Se uma das tendências mais fortes da gastronomia hoje é a comida sazonal, que combina a criatividade do chef ao produto mais fresco, não há ninguém no mundo que seja tão antenado e que coma tão bem quanto os filhos dos cozinheiros.
Na semana do Dia das Mães, Paladar procurou chefs que também são mães para descobrir se o jeito delas de cozinhar mudou depois que a maternidade lhes bateu à porta. A resposta foi unânime: a atenção ao produto ficou muito maior. Faz sentido, afinal toda mãe quer que o filho coma bem e com diversidade. No caso delas, ver a cria restrita a um único tipo de comida é o maior dos pesadelos. Contra isso, elas usam todo o seu poder culinário para abrir a mente (e o paladar) da cria.
Quando começou a cozinhar para o filho, há quatro meses, Bella Masano, do Amadeus, percebeu que todas as suas convicções como cozinheira se fortaleceram. Bella, que já era adepta do “menos é mais” na cozinha antes de Thomas, transformou a busca por uma cozinha saudável, afetiva e balanceada em missão. Agora, é uma verdadeira “fiscal do produto”.
A preocupação da chef confeiteira Carole Crema em oferecer de tudo às filhas, Beatriz e Luisa, hoje com 12 e 10 anos, quando eram pequenas era tão grande que ela servia para as duas até as comidas de que não gostava. Seu temor era de que a história se repetisse como tragédia ou farsa: foi uma criança chata para comer. “Depois de adulta, me regenerei”, conta. Hoje, acha que ser aberta a tudo, além de ser um bom hábito, dá muita liberdade. Está sempre procurando novos ingredientes – uma ervilhinha pequenininha, por exemplo, faz um sucesso danado… E em sua cozinha as restrições são raras – tem o dia da batata frita, por exemplo. Os únicos vilões são o exagero e o refrigerante, unanimidade negativa entre as cozinheiras.
Helena Rizzo, do Maní, quer que a filha Manoela, de um ano e meio, prove de tudo. Ou quase: balas não entram e, em vez de bolachas, tenta oferecer bolo. “Não sou radical, não dá para isolar a criança, mas prefiro que ela coma comida de verdade.” Daniela França Pinto, do Cortés, faz coro: “Um erro comum é acreditar no paladar infantil”, diz a chef, que nunca furtou-se a apresentar sabores exóticos a Luca e Luzia, hoje com 19 e 11 anos. Com eles, seus sous chefs, Daniela pratica da cozinha mexicana à japonesa.
Cozinheiras e mães
Logo cedo, as chefs veem que essa estratégia da divulgação da boa cozinha para as novas gerações é eficaz, capaz de aguçar a sensibilidade e a curiosidade dos filhos muito antes do que se pode imaginar. O filho mais velho da chef Bel Coelho, Francisco, de três anos, quer saber a história de tudo o que vai no prato, desde a botânica, uma de suas grandes paixões, até como os ingredientes são produzidos. “Outro dia ele queria saber como é feito o azeite”, conta Bel, que afirma que seu jeito de olhar a natureza mudou por causa da paixão do filho: no bairro onde vive, consegue localizar uma amoreira, uma jabuticabeira… “Ele exige isso da gente”, conta a chef do Clandestino e do Canto da Bel.
Menos por exigência de filho e mais por amor de mãe, Bel aumentou a horta de casa. E Francisco, naturalmente, é o fiel escudeiro nos cuidados das plantas, assim como na cozinha. “Muitas vezes, demoro mais para fazer o jantar de casa porque ele quer participar de tudo.”
Bel Coelho e Marisabel Woodman, chef-proprietária do La Peruana, compartilham uma sensação: as duas, sem saber explicar os motivos, se veem mais inspiradas na cozinha depois que seus rebentos chegaram às suas vidas. “Talvez porque estou mais feliz, me sinto mais criativa. Estou desenhando cardápio novo, tenho mais ideias”, diz Marisabel. Parece natural: se o produto está no centro de tudo, cabe à criatividade da cozinheira amplificar todas as suas potencialidades. E, claro, tem aquela célebre especiaria, o chamado “tempero de mãe”.
Marisabel Woodman e Ilana
Marisabel Woodman, do La Peruana, já está animada com as primeiras refeições da pequena Ilana, de quatro meses. Tem estudado um livro inglês de papinhas que inclui até uma receita com wasabi. Mas decidiu que vai fazer tudo à la peruana: a primeira fruta vai ser a “granarilla”, semelhante ao maracujá. “E quando ela desmamar vai tomar leites orgânicos de quinoa, de amêndoas e de coco”, diz a chef.
Bel Coelho e Francisco
Quando Francisco, hoje com três anos, começou a comer, a chef Bel Coelho logo misturou sabores: amargo, doce e salgado, tudo no mesmo prato. Uma papinha levava batata-doce, agrião e frango desfiado; outra tinha quinoa, peixe e cenoura. A fórmula deu certo e vai ser repetida em breve para José, de quatro meses. Veja no site a receita de rigatoni com pinhão e cogumelos (foto), o prato favorito de Francisco.
+ RECEITA: Rigatoni ao molho de pinhão, alho-poró e cogumelos
Helena Rizzo e Manoela
Helena Rizzo, chef e sócia do Maní, diz que tenta unir afetividade a sabor ao cozinhar para a filha Manoela, de um ano e meio. “Sei que a cozinha é um vínculo que vamos ter sempre”, diz ela, que preparou uma sopa de legumes.
+ RECEITA: Sopa de legumes da Manô
Bella Masano e Thomas
Há quatro meses, Thomas, filho da chef Bella Masano, experimentou o primeiro alimento sólido de sua vida. Comilão de primeira, ama um peixinho no vapor com ervas (foto e receita no site do Paladar). “Ele prefere os salgados. Quando ofereci fruta depois do primeiro almoço, me olhou com a maior cara de decepção”, diz Bella.+ RECEITA: Peixe com legumes e abacate do Thomas
Daniela França Pinto, Luca e Luiza
O livro favorito da família da chef do Cortés, Daniela França Pinto, sempre foi o cardápio. Nada mais natural que seu momento primordial de integração com os filhos ocorra à mesa – e na cozinha. Geralmente ela repete em casa a função do restaurante e comanda os trabalhos. Mas em alguns dias Luca é quem prepara a massa com molho de tomate ou Luzia faz seus cookies.Dicas de Daniela para sair do comum nos churrasco:- Pimentão, palmito pupunha, batata-doce, cebola e milho ficam deliciosos na churrasqueira. (Se você tiver pouco tempo, pode cozinhar o milho antes.) Os quatro primeiros podem ser colocados direto na grelha ou enrolados no papel alumínio e jogados diretamente na brasa. Quando os legumes estiverem prontos, regue-os com azeite e tempere com sal.
- Para fazer um vinagrete mais palatável para crianças menores, use suco de mexerica no lugar do limão ou do vinagre. Prefira a cebola roxa e deixe de molho na água para amenizar seu sabor forte.
- Para acompanhar os legumes, um creme azedo caseiro faz sucesso. Bata 200 ml de creme de leite fresco com sal como se fosse um chantilly. Tempere com o suco de um limão e um fio de azeite.
- Uma infusão de capim-cidreira com rodelas de limão pode ser um bom (e leve) parceiro para o churrasco em família. Faça a montagem em uma jarra e deixe o gelo à parte para não diluir.
Carole Crema, Beatriz e Luiza
Para a chef confeiteira Carole Crema, ficar na cozinha e à mesa com as filhas Beatriz e Luiza é sagrado. “Nosso tempo na cozinha é valiosíssimo, é nossa hora de integração, quando desligamos celular, televisão e ficamos em família, conversando e cozinhando”, conta. O pavê de amendoim é o favorito das três.
+ RECEITA: Pavê de amendoim