Missô sem soja? Leguminosa é jogada para escanteio e dá lugar a outros ingredientes


Grão-de-bico, lentilha, castanhas e até caroço de jaca roubam o protagonismo da soja na produção dessa pasta fermentada

Por Danielle Nagase

Nem só com soja se faz um bom missô. Assim como ocorre no Japão, em que as receitas se adaptaram à agricultura de cada província – trocando, por vezes, a soja por itens que estavam à mão –, por aqui, diferentes tipos de missô, feitos com grão-de-bico, pinhão, castanha portuguesa, feijão, entre outros ingredientes, andam fermentando na despensa de restaurantes e no estoque de mercadinhos especializados. Os motivos, como dá para imaginar, passam longe da escassez da soja. Quem se aventura em transformar essa pasta fermentada milenar alega estar em busca de novos sabores, além de valorizar e aproveitar integralmente outros ingredientes (até semente de jaca, olha só, tem virado missô).

Diferentes leguminosas, além da soja, castanhas e até caroço de jaca podem virar missô. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Depois de separar dez quilos de polpa de jacas – vindas diretamente do Sítio Rueda, em São José do Rio Pardo – para fazer um borbulhante (tipo de espumante) exclusivo para A Casa do Porco, Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade, da Cia. dos Fermentados, ficaram inconformados com o sem-fim de sementes que seriam desperdiçadas. Das ideias que surgiram para aproveitar o ingrediente, a que vingou foi a produção de um missô, também em parceria com o restaurante. As sementes foram cozidas na pressão, trituradas em um moedor de carne e, em seguida, misturadas com sal e koji. A pasta, que conserva pequenos grânulos, está em fermentação há um ano e deve ser entregue nos próximos dias.

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A dupla, que adora brincar com o não convencional, aprendeu a reproduzir a receita tradicional, com soja, para depois inventar moda com outros ingredientes. “Dá para fazer missô de muitas coisas, mas é preciso seguir uma lógica. Analisar a composição da matéria-prima, a quantidade de proteína, carboidrato, comparar com a soja e só daí fazer a conversão”, explicam. Nos armários da Cia., há missôs de grão-de-bico e canjica, de biomassa de banana verde e feijão-andu, de castanha de sapucaia, de amêndoa de cacau. O missô de pupunha, feito com o fruto da palmeira, destacou-se pelas notas florais e foi colocado à venda. “Trabalhar com koji é muito inspirador”, afirmam. O tema, inclusive, mereceu um capítulo do livro Fermentação em Estado Sólido, o terceiro da Cia. dos Fermentados, que deve ser lançado em 2024.

Mini milho com manteiga de missô de castanha portuguesa, do Tujuína. Foto: Julia Rodrigues/Estúdio Mataruna

Nos tempos de Tuju – que deve retomar as atividades em breve –, o chef Ivan Ralston investia na produção de versões inusitadas de missô, como o de grão-de-bico verde, que experimentou numa viagem ao Japão. Castanha de pequi assada e até pétalas de rosa deram origem à pasta fermentada com koji no laboratório do restaurante. “Quase tudo fica bom como missô, mas não tudo”, pondera o chef, que, no Tujuína, dá preferência a receitas mais certeiras, sem tanta margem para erro.

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Em vez de produzir, ele mesmo, o missô de castanha portuguesa, que é base para a manteiga que incrementa o milho jovem na brasa (R$ 28), o chef encomenda remessas de Marisa de Ono, que foi, inclusive, quem o ensinou a fazer missô. “Eu adoro esse missô, ele é perfeito, não tinha nem por que eu tentar fazer igual”, revela.

Missô de castanha portuguesaà venda no Ichiba, anexo ao Aizomê. Foto: Rafael Salvador

E é mesmo difícil reproduzir um missô tal e qual o outro. A começar pelas quase infinitas cepas do Aspergillus oryzaefungo culinário usado para inocular os cereais no preparo do koji –, que agem de maneiras diferentes na fermentação, influenciando as características sensoriais do missô. Fora isso, há ainda as proporções dos ingredientes, o teor de sal, o tempo de fermentação e as condições (temperatura, umidade) do ambiente.

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Pois esse missô de castanhas portuguesas, que tem doçura residual e aroma de azeitonas, pode ser arrematado em potinhos de 250 gramas (R$ 20) no Ichiba, lojinha do restaurante Aizomê. Além dele, há também o de grão-de-bico, que tem notas amanteigadas e é ótimo para marinadas, e as versões de soja, uma mais clara e doce e outra mais encorpada.

Molho do guioza de joelho de porco, do De Segunda, leva missô de feijão preto. Foto: Rubens Kato

No De Segunda, no Itaim Bibi, Júlia Tricate e Gabriel Coelho estão às voltas com algumas levas de missô de grão-de-bico com banana e de feijão-preto: “A gente brinca que é missô de arroz com feijão, por conta do koji”, conta a chef. Com sabor mais intenso, a versão da pasta fermentada feita com feijão, que já tem três anos, vai parar nos molhos do guioza de joelho de porco e, de maneira mais discreta, do leitão com abóbora e vinagrete de feijão.

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A simpatia da dupla pelos missôs aumentou depois da passagem de ambos pelo dinamarquês Noma. “Lá a gente entendeu que é preciso ter a tese na cabeça, entender muito bem os processos, a técnica. Depois de dominar o preparo tradicional, só então podemos fazer uso da licença poética para fazer do nosso jeito”, defende Júlia.

Missô de família

Depois de resgatar um potinho do missô de soja produzido pela sua bisavó, falecida há 14 anos, Paulo Yamaçake decidiu utilizar essa joia (que foi multiplicada) para impulsionar o processo de fermentação dos seus missôs. No Origem Temperos (origemtemperos.com.br), ele faz três versões da pasta fermentada com grão-de-bico: a tradicional (R$ 39; 370g); a dourada, com curcuma e gengibre; e a Yanomami, com cogumelos. Já o Tekka missô tem base de raízes de lótus e de bardana. E todos levam o toque especial da matriarca da família.

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Além das opções à venda no site, Paulo produz lotes exclusivos para o clube de assinatura de temperos milenares – quem assina recebe, todo mês, um molho ou missô ou tempero de mesa produzidos de acordo com a estação de ano. Missôs de castanha-de-caju crua, cacau (o fruto) e amora com romã são exemplos do que pode chegar à casa do cliente. 

Como é feito o missô?

No livro A Arte da Fermentação, Sandor Katz define o missô como uma “pasta japonesa fermentada de leguminosas”. O purê dessa leguminosa – que, olhe só, não precisa ser apenas soja – é misturado com koji (cereal inoculado com o bolor Aspergillus oryzae), sal e, por vezes, um missô maduro, a “semente de missô”, para impulsionar o processo de fermentação.

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Leva, no mínimo, seis meses para ficar pronto, mas dá para encurtar a espera elevando a temperatura a 60ºC, como sugere David Zilber no The Noma Guide to Fermentation. Mas há controvérsias. “Esse crime não compensa”, afirma Fernando Goldenstein, da Cia. dos Fermentados. “As enzimas envolvidas na fermentação do missô entram em atividade ótima entre 45°C e 50ºC. Acelerar o processo resulta em um missô menos complexo.” Já Marisa Ono fermenta seus missôs em temperatura ambiente.

Depois de pronta, a pasta pode ser conservada em geladeira por... “Missô não estraga nunca. E quanto mais velho, melhor”, defendem os especialistas.

Nem só com soja se faz um bom missô. Assim como ocorre no Japão, em que as receitas se adaptaram à agricultura de cada província – trocando, por vezes, a soja por itens que estavam à mão –, por aqui, diferentes tipos de missô, feitos com grão-de-bico, pinhão, castanha portuguesa, feijão, entre outros ingredientes, andam fermentando na despensa de restaurantes e no estoque de mercadinhos especializados. Os motivos, como dá para imaginar, passam longe da escassez da soja. Quem se aventura em transformar essa pasta fermentada milenar alega estar em busca de novos sabores, além de valorizar e aproveitar integralmente outros ingredientes (até semente de jaca, olha só, tem virado missô).

Diferentes leguminosas, além da soja, castanhas e até caroço de jaca podem virar missô. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Depois de separar dez quilos de polpa de jacas – vindas diretamente do Sítio Rueda, em São José do Rio Pardo – para fazer um borbulhante (tipo de espumante) exclusivo para A Casa do Porco, Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade, da Cia. dos Fermentados, ficaram inconformados com o sem-fim de sementes que seriam desperdiçadas. Das ideias que surgiram para aproveitar o ingrediente, a que vingou foi a produção de um missô, também em parceria com o restaurante. As sementes foram cozidas na pressão, trituradas em um moedor de carne e, em seguida, misturadas com sal e koji. A pasta, que conserva pequenos grânulos, está em fermentação há um ano e deve ser entregue nos próximos dias.

A dupla, que adora brincar com o não convencional, aprendeu a reproduzir a receita tradicional, com soja, para depois inventar moda com outros ingredientes. “Dá para fazer missô de muitas coisas, mas é preciso seguir uma lógica. Analisar a composição da matéria-prima, a quantidade de proteína, carboidrato, comparar com a soja e só daí fazer a conversão”, explicam. Nos armários da Cia., há missôs de grão-de-bico e canjica, de biomassa de banana verde e feijão-andu, de castanha de sapucaia, de amêndoa de cacau. O missô de pupunha, feito com o fruto da palmeira, destacou-se pelas notas florais e foi colocado à venda. “Trabalhar com koji é muito inspirador”, afirmam. O tema, inclusive, mereceu um capítulo do livro Fermentação em Estado Sólido, o terceiro da Cia. dos Fermentados, que deve ser lançado em 2024.

Mini milho com manteiga de missô de castanha portuguesa, do Tujuína. Foto: Julia Rodrigues/Estúdio Mataruna

Nos tempos de Tuju – que deve retomar as atividades em breve –, o chef Ivan Ralston investia na produção de versões inusitadas de missô, como o de grão-de-bico verde, que experimentou numa viagem ao Japão. Castanha de pequi assada e até pétalas de rosa deram origem à pasta fermentada com koji no laboratório do restaurante. “Quase tudo fica bom como missô, mas não tudo”, pondera o chef, que, no Tujuína, dá preferência a receitas mais certeiras, sem tanta margem para erro.

Em vez de produzir, ele mesmo, o missô de castanha portuguesa, que é base para a manteiga que incrementa o milho jovem na brasa (R$ 28), o chef encomenda remessas de Marisa de Ono, que foi, inclusive, quem o ensinou a fazer missô. “Eu adoro esse missô, ele é perfeito, não tinha nem por que eu tentar fazer igual”, revela.

Missô de castanha portuguesaà venda no Ichiba, anexo ao Aizomê. Foto: Rafael Salvador

E é mesmo difícil reproduzir um missô tal e qual o outro. A começar pelas quase infinitas cepas do Aspergillus oryzaefungo culinário usado para inocular os cereais no preparo do koji –, que agem de maneiras diferentes na fermentação, influenciando as características sensoriais do missô. Fora isso, há ainda as proporções dos ingredientes, o teor de sal, o tempo de fermentação e as condições (temperatura, umidade) do ambiente.

Pois esse missô de castanhas portuguesas, que tem doçura residual e aroma de azeitonas, pode ser arrematado em potinhos de 250 gramas (R$ 20) no Ichiba, lojinha do restaurante Aizomê. Além dele, há também o de grão-de-bico, que tem notas amanteigadas e é ótimo para marinadas, e as versões de soja, uma mais clara e doce e outra mais encorpada.

Molho do guioza de joelho de porco, do De Segunda, leva missô de feijão preto. Foto: Rubens Kato

No De Segunda, no Itaim Bibi, Júlia Tricate e Gabriel Coelho estão às voltas com algumas levas de missô de grão-de-bico com banana e de feijão-preto: “A gente brinca que é missô de arroz com feijão, por conta do koji”, conta a chef. Com sabor mais intenso, a versão da pasta fermentada feita com feijão, que já tem três anos, vai parar nos molhos do guioza de joelho de porco e, de maneira mais discreta, do leitão com abóbora e vinagrete de feijão.

A simpatia da dupla pelos missôs aumentou depois da passagem de ambos pelo dinamarquês Noma. “Lá a gente entendeu que é preciso ter a tese na cabeça, entender muito bem os processos, a técnica. Depois de dominar o preparo tradicional, só então podemos fazer uso da licença poética para fazer do nosso jeito”, defende Júlia.

Missô de família

Depois de resgatar um potinho do missô de soja produzido pela sua bisavó, falecida há 14 anos, Paulo Yamaçake decidiu utilizar essa joia (que foi multiplicada) para impulsionar o processo de fermentação dos seus missôs. No Origem Temperos (origemtemperos.com.br), ele faz três versões da pasta fermentada com grão-de-bico: a tradicional (R$ 39; 370g); a dourada, com curcuma e gengibre; e a Yanomami, com cogumelos. Já o Tekka missô tem base de raízes de lótus e de bardana. E todos levam o toque especial da matriarca da família.

Além das opções à venda no site, Paulo produz lotes exclusivos para o clube de assinatura de temperos milenares – quem assina recebe, todo mês, um molho ou missô ou tempero de mesa produzidos de acordo com a estação de ano. Missôs de castanha-de-caju crua, cacau (o fruto) e amora com romã são exemplos do que pode chegar à casa do cliente. 

Como é feito o missô?

No livro A Arte da Fermentação, Sandor Katz define o missô como uma “pasta japonesa fermentada de leguminosas”. O purê dessa leguminosa – que, olhe só, não precisa ser apenas soja – é misturado com koji (cereal inoculado com o bolor Aspergillus oryzae), sal e, por vezes, um missô maduro, a “semente de missô”, para impulsionar o processo de fermentação.

Leva, no mínimo, seis meses para ficar pronto, mas dá para encurtar a espera elevando a temperatura a 60ºC, como sugere David Zilber no The Noma Guide to Fermentation. Mas há controvérsias. “Esse crime não compensa”, afirma Fernando Goldenstein, da Cia. dos Fermentados. “As enzimas envolvidas na fermentação do missô entram em atividade ótima entre 45°C e 50ºC. Acelerar o processo resulta em um missô menos complexo.” Já Marisa Ono fermenta seus missôs em temperatura ambiente.

Depois de pronta, a pasta pode ser conservada em geladeira por... “Missô não estraga nunca. E quanto mais velho, melhor”, defendem os especialistas.

Nem só com soja se faz um bom missô. Assim como ocorre no Japão, em que as receitas se adaptaram à agricultura de cada província – trocando, por vezes, a soja por itens que estavam à mão –, por aqui, diferentes tipos de missô, feitos com grão-de-bico, pinhão, castanha portuguesa, feijão, entre outros ingredientes, andam fermentando na despensa de restaurantes e no estoque de mercadinhos especializados. Os motivos, como dá para imaginar, passam longe da escassez da soja. Quem se aventura em transformar essa pasta fermentada milenar alega estar em busca de novos sabores, além de valorizar e aproveitar integralmente outros ingredientes (até semente de jaca, olha só, tem virado missô).

Diferentes leguminosas, além da soja, castanhas e até caroço de jaca podem virar missô. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Depois de separar dez quilos de polpa de jacas – vindas diretamente do Sítio Rueda, em São José do Rio Pardo – para fazer um borbulhante (tipo de espumante) exclusivo para A Casa do Porco, Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade, da Cia. dos Fermentados, ficaram inconformados com o sem-fim de sementes que seriam desperdiçadas. Das ideias que surgiram para aproveitar o ingrediente, a que vingou foi a produção de um missô, também em parceria com o restaurante. As sementes foram cozidas na pressão, trituradas em um moedor de carne e, em seguida, misturadas com sal e koji. A pasta, que conserva pequenos grânulos, está em fermentação há um ano e deve ser entregue nos próximos dias.

A dupla, que adora brincar com o não convencional, aprendeu a reproduzir a receita tradicional, com soja, para depois inventar moda com outros ingredientes. “Dá para fazer missô de muitas coisas, mas é preciso seguir uma lógica. Analisar a composição da matéria-prima, a quantidade de proteína, carboidrato, comparar com a soja e só daí fazer a conversão”, explicam. Nos armários da Cia., há missôs de grão-de-bico e canjica, de biomassa de banana verde e feijão-andu, de castanha de sapucaia, de amêndoa de cacau. O missô de pupunha, feito com o fruto da palmeira, destacou-se pelas notas florais e foi colocado à venda. “Trabalhar com koji é muito inspirador”, afirmam. O tema, inclusive, mereceu um capítulo do livro Fermentação em Estado Sólido, o terceiro da Cia. dos Fermentados, que deve ser lançado em 2024.

Mini milho com manteiga de missô de castanha portuguesa, do Tujuína. Foto: Julia Rodrigues/Estúdio Mataruna

Nos tempos de Tuju – que deve retomar as atividades em breve –, o chef Ivan Ralston investia na produção de versões inusitadas de missô, como o de grão-de-bico verde, que experimentou numa viagem ao Japão. Castanha de pequi assada e até pétalas de rosa deram origem à pasta fermentada com koji no laboratório do restaurante. “Quase tudo fica bom como missô, mas não tudo”, pondera o chef, que, no Tujuína, dá preferência a receitas mais certeiras, sem tanta margem para erro.

Em vez de produzir, ele mesmo, o missô de castanha portuguesa, que é base para a manteiga que incrementa o milho jovem na brasa (R$ 28), o chef encomenda remessas de Marisa de Ono, que foi, inclusive, quem o ensinou a fazer missô. “Eu adoro esse missô, ele é perfeito, não tinha nem por que eu tentar fazer igual”, revela.

Missô de castanha portuguesaà venda no Ichiba, anexo ao Aizomê. Foto: Rafael Salvador

E é mesmo difícil reproduzir um missô tal e qual o outro. A começar pelas quase infinitas cepas do Aspergillus oryzaefungo culinário usado para inocular os cereais no preparo do koji –, que agem de maneiras diferentes na fermentação, influenciando as características sensoriais do missô. Fora isso, há ainda as proporções dos ingredientes, o teor de sal, o tempo de fermentação e as condições (temperatura, umidade) do ambiente.

Pois esse missô de castanhas portuguesas, que tem doçura residual e aroma de azeitonas, pode ser arrematado em potinhos de 250 gramas (R$ 20) no Ichiba, lojinha do restaurante Aizomê. Além dele, há também o de grão-de-bico, que tem notas amanteigadas e é ótimo para marinadas, e as versões de soja, uma mais clara e doce e outra mais encorpada.

Molho do guioza de joelho de porco, do De Segunda, leva missô de feijão preto. Foto: Rubens Kato

No De Segunda, no Itaim Bibi, Júlia Tricate e Gabriel Coelho estão às voltas com algumas levas de missô de grão-de-bico com banana e de feijão-preto: “A gente brinca que é missô de arroz com feijão, por conta do koji”, conta a chef. Com sabor mais intenso, a versão da pasta fermentada feita com feijão, que já tem três anos, vai parar nos molhos do guioza de joelho de porco e, de maneira mais discreta, do leitão com abóbora e vinagrete de feijão.

A simpatia da dupla pelos missôs aumentou depois da passagem de ambos pelo dinamarquês Noma. “Lá a gente entendeu que é preciso ter a tese na cabeça, entender muito bem os processos, a técnica. Depois de dominar o preparo tradicional, só então podemos fazer uso da licença poética para fazer do nosso jeito”, defende Júlia.

Missô de família

Depois de resgatar um potinho do missô de soja produzido pela sua bisavó, falecida há 14 anos, Paulo Yamaçake decidiu utilizar essa joia (que foi multiplicada) para impulsionar o processo de fermentação dos seus missôs. No Origem Temperos (origemtemperos.com.br), ele faz três versões da pasta fermentada com grão-de-bico: a tradicional (R$ 39; 370g); a dourada, com curcuma e gengibre; e a Yanomami, com cogumelos. Já o Tekka missô tem base de raízes de lótus e de bardana. E todos levam o toque especial da matriarca da família.

Além das opções à venda no site, Paulo produz lotes exclusivos para o clube de assinatura de temperos milenares – quem assina recebe, todo mês, um molho ou missô ou tempero de mesa produzidos de acordo com a estação de ano. Missôs de castanha-de-caju crua, cacau (o fruto) e amora com romã são exemplos do que pode chegar à casa do cliente. 

Como é feito o missô?

No livro A Arte da Fermentação, Sandor Katz define o missô como uma “pasta japonesa fermentada de leguminosas”. O purê dessa leguminosa – que, olhe só, não precisa ser apenas soja – é misturado com koji (cereal inoculado com o bolor Aspergillus oryzae), sal e, por vezes, um missô maduro, a “semente de missô”, para impulsionar o processo de fermentação.

Leva, no mínimo, seis meses para ficar pronto, mas dá para encurtar a espera elevando a temperatura a 60ºC, como sugere David Zilber no The Noma Guide to Fermentation. Mas há controvérsias. “Esse crime não compensa”, afirma Fernando Goldenstein, da Cia. dos Fermentados. “As enzimas envolvidas na fermentação do missô entram em atividade ótima entre 45°C e 50ºC. Acelerar o processo resulta em um missô menos complexo.” Já Marisa Ono fermenta seus missôs em temperatura ambiente.

Depois de pronta, a pasta pode ser conservada em geladeira por... “Missô não estraga nunca. E quanto mais velho, melhor”, defendem os especialistas.

Nem só com soja se faz um bom missô. Assim como ocorre no Japão, em que as receitas se adaptaram à agricultura de cada província – trocando, por vezes, a soja por itens que estavam à mão –, por aqui, diferentes tipos de missô, feitos com grão-de-bico, pinhão, castanha portuguesa, feijão, entre outros ingredientes, andam fermentando na despensa de restaurantes e no estoque de mercadinhos especializados. Os motivos, como dá para imaginar, passam longe da escassez da soja. Quem se aventura em transformar essa pasta fermentada milenar alega estar em busca de novos sabores, além de valorizar e aproveitar integralmente outros ingredientes (até semente de jaca, olha só, tem virado missô).

Diferentes leguminosas, além da soja, castanhas e até caroço de jaca podem virar missô. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Depois de separar dez quilos de polpa de jacas – vindas diretamente do Sítio Rueda, em São José do Rio Pardo – para fazer um borbulhante (tipo de espumante) exclusivo para A Casa do Porco, Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade, da Cia. dos Fermentados, ficaram inconformados com o sem-fim de sementes que seriam desperdiçadas. Das ideias que surgiram para aproveitar o ingrediente, a que vingou foi a produção de um missô, também em parceria com o restaurante. As sementes foram cozidas na pressão, trituradas em um moedor de carne e, em seguida, misturadas com sal e koji. A pasta, que conserva pequenos grânulos, está em fermentação há um ano e deve ser entregue nos próximos dias.

A dupla, que adora brincar com o não convencional, aprendeu a reproduzir a receita tradicional, com soja, para depois inventar moda com outros ingredientes. “Dá para fazer missô de muitas coisas, mas é preciso seguir uma lógica. Analisar a composição da matéria-prima, a quantidade de proteína, carboidrato, comparar com a soja e só daí fazer a conversão”, explicam. Nos armários da Cia., há missôs de grão-de-bico e canjica, de biomassa de banana verde e feijão-andu, de castanha de sapucaia, de amêndoa de cacau. O missô de pupunha, feito com o fruto da palmeira, destacou-se pelas notas florais e foi colocado à venda. “Trabalhar com koji é muito inspirador”, afirmam. O tema, inclusive, mereceu um capítulo do livro Fermentação em Estado Sólido, o terceiro da Cia. dos Fermentados, que deve ser lançado em 2024.

Mini milho com manteiga de missô de castanha portuguesa, do Tujuína. Foto: Julia Rodrigues/Estúdio Mataruna

Nos tempos de Tuju – que deve retomar as atividades em breve –, o chef Ivan Ralston investia na produção de versões inusitadas de missô, como o de grão-de-bico verde, que experimentou numa viagem ao Japão. Castanha de pequi assada e até pétalas de rosa deram origem à pasta fermentada com koji no laboratório do restaurante. “Quase tudo fica bom como missô, mas não tudo”, pondera o chef, que, no Tujuína, dá preferência a receitas mais certeiras, sem tanta margem para erro.

Em vez de produzir, ele mesmo, o missô de castanha portuguesa, que é base para a manteiga que incrementa o milho jovem na brasa (R$ 28), o chef encomenda remessas de Marisa de Ono, que foi, inclusive, quem o ensinou a fazer missô. “Eu adoro esse missô, ele é perfeito, não tinha nem por que eu tentar fazer igual”, revela.

Missô de castanha portuguesaà venda no Ichiba, anexo ao Aizomê. Foto: Rafael Salvador

E é mesmo difícil reproduzir um missô tal e qual o outro. A começar pelas quase infinitas cepas do Aspergillus oryzaefungo culinário usado para inocular os cereais no preparo do koji –, que agem de maneiras diferentes na fermentação, influenciando as características sensoriais do missô. Fora isso, há ainda as proporções dos ingredientes, o teor de sal, o tempo de fermentação e as condições (temperatura, umidade) do ambiente.

Pois esse missô de castanhas portuguesas, que tem doçura residual e aroma de azeitonas, pode ser arrematado em potinhos de 250 gramas (R$ 20) no Ichiba, lojinha do restaurante Aizomê. Além dele, há também o de grão-de-bico, que tem notas amanteigadas e é ótimo para marinadas, e as versões de soja, uma mais clara e doce e outra mais encorpada.

Molho do guioza de joelho de porco, do De Segunda, leva missô de feijão preto. Foto: Rubens Kato

No De Segunda, no Itaim Bibi, Júlia Tricate e Gabriel Coelho estão às voltas com algumas levas de missô de grão-de-bico com banana e de feijão-preto: “A gente brinca que é missô de arroz com feijão, por conta do koji”, conta a chef. Com sabor mais intenso, a versão da pasta fermentada feita com feijão, que já tem três anos, vai parar nos molhos do guioza de joelho de porco e, de maneira mais discreta, do leitão com abóbora e vinagrete de feijão.

A simpatia da dupla pelos missôs aumentou depois da passagem de ambos pelo dinamarquês Noma. “Lá a gente entendeu que é preciso ter a tese na cabeça, entender muito bem os processos, a técnica. Depois de dominar o preparo tradicional, só então podemos fazer uso da licença poética para fazer do nosso jeito”, defende Júlia.

Missô de família

Depois de resgatar um potinho do missô de soja produzido pela sua bisavó, falecida há 14 anos, Paulo Yamaçake decidiu utilizar essa joia (que foi multiplicada) para impulsionar o processo de fermentação dos seus missôs. No Origem Temperos (origemtemperos.com.br), ele faz três versões da pasta fermentada com grão-de-bico: a tradicional (R$ 39; 370g); a dourada, com curcuma e gengibre; e a Yanomami, com cogumelos. Já o Tekka missô tem base de raízes de lótus e de bardana. E todos levam o toque especial da matriarca da família.

Além das opções à venda no site, Paulo produz lotes exclusivos para o clube de assinatura de temperos milenares – quem assina recebe, todo mês, um molho ou missô ou tempero de mesa produzidos de acordo com a estação de ano. Missôs de castanha-de-caju crua, cacau (o fruto) e amora com romã são exemplos do que pode chegar à casa do cliente. 

Como é feito o missô?

No livro A Arte da Fermentação, Sandor Katz define o missô como uma “pasta japonesa fermentada de leguminosas”. O purê dessa leguminosa – que, olhe só, não precisa ser apenas soja – é misturado com koji (cereal inoculado com o bolor Aspergillus oryzae), sal e, por vezes, um missô maduro, a “semente de missô”, para impulsionar o processo de fermentação.

Leva, no mínimo, seis meses para ficar pronto, mas dá para encurtar a espera elevando a temperatura a 60ºC, como sugere David Zilber no The Noma Guide to Fermentation. Mas há controvérsias. “Esse crime não compensa”, afirma Fernando Goldenstein, da Cia. dos Fermentados. “As enzimas envolvidas na fermentação do missô entram em atividade ótima entre 45°C e 50ºC. Acelerar o processo resulta em um missô menos complexo.” Já Marisa Ono fermenta seus missôs em temperatura ambiente.

Depois de pronta, a pasta pode ser conservada em geladeira por... “Missô não estraga nunca. E quanto mais velho, melhor”, defendem os especialistas.

Nem só com soja se faz um bom missô. Assim como ocorre no Japão, em que as receitas se adaptaram à agricultura de cada província – trocando, por vezes, a soja por itens que estavam à mão –, por aqui, diferentes tipos de missô, feitos com grão-de-bico, pinhão, castanha portuguesa, feijão, entre outros ingredientes, andam fermentando na despensa de restaurantes e no estoque de mercadinhos especializados. Os motivos, como dá para imaginar, passam longe da escassez da soja. Quem se aventura em transformar essa pasta fermentada milenar alega estar em busca de novos sabores, além de valorizar e aproveitar integralmente outros ingredientes (até semente de jaca, olha só, tem virado missô).

Diferentes leguminosas, além da soja, castanhas e até caroço de jaca podem virar missô. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Depois de separar dez quilos de polpa de jacas – vindas diretamente do Sítio Rueda, em São José do Rio Pardo – para fazer um borbulhante (tipo de espumante) exclusivo para A Casa do Porco, Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade, da Cia. dos Fermentados, ficaram inconformados com o sem-fim de sementes que seriam desperdiçadas. Das ideias que surgiram para aproveitar o ingrediente, a que vingou foi a produção de um missô, também em parceria com o restaurante. As sementes foram cozidas na pressão, trituradas em um moedor de carne e, em seguida, misturadas com sal e koji. A pasta, que conserva pequenos grânulos, está em fermentação há um ano e deve ser entregue nos próximos dias.

A dupla, que adora brincar com o não convencional, aprendeu a reproduzir a receita tradicional, com soja, para depois inventar moda com outros ingredientes. “Dá para fazer missô de muitas coisas, mas é preciso seguir uma lógica. Analisar a composição da matéria-prima, a quantidade de proteína, carboidrato, comparar com a soja e só daí fazer a conversão”, explicam. Nos armários da Cia., há missôs de grão-de-bico e canjica, de biomassa de banana verde e feijão-andu, de castanha de sapucaia, de amêndoa de cacau. O missô de pupunha, feito com o fruto da palmeira, destacou-se pelas notas florais e foi colocado à venda. “Trabalhar com koji é muito inspirador”, afirmam. O tema, inclusive, mereceu um capítulo do livro Fermentação em Estado Sólido, o terceiro da Cia. dos Fermentados, que deve ser lançado em 2024.

Mini milho com manteiga de missô de castanha portuguesa, do Tujuína. Foto: Julia Rodrigues/Estúdio Mataruna

Nos tempos de Tuju – que deve retomar as atividades em breve –, o chef Ivan Ralston investia na produção de versões inusitadas de missô, como o de grão-de-bico verde, que experimentou numa viagem ao Japão. Castanha de pequi assada e até pétalas de rosa deram origem à pasta fermentada com koji no laboratório do restaurante. “Quase tudo fica bom como missô, mas não tudo”, pondera o chef, que, no Tujuína, dá preferência a receitas mais certeiras, sem tanta margem para erro.

Em vez de produzir, ele mesmo, o missô de castanha portuguesa, que é base para a manteiga que incrementa o milho jovem na brasa (R$ 28), o chef encomenda remessas de Marisa de Ono, que foi, inclusive, quem o ensinou a fazer missô. “Eu adoro esse missô, ele é perfeito, não tinha nem por que eu tentar fazer igual”, revela.

Missô de castanha portuguesaà venda no Ichiba, anexo ao Aizomê. Foto: Rafael Salvador

E é mesmo difícil reproduzir um missô tal e qual o outro. A começar pelas quase infinitas cepas do Aspergillus oryzaefungo culinário usado para inocular os cereais no preparo do koji –, que agem de maneiras diferentes na fermentação, influenciando as características sensoriais do missô. Fora isso, há ainda as proporções dos ingredientes, o teor de sal, o tempo de fermentação e as condições (temperatura, umidade) do ambiente.

Pois esse missô de castanhas portuguesas, que tem doçura residual e aroma de azeitonas, pode ser arrematado em potinhos de 250 gramas (R$ 20) no Ichiba, lojinha do restaurante Aizomê. Além dele, há também o de grão-de-bico, que tem notas amanteigadas e é ótimo para marinadas, e as versões de soja, uma mais clara e doce e outra mais encorpada.

Molho do guioza de joelho de porco, do De Segunda, leva missô de feijão preto. Foto: Rubens Kato

No De Segunda, no Itaim Bibi, Júlia Tricate e Gabriel Coelho estão às voltas com algumas levas de missô de grão-de-bico com banana e de feijão-preto: “A gente brinca que é missô de arroz com feijão, por conta do koji”, conta a chef. Com sabor mais intenso, a versão da pasta fermentada feita com feijão, que já tem três anos, vai parar nos molhos do guioza de joelho de porco e, de maneira mais discreta, do leitão com abóbora e vinagrete de feijão.

A simpatia da dupla pelos missôs aumentou depois da passagem de ambos pelo dinamarquês Noma. “Lá a gente entendeu que é preciso ter a tese na cabeça, entender muito bem os processos, a técnica. Depois de dominar o preparo tradicional, só então podemos fazer uso da licença poética para fazer do nosso jeito”, defende Júlia.

Missô de família

Depois de resgatar um potinho do missô de soja produzido pela sua bisavó, falecida há 14 anos, Paulo Yamaçake decidiu utilizar essa joia (que foi multiplicada) para impulsionar o processo de fermentação dos seus missôs. No Origem Temperos (origemtemperos.com.br), ele faz três versões da pasta fermentada com grão-de-bico: a tradicional (R$ 39; 370g); a dourada, com curcuma e gengibre; e a Yanomami, com cogumelos. Já o Tekka missô tem base de raízes de lótus e de bardana. E todos levam o toque especial da matriarca da família.

Além das opções à venda no site, Paulo produz lotes exclusivos para o clube de assinatura de temperos milenares – quem assina recebe, todo mês, um molho ou missô ou tempero de mesa produzidos de acordo com a estação de ano. Missôs de castanha-de-caju crua, cacau (o fruto) e amora com romã são exemplos do que pode chegar à casa do cliente. 

Como é feito o missô?

No livro A Arte da Fermentação, Sandor Katz define o missô como uma “pasta japonesa fermentada de leguminosas”. O purê dessa leguminosa – que, olhe só, não precisa ser apenas soja – é misturado com koji (cereal inoculado com o bolor Aspergillus oryzae), sal e, por vezes, um missô maduro, a “semente de missô”, para impulsionar o processo de fermentação.

Leva, no mínimo, seis meses para ficar pronto, mas dá para encurtar a espera elevando a temperatura a 60ºC, como sugere David Zilber no The Noma Guide to Fermentation. Mas há controvérsias. “Esse crime não compensa”, afirma Fernando Goldenstein, da Cia. dos Fermentados. “As enzimas envolvidas na fermentação do missô entram em atividade ótima entre 45°C e 50ºC. Acelerar o processo resulta em um missô menos complexo.” Já Marisa Ono fermenta seus missôs em temperatura ambiente.

Depois de pronta, a pasta pode ser conservada em geladeira por... “Missô não estraga nunca. E quanto mais velho, melhor”, defendem os especialistas.

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