado produto. Em um grau mais complexo, existem as denominações de origem (DOs), em que produtos possuem características próprias naquela região.
Assim, além de ter uma concepção de que aquela região pode ter uma IG, é preciso ter uma organização de produção (todos os produtos, independente do responsável, precisam seguir o mesmo padrão) e garantir uma fiscalização de que todos os requisitos estão sendo seguidos. No caso de uma DO, a entidade representativa ainda precisa de estudos científicos para embasar que a característica daquele produto é realmente diferente ali.
Com laudos, atestados e organização geral em mãos, a entidade pode enfim entrar com o pedido no INPI e aguardar a concessão. Demora bastante, principalmente as DOs: enquanto a primeira IP foi de 2002, a primeira DO brasileira aconteceu apenas em 2010, com o arroz produzido no litoral norte gaúcho. Atualmente, o Brasil conta com 68 indicações de procedência e 21 denominações de origem - além de outras nove DOs estrangeiras.
Para Simone, o esforço vale a pena. “O impacto é muito positivo. A região passa a atrair a atenção de restaurantes e ganha força de turismo não só de visita, mas também de comércio”, contextualiza. “Só é preciso fazer um trabalho de marca, com hotéis, bares, restaurantes, cafés, mostrando que aquele produto é único. Não é de uma hora para a outra que se consegue agregar valor. Mas, quando consegue, a força daquilo é transformadora”.
“Já sentimos mudanças. O mel de aroeira custava 40% mais barato do que o mel silvestre. Hoje já custa 40% mais caro”, conta Luciano, da Coopemapi. “Agora, estamos começando a exportação do mel para a União Europeia, estamos também entrando em São Paulo. Então, a comercialização dele aumentou muito, facilitou demais, já que não tínhamos esse mercado antes da indicação geográfica. Acreditamos que a comercialização deve aumentar ainda mais. Por fim, também descobrimos novos méis especiais produzidos por aqui”.