Madeira extrapola o domínio das bebidas e vira ingrediente em receitas


Em queijos, embutidos e até geleias. Madeira pode ser ingrediente que agrega aroma e sabor, acelera cura e, de quebra, valoriza a flora nacional

Por Ana Paula Boni

Um queijo como o célebre português serra da estrela leva cerca de 90 dias para alcançar a textura ideal, com casca dura por fora e creme fundido por dentro. Na cidadezinha mineira de Passa Quatro, João Laura, na quinta geração de uma família de queijeiros, colocou pó de bálsamo no preparo de um queijo de leite cru e obteve em dez dias uma massa de aspecto já cremoso que o serra da estrela alcançaria só em um mês. Ainda no preparo, notou que o leite com pó de madeira coagulou em metade do tempo do processo comum.

O queijo é uma das muitas receitas às quais dois sommeliers e um cozinheiro se lançaram, com a ajuda de parceiros, para entender a madeira como ingrediente. Afinal, se a madeira dá gosto a cachaças, por que não pode dar a comidas? Calma, ninguém passou mal por comer madeira, já que os tipos usados são os mesmos certificados pela indústria alimentícia para o envelhecimento de cachaça, todas nacionais, como jequitibá, amburana, ipê e putumujú.

A ideia nasceu há mais de um ano com os sommeliers e especialistas em cachaça Isadora Bello Fornari e Mauricio Maia, colunista do Paladar. Depois que testaram diferentes madeiras nacionais em arroz e manteiga, sem sucesso, perceberam que precisavam de um cozinheiro na jogada. Foi assim que entrou no projeto, no fim do ano passado, o chef e produtor rural Rafael Cardoso, da Bocaina.

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Queijo feito com inclusão de pó de bálsamo ainda durante o preparo da massa; na foto, o toco, a maravalha (lascas) e o pó do bálsamo Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Os testes – com pó de madeira, maravalha (lascas finas) ou tocos, tostados ou não – passaram a ser feitos em embutidos, geleias, bitter, vinagre, tíbico (tipo de destilado) e cervejas. Sempre com sobras da tanoaria das Dornas Havana (que faz barris para envelhecer bebida), ou seja, com madeiras limpas e de origem certificada – não vá sair catando toco na rua!

De base empírica, os testes já mostraram que cada tipo de madeira agrega aromas e sabores específicos à receita. No caso de queijos e embutidos, a cura foi acelerada por reações químicas ainda desconhecidas, mas que serão estudadas com a ajuda do professor Mateus Junqueira, da Universidade Federal de São João Del Rei, a partir de análises toxicológicas e cromatográficas. “O que há de bibliografia no mundo é sobre o carvalho. Mas não conhecemos as características particulares das nossas madeiras”, diz Isadora. No Brasil, há pelo menos 36 madeiras com uso reconhecido para envelhecimento de cachaça, incluindo ainda nomes como araribá, grápia, jatobá e itiúba.

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O poder da cura

Para Rafael, esse trabalho abre uma porta para as madeiras serem vistas como especiarias, como o cravo e a canela. “As especiarias são adornos aromáticos na gastronomia, mas são usadas por suas propriedades (medicinais). A madeira é isso: adorno aromático com propriedades. Vemos isso na prática.” 

Em um dos testes, Rafael fez infusão com diferentes madeiras e depois usou a água na produção de linguiça fresca. Percebeu que algumas madeiras têm mais potencial aromático (como a amburana) e outras aceleraram a cura (como o bálsamo). “Também notei que tanto a linguiça como um bacon envolto em maravalha (lascas) tiveram uma vida mais prolongada.”

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No caso dos queijos, feitos na Queijaria Santo Antônio, o bálsamo acelerou mais o processo que o jequitibá, por exemplo. João Laura também testou salgar o queijo com pó de madeira (por fora) e envolvê-lo em maravalha depois de pronto, mas obteve mais resultado incluindo o pó junto com o coalho ainda na massa.

O trio à frente do projeto: Mauricio Maia (colunista do 'Paladar'), Isadora Bello Fornari e Rafael Cardoso Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Na boca

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Além de essas propriedades se mostrarem diferentes em cada madeira, aromas e sabores muito distintos também ampliam o leque para seu uso na gastronomia. Na defumação, as nacionais podem ser substitutas das importadas, mais caras, como macieira e castanheira. 

Rafael já usa pau-brasil (com aromas de chocolate e doce de figo) para defumar bacon, que vende para chefs como Gabriel Broide. Abriu ainda mais o horizonte ao descobrir acidentalmente o cheiro intenso de morango que o putumujú aporta quanto queimado.

Tostar a madeira antes de usá-la intensifica aromas e sabores. Como no caso dos bastonetes de amburana que eles tostaram antes de jogar no cozimento da geleia de pêssego.

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Também tostaram putumujú para infusionar com cerveja e o resultado foi bastante perceptível. Mauricio Maia conta que usou a premium lager padrão da Dádiva para infusionar, por duas semanas na geladeira, maravalha de quatro madeiras: ipê amarelo, bálsamo, jequitibá e putumujú (apenas esta com e sem tosta).

Cerveja premium lager da Dádiva (à esq.) e a mesma bebida com infusão de ipê amarelo, putumujú, bálsamo e jequitibá Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A cerveja com jequitibá, madeira que é prima da castanheira, ganhou um toque amendoado; a de bálsamo mostrou anis e algo resinoso como pimenta-rosa; já a putumujú tem aromas de morango e, no caso do uso da madeira tostada, maior intensidade de frutas vermelhas.

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Mas por que fazer infusão com madeira, e não envelhecer a cerveja no barril, como a própria Dádiva fez na série Odonata em parceria com Mauricio e Isadora? Eles explicam que, além de a infusão dar resultado mais rápido e intenso, ainda conta com a vantagem de a bebida não oxidar no barril, onde há troca de oxigênio.

Esses resultados foram apresentados em aula dada pelo trio em julho, no Senac Aclimação, que ganha segunda edição em outubro (leia mais abaixo).

Salames feitos em parceria com o Yaguara Ecológico, com inclusão de pó de ipê e de jequitibá Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Usos da madeira na cozinha

Por contato

O jeito mais comum de usar a madeira é pelo contato, como quando a cachaça envelhece em barril. O trio testou curar bacon e queijo em contato com maravalha (lascas) e também cozinhar geleia com tocos dentro. Mas a maneira mais interessante foi o contato da madeira com o líquido, como quando a maravalha foi colocada na garrafa de cerveja e depois coada.

Por defumação

Um dos usos tradicionais da madeira na gastronomia é por meio da defumação, em geral feita com maravalha de madeiras importadas, como macieira. Porém, a pesquisa com as nacionais amplia o leque de aromas e sabores, além de ser mais barato. Rafael usa defumador de duas câmaras para fazer bacon a partir da chama (com fumaça invisível, mais nobre).

Por inclusão

A forma menos convencional usada nos testes foi a inclusão do pó na receita, como no caso de salames que o Yaguara Ecológico fez em parceria com o projeto. Colocou na carne sal misturado com pó de ipê, jequitibá (agregou doçura que tende ao amendoado) e bálsamo (resultou em massa mais coesa). O pó também foi incluído direto na produção do queijo desta capa.

SERVIÇO

Curso Madeiras: Sabores do Brasil

Senac Aclimação. Rua Pires da Mota, 838, Aclimação Dia 29/10 (segunda-feira), das 9h às 19h R$ 768 até dia 10/9 (R$ 614,40 com o código leitorpaladar)Inscrições pelo Foodpass

Um queijo como o célebre português serra da estrela leva cerca de 90 dias para alcançar a textura ideal, com casca dura por fora e creme fundido por dentro. Na cidadezinha mineira de Passa Quatro, João Laura, na quinta geração de uma família de queijeiros, colocou pó de bálsamo no preparo de um queijo de leite cru e obteve em dez dias uma massa de aspecto já cremoso que o serra da estrela alcançaria só em um mês. Ainda no preparo, notou que o leite com pó de madeira coagulou em metade do tempo do processo comum.

O queijo é uma das muitas receitas às quais dois sommeliers e um cozinheiro se lançaram, com a ajuda de parceiros, para entender a madeira como ingrediente. Afinal, se a madeira dá gosto a cachaças, por que não pode dar a comidas? Calma, ninguém passou mal por comer madeira, já que os tipos usados são os mesmos certificados pela indústria alimentícia para o envelhecimento de cachaça, todas nacionais, como jequitibá, amburana, ipê e putumujú.

A ideia nasceu há mais de um ano com os sommeliers e especialistas em cachaça Isadora Bello Fornari e Mauricio Maia, colunista do Paladar. Depois que testaram diferentes madeiras nacionais em arroz e manteiga, sem sucesso, perceberam que precisavam de um cozinheiro na jogada. Foi assim que entrou no projeto, no fim do ano passado, o chef e produtor rural Rafael Cardoso, da Bocaina.

Queijo feito com inclusão de pó de bálsamo ainda durante o preparo da massa; na foto, o toco, a maravalha (lascas) e o pó do bálsamo Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Os testes – com pó de madeira, maravalha (lascas finas) ou tocos, tostados ou não – passaram a ser feitos em embutidos, geleias, bitter, vinagre, tíbico (tipo de destilado) e cervejas. Sempre com sobras da tanoaria das Dornas Havana (que faz barris para envelhecer bebida), ou seja, com madeiras limpas e de origem certificada – não vá sair catando toco na rua!

De base empírica, os testes já mostraram que cada tipo de madeira agrega aromas e sabores específicos à receita. No caso de queijos e embutidos, a cura foi acelerada por reações químicas ainda desconhecidas, mas que serão estudadas com a ajuda do professor Mateus Junqueira, da Universidade Federal de São João Del Rei, a partir de análises toxicológicas e cromatográficas. “O que há de bibliografia no mundo é sobre o carvalho. Mas não conhecemos as características particulares das nossas madeiras”, diz Isadora. No Brasil, há pelo menos 36 madeiras com uso reconhecido para envelhecimento de cachaça, incluindo ainda nomes como araribá, grápia, jatobá e itiúba.

O poder da cura

Para Rafael, esse trabalho abre uma porta para as madeiras serem vistas como especiarias, como o cravo e a canela. “As especiarias são adornos aromáticos na gastronomia, mas são usadas por suas propriedades (medicinais). A madeira é isso: adorno aromático com propriedades. Vemos isso na prática.” 

Em um dos testes, Rafael fez infusão com diferentes madeiras e depois usou a água na produção de linguiça fresca. Percebeu que algumas madeiras têm mais potencial aromático (como a amburana) e outras aceleraram a cura (como o bálsamo). “Também notei que tanto a linguiça como um bacon envolto em maravalha (lascas) tiveram uma vida mais prolongada.”

No caso dos queijos, feitos na Queijaria Santo Antônio, o bálsamo acelerou mais o processo que o jequitibá, por exemplo. João Laura também testou salgar o queijo com pó de madeira (por fora) e envolvê-lo em maravalha depois de pronto, mas obteve mais resultado incluindo o pó junto com o coalho ainda na massa.

O trio à frente do projeto: Mauricio Maia (colunista do 'Paladar'), Isadora Bello Fornari e Rafael Cardoso Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Na boca

Além de essas propriedades se mostrarem diferentes em cada madeira, aromas e sabores muito distintos também ampliam o leque para seu uso na gastronomia. Na defumação, as nacionais podem ser substitutas das importadas, mais caras, como macieira e castanheira. 

Rafael já usa pau-brasil (com aromas de chocolate e doce de figo) para defumar bacon, que vende para chefs como Gabriel Broide. Abriu ainda mais o horizonte ao descobrir acidentalmente o cheiro intenso de morango que o putumujú aporta quanto queimado.

Tostar a madeira antes de usá-la intensifica aromas e sabores. Como no caso dos bastonetes de amburana que eles tostaram antes de jogar no cozimento da geleia de pêssego.

Também tostaram putumujú para infusionar com cerveja e o resultado foi bastante perceptível. Mauricio Maia conta que usou a premium lager padrão da Dádiva para infusionar, por duas semanas na geladeira, maravalha de quatro madeiras: ipê amarelo, bálsamo, jequitibá e putumujú (apenas esta com e sem tosta).

Cerveja premium lager da Dádiva (à esq.) e a mesma bebida com infusão de ipê amarelo, putumujú, bálsamo e jequitibá Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A cerveja com jequitibá, madeira que é prima da castanheira, ganhou um toque amendoado; a de bálsamo mostrou anis e algo resinoso como pimenta-rosa; já a putumujú tem aromas de morango e, no caso do uso da madeira tostada, maior intensidade de frutas vermelhas.

Mas por que fazer infusão com madeira, e não envelhecer a cerveja no barril, como a própria Dádiva fez na série Odonata em parceria com Mauricio e Isadora? Eles explicam que, além de a infusão dar resultado mais rápido e intenso, ainda conta com a vantagem de a bebida não oxidar no barril, onde há troca de oxigênio.

Esses resultados foram apresentados em aula dada pelo trio em julho, no Senac Aclimação, que ganha segunda edição em outubro (leia mais abaixo).

Salames feitos em parceria com o Yaguara Ecológico, com inclusão de pó de ipê e de jequitibá Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Usos da madeira na cozinha

Por contato

O jeito mais comum de usar a madeira é pelo contato, como quando a cachaça envelhece em barril. O trio testou curar bacon e queijo em contato com maravalha (lascas) e também cozinhar geleia com tocos dentro. Mas a maneira mais interessante foi o contato da madeira com o líquido, como quando a maravalha foi colocada na garrafa de cerveja e depois coada.

Por defumação

Um dos usos tradicionais da madeira na gastronomia é por meio da defumação, em geral feita com maravalha de madeiras importadas, como macieira. Porém, a pesquisa com as nacionais amplia o leque de aromas e sabores, além de ser mais barato. Rafael usa defumador de duas câmaras para fazer bacon a partir da chama (com fumaça invisível, mais nobre).

Por inclusão

A forma menos convencional usada nos testes foi a inclusão do pó na receita, como no caso de salames que o Yaguara Ecológico fez em parceria com o projeto. Colocou na carne sal misturado com pó de ipê, jequitibá (agregou doçura que tende ao amendoado) e bálsamo (resultou em massa mais coesa). O pó também foi incluído direto na produção do queijo desta capa.

SERVIÇO

Curso Madeiras: Sabores do Brasil

Senac Aclimação. Rua Pires da Mota, 838, Aclimação Dia 29/10 (segunda-feira), das 9h às 19h R$ 768 até dia 10/9 (R$ 614,40 com o código leitorpaladar)Inscrições pelo Foodpass

Um queijo como o célebre português serra da estrela leva cerca de 90 dias para alcançar a textura ideal, com casca dura por fora e creme fundido por dentro. Na cidadezinha mineira de Passa Quatro, João Laura, na quinta geração de uma família de queijeiros, colocou pó de bálsamo no preparo de um queijo de leite cru e obteve em dez dias uma massa de aspecto já cremoso que o serra da estrela alcançaria só em um mês. Ainda no preparo, notou que o leite com pó de madeira coagulou em metade do tempo do processo comum.

O queijo é uma das muitas receitas às quais dois sommeliers e um cozinheiro se lançaram, com a ajuda de parceiros, para entender a madeira como ingrediente. Afinal, se a madeira dá gosto a cachaças, por que não pode dar a comidas? Calma, ninguém passou mal por comer madeira, já que os tipos usados são os mesmos certificados pela indústria alimentícia para o envelhecimento de cachaça, todas nacionais, como jequitibá, amburana, ipê e putumujú.

A ideia nasceu há mais de um ano com os sommeliers e especialistas em cachaça Isadora Bello Fornari e Mauricio Maia, colunista do Paladar. Depois que testaram diferentes madeiras nacionais em arroz e manteiga, sem sucesso, perceberam que precisavam de um cozinheiro na jogada. Foi assim que entrou no projeto, no fim do ano passado, o chef e produtor rural Rafael Cardoso, da Bocaina.

Queijo feito com inclusão de pó de bálsamo ainda durante o preparo da massa; na foto, o toco, a maravalha (lascas) e o pó do bálsamo Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Os testes – com pó de madeira, maravalha (lascas finas) ou tocos, tostados ou não – passaram a ser feitos em embutidos, geleias, bitter, vinagre, tíbico (tipo de destilado) e cervejas. Sempre com sobras da tanoaria das Dornas Havana (que faz barris para envelhecer bebida), ou seja, com madeiras limpas e de origem certificada – não vá sair catando toco na rua!

De base empírica, os testes já mostraram que cada tipo de madeira agrega aromas e sabores específicos à receita. No caso de queijos e embutidos, a cura foi acelerada por reações químicas ainda desconhecidas, mas que serão estudadas com a ajuda do professor Mateus Junqueira, da Universidade Federal de São João Del Rei, a partir de análises toxicológicas e cromatográficas. “O que há de bibliografia no mundo é sobre o carvalho. Mas não conhecemos as características particulares das nossas madeiras”, diz Isadora. No Brasil, há pelo menos 36 madeiras com uso reconhecido para envelhecimento de cachaça, incluindo ainda nomes como araribá, grápia, jatobá e itiúba.

O poder da cura

Para Rafael, esse trabalho abre uma porta para as madeiras serem vistas como especiarias, como o cravo e a canela. “As especiarias são adornos aromáticos na gastronomia, mas são usadas por suas propriedades (medicinais). A madeira é isso: adorno aromático com propriedades. Vemos isso na prática.” 

Em um dos testes, Rafael fez infusão com diferentes madeiras e depois usou a água na produção de linguiça fresca. Percebeu que algumas madeiras têm mais potencial aromático (como a amburana) e outras aceleraram a cura (como o bálsamo). “Também notei que tanto a linguiça como um bacon envolto em maravalha (lascas) tiveram uma vida mais prolongada.”

No caso dos queijos, feitos na Queijaria Santo Antônio, o bálsamo acelerou mais o processo que o jequitibá, por exemplo. João Laura também testou salgar o queijo com pó de madeira (por fora) e envolvê-lo em maravalha depois de pronto, mas obteve mais resultado incluindo o pó junto com o coalho ainda na massa.

O trio à frente do projeto: Mauricio Maia (colunista do 'Paladar'), Isadora Bello Fornari e Rafael Cardoso Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Na boca

Além de essas propriedades se mostrarem diferentes em cada madeira, aromas e sabores muito distintos também ampliam o leque para seu uso na gastronomia. Na defumação, as nacionais podem ser substitutas das importadas, mais caras, como macieira e castanheira. 

Rafael já usa pau-brasil (com aromas de chocolate e doce de figo) para defumar bacon, que vende para chefs como Gabriel Broide. Abriu ainda mais o horizonte ao descobrir acidentalmente o cheiro intenso de morango que o putumujú aporta quanto queimado.

Tostar a madeira antes de usá-la intensifica aromas e sabores. Como no caso dos bastonetes de amburana que eles tostaram antes de jogar no cozimento da geleia de pêssego.

Também tostaram putumujú para infusionar com cerveja e o resultado foi bastante perceptível. Mauricio Maia conta que usou a premium lager padrão da Dádiva para infusionar, por duas semanas na geladeira, maravalha de quatro madeiras: ipê amarelo, bálsamo, jequitibá e putumujú (apenas esta com e sem tosta).

Cerveja premium lager da Dádiva (à esq.) e a mesma bebida com infusão de ipê amarelo, putumujú, bálsamo e jequitibá Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A cerveja com jequitibá, madeira que é prima da castanheira, ganhou um toque amendoado; a de bálsamo mostrou anis e algo resinoso como pimenta-rosa; já a putumujú tem aromas de morango e, no caso do uso da madeira tostada, maior intensidade de frutas vermelhas.

Mas por que fazer infusão com madeira, e não envelhecer a cerveja no barril, como a própria Dádiva fez na série Odonata em parceria com Mauricio e Isadora? Eles explicam que, além de a infusão dar resultado mais rápido e intenso, ainda conta com a vantagem de a bebida não oxidar no barril, onde há troca de oxigênio.

Esses resultados foram apresentados em aula dada pelo trio em julho, no Senac Aclimação, que ganha segunda edição em outubro (leia mais abaixo).

Salames feitos em parceria com o Yaguara Ecológico, com inclusão de pó de ipê e de jequitibá Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Usos da madeira na cozinha

Por contato

O jeito mais comum de usar a madeira é pelo contato, como quando a cachaça envelhece em barril. O trio testou curar bacon e queijo em contato com maravalha (lascas) e também cozinhar geleia com tocos dentro. Mas a maneira mais interessante foi o contato da madeira com o líquido, como quando a maravalha foi colocada na garrafa de cerveja e depois coada.

Por defumação

Um dos usos tradicionais da madeira na gastronomia é por meio da defumação, em geral feita com maravalha de madeiras importadas, como macieira. Porém, a pesquisa com as nacionais amplia o leque de aromas e sabores, além de ser mais barato. Rafael usa defumador de duas câmaras para fazer bacon a partir da chama (com fumaça invisível, mais nobre).

Por inclusão

A forma menos convencional usada nos testes foi a inclusão do pó na receita, como no caso de salames que o Yaguara Ecológico fez em parceria com o projeto. Colocou na carne sal misturado com pó de ipê, jequitibá (agregou doçura que tende ao amendoado) e bálsamo (resultou em massa mais coesa). O pó também foi incluído direto na produção do queijo desta capa.

SERVIÇO

Curso Madeiras: Sabores do Brasil

Senac Aclimação. Rua Pires da Mota, 838, Aclimação Dia 29/10 (segunda-feira), das 9h às 19h R$ 768 até dia 10/9 (R$ 614,40 com o código leitorpaladar)Inscrições pelo Foodpass

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