É comum uma história se repetir entre os chefs: não apenas o amor pela comida, mas a proximidade com as panelas, ingredientes e pratos desde cedo. Não que estar na cozinha seja um requisito para gostar de cozinhar, mas dá uma mãozinha. Além de serem inúmeros os benefícios para as crianças. Desenvolver o paladar, participar de uma tarefa importante para a casa, exercitar a responsabilidade, e, é claro, descobrir o encanto da culinária - e das delícias preparadas.
O chef Chico Ferreira, à frente do Le Jazz, tem feito essa jornada em casa. O pequeno Pedro, de um ano e meio, já tem a cozinha como seu playground. Ele se ocupa brincando com a caixa de ovos ou imitando os movimentos do pai com uma colher e um potinho. “Antes de querer ensinar qualquer coisa, é ser um ambiente da casa que os adultos passam bastante tempo. Eu estou sempre na cozinha, ele também quer participar do que eu estou fazendo”, conta.
Para a chef Claudia Rezende, da Zestzing Padaria Artesanal, ter criado os três filhos com grande proximidade com a cozinha ajudou a desenvolver o paladar deles. “Eles ficaram exigentes para cozinhar, não gostam de comida ultraprocessada, por exemplo, e todos cozinham”, analisa.
Não existe uma idade certa para introduzir os pequenos nos preparos, mas é preciso pensar em quais tarefas condizem com suas capacidades. No início, antes dos três anos, é mais sobre a criança observar e entender aquele espaço do que sobre uma ajuda efetiva no processo. Depois, pequenas atividades podem ser desenvolvidas. “A partir do momento em que ela tem um pouco de atenção e a capacidade de pegar, já pode participar. Com um banquinho, você pode colocar a criança para lavar as verduras, por exemplo”, avalia Claudia.
Durante a pandemia, a chef Lu Bonometti, da Casa Bonometti, encontrou nas receitas um passatempo divertido para seu filho, Marco, de 4 anos. A panqueca de banana se tornou uma tradição de todas as tardes. Antes, ele colocava os ingredientes e a mãe os misturava. Depois, começou a descascar as bananas. Hoje ele basicamente faz tudo – menos a parte de quebrar o ovo e de colocar na frigideira. “Agora a Laura, de um ano e meio, vê eu e o Marco gravando vídeos para a confeitaria e começa a imitar ‘a receita de hoje é…’ (risos). Ela já quer participar”, conta. A empreitada rendeu tanto que a chef decidiu começar a escrever um livro de receitas para fazer com as crianças.
O próprio ato de estar e fazer algo juntos é outro aspecto recompensador de se propor a preparar uma refeição com alguém. “Cozinhar é estar perto, é estar junto”, resume Ana Soares, chef no comando do Mesa III. Para ela, o passeio dos netos é desvendar o universo da casa da avó. “É um lugar fantástico para educar. Meu aprendizado é estar aqui com eles, que podem abrir minhas panelas, brincar com meus objetos de cozinha”, pontua.
A chef Mari Sciotti, do restaurante Quincho, concorda. Seus filhos - Theo, de 15 anos, e Serena, de 3 - sempre participaram dos momentos em que cozinhava, fosse no carrinho, no colo ou no chão. “Desde bebê é essencial que sejam expostos a sentir os aromas, texturas e cores da cozinha. É definitivamente um ambiente ótimo de estímulos e aprendizados”, defende.
Cozinhar com crianças é mais sobre promover um momento divertido do que sobre ensinar detalhes de cada preparo. A pressão que pode surgir nisso, de precisar explicar tudo ou fazer com que a criança se interesse por todas as etapas, pode gerar justamente o efeito oposto. “O ideal é a gente tentar fazer isso com leveza, sem ter um propósito ou uma meta. É mais sobre fazer uma coisa legal e ver no que vai dar”, ressalta Lu. “É só a gente dar a oportunidade e eles naturalmente vão se desenvolvendo na nossa frente.
Confira o vídeo da chef Lu Bonometti ensinando a receita de pãozinho de minuto com seu filho, Marco.
Conversamos com cinco chefs que levaram seus filhos para a cozinha desde a infância. Ana Soares, Chico Ferreira, Claudia Rezende, Lu Bonometti e Mari Sciotti elencaram algumas dicas que podem ajudar no dia a dia. Confira!
Conte histórias
O pai de Ana era professor e, quanto comia, lhe explicava a origem de cada ingrediente. Para a chef, isso foi fundamental para gerar nela curiosidade sobre as comidas e os preparos. “Temos que contar histórias para as crianças. Do lado dos meus filhos, sempre vou contando o que estou fazendo. Uso até hoje quando vou ensinar um prato. Esse contar cria uma história entre nós, um momento de estar junto”, defende.
A chef Claudia também usou da estratégia de contação de histórias para tornar o momento na cozinha mais divertido. Conta que, numa fase em que seus filhos adoravam lanches de fast food, ela criou o ‘Mc Mamãe’. “Fazíamos juntos todo mundo (risos)”, relembra.
Crie um começo, meio e fim
Ana pontua a importância de mostrar aos pequenos como os processos funcionam – da compra dos ingredientes àlimpeza da bagunça. “Ter que ter uma abordagem de começo, meio e fim. Não começar a fazer nada sem estar tudo ali arrumadinho. Ensinar a preparar é um procedimento importante. Depois vamos comer e limpar”, ressalta.
Entra aí, também, a etapa do mise en place. “Temos que criar a cultura de pegar os ingredientes e os utensílios antes de começar o preparo”, defende Lu.
Aproxime os pequenos do processo
Estar na cozinha, mesmo sem participar efetivamente de um preparo, já cumpre um papel fundamental no processo de introdução das crianças: a familiaridade com o espaço e com as tarefas realizadas ali. Para Mari, a criança é um reflexo dos hábitos da casa. “Acho importante a criança estar desde sempre no ambiente. Meus filhos bebês estão no carrinho, no meu colo ou no chão enquanto cozinho”, conta a chef.
Incentivar os pequenos a experimentar diferentes sabores também faz parte dessa equação. Chico relembra de sua infância no Guarujá quando os pais comiam ostras – e ele também queria. “Eu queria fazer parte daquilo, eu sentia que era importante”, diz. Hoje, gosta muito de comer junto com seu filho e quase sempre dá a comida ‘dos adultos’ para ele provar. “Ele fica curioso. Ele gostar de comer é um primeiro passo importante para ele gostar de cozinhar”, pontua.
Diminua as expectativas
É preciso encarar a realidade: é muito provável que cozinhar com a criança gere ainda mais sujeira e bagunça do que o usual. “Não dá pra esperar fazer tudo rápido, prático e sem sujeira”, reforça Mari. A graça é em estar presente, permitir que ela possa experimentar e mexer, explica a chef – o que inevitavelmente vai fazer sujeira. “Escolha uma receita e disponha de tempo para preparar junto. Pressa já não combina com cozinha, com criança menos ainda”, indica a chef.
Evitar um tom professoral também ajuda a engajá-los nas tarefas. Por mais que em muitos casos ela não vá conseguir executar uma atividade completa ou da melhor como deveria, é relevante mostrar que sua ajuda está sendo essencial naquele preparo. “Se ela gosta de massinha, oferece a massa pra ela amassar. Ela tem que sentir que está fazendo algo importante”, pontua Claudia.
Escolha as receitas de acordo com a idade
O interesse - e até as habilidades - para cada tarefa vão muito de acordo com a idade da criança. Ao levar isso em conta, é mais fácil conseguir deixar o momento divertido – sem broncas ou regras demais. “Eu engajo deixando que ela tenha autonomia nas funções que cabem à idade dela. Deixe que ela mexa, experimente, usufrua daquele momento”, diz Mari.
Pensar no tempo de preparo é uma das dicas de Lu Bonometti. Uma criança muito nova não sabe o que significam 50 minutos, então ter que esperar um bolo ficar pronto pode gerar frustração. "Um prato que leva 7 horas para poder ser consumido vai exigir um outro nível de maturidade da criança", analisa a chef. Panqueca, bolo de microondas, tapioca e pipoca são algumas receitas mais rápidas que funcionam. Depois é possível evoluir para o biscoito, que fica cerca de 20 minutos no forno. Em seguida, os bolos. "Assim você treina a criança para a espera", resume.
Ensine responsabilidade à criança
Existem várias tarefas perigosas na cozinha – as facas, o forno, a boca do fogão. Justamente por isso, é importante mostrar à criança os cuidados que ela precisa ter com cada utensílio e eletrodoméstico. Sem deixar de levar em conta a idade dela, é claro. “Você deixa cortar, mas mostra que tem ponta, que machuca. Coloca a mão perto do fogo, mostra que queima, que está quente. Se você mostrar, a criança cria todas as defesas”, observa Ana.
Cinco receitas para trazer os filhos para a cozinha
Pedimos, também, que os chefs indicassem receitas perfeitas para cozinhar com crianças. Confira abaixo quais preparos são fáceis e práticos de fazer com os pequenos – e já avise em casa que hoje eles vão para a cozinha!
Gougères (pão de queijo francês)
O gougère é uma espécie de pão de queijo francês, que eles costumam servir como entrada ou aperitivo. A receita é simples e perfeita para fazer com crianças. Elas podem ajudar a amassar ou formar as bolinhas para levar ao forno. A receita é do chef Chico Ferreira. Aprenda o passo a passo.
Pãozinho de minuto
Rápidos e muito fáceis de fazer, os pãezinhos são uma boa pedida para o preparo de um lanche. É possível colocar a mão na massa - literalmente - e ainda modelar cada pão, o que pode ser uma atividade divertida até para os mais novos. A receita é da chef Lu Bonometti. Aprenda como fazer em casa.
Panqueca americana com frutas vermelhas
Essa é uma boa receita para ser o ponto de partida da sua jornada com as crianças na cozinha. Fácil, rápida e deliciosa. Para a chef Mari Sciotti, que criou a receita e a prepara muito em casa, diga-se de passagem, as panquecas podem tornar-se um momento especial da família. Aquela tradição familiar de comer panqueca todo domingo de manhã. Aprenda o passo a passo.
Nhoquete de ricota e espinafre
A receita da chef Ana Soares é uma boa opção para incluir crianças no preparo do jantar. A parte de amassar e formar as bolinhas é sempre o chamariz, em especial para as mais novas. Aprenda a fazer em casa.
Cookies de chocolates
Existem centenas de receitas de cookies por aí. Esta da chef Claudia Rezende leva três tipos de chocolate e é uma opção para levar as crianças à cozinha para ajudar no preparo da sobremesa ou do lanche. Aprenda o passo a passo.