Mitos da cozinha: tem um nerd querendo mudar seu jeito de cozinhar


Um novo livro lançado nos EUA vem chamando a atenção ao quebrar paradigmas da cozinha e propor métodos mais eficientes, e pouco ortodoxos, para fazer comida no dia a dia. E não é coisa de charlatão: testamos todos

Por José Orenstein

A cozinha é terreno fértil para toda sorte de manias, mitos e superstições. À beira do fogão, você já deve ter ouvido um amigo ou tio, metido num avental, proferir frases como: “eu sempre fiz assim, por que vou mudar agora?” Ou: “minha avó me ensinou, não tem erro – tradição de família!”. Ou ainda o assoberbado “acredita em mim: vai dar certo!”. Realmente, muitas vezes funciona: sabedoria popular e crendices estão, pelo menos em parte, fundadas em verdades. O problema é quando dá errado. Pior ainda, há quem persista no erro – e a isso costuma-se chamar burrice. 

  Foto: Gabriela Biló|Estadão

Nessa hora, pode ser boa ideia recorrer à ciência e a seu método que tantas coisas boas legou à humanidade (vide o ar condicionado e o rodinho de pia). É o que propõe o escritor/cientista/nerd da cozinha James Kenji López-Alt. O americano é autor do livro The Food Lab – Better Home Cooking Through Science (ainda sem edição em português), best-seller lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos, e escreve o blog Serious Eats. Ele é um guru da cozinha na internet. Não gosta de deixar perguntas sem resposta nem aceita repetir procedimentos culinários só porque “sempre fizeram assim” (leia a entrevista aqui).

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Assim, ao longo dos anos, foi questionando tudo o que era dado como verdade e, principalmente, pôs tudo à prova: tentativa e erro, tentativa e erro, tentativa e erro – acerto e, enfim, perfeição. Suas experiências aparecem agora no seu novo catatau de 906 páginas (boa parte de suas descobertas ficou de fora).

Inspirado pelo livro e pelos princípios enunciados por López-Alt, o Paladar testou alguns dos mitos destruídos pelo autor numa cozinha caseira. Não que ele tenha sido o primeiro a destruí-los, mas ele certamente é um dos mais obsessivos em testar e explicar o porquê das coisas. Escolhemos aqui três métodos ou manias tradicionais que muito cozinheiro caseiro – e até alguns profissionais – praticam sem pensar. 

Nesta reportagem você descobre que não precisa de um montão de água fervente para cozinhar massa ou que pode temperar o bife bem antes de levá-lo à chapa, onde ele pode ser virado à vontade sem que resseque ou perca aquela bela crosta dourada. Não acredita? Leia o relato abaixo e tire suas conclusões. Melhor: vá para a cozinha e faça você mesmo.

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OS MITOS DA COZINHA 

Como diz López-Alt em seu livro, as avós italianas que me desculpem, mas cozinhar a massa em muitos litros de água fervente não é necessário. Basta o suficiente de água para cobrir a massa, e basta levar a água à fervura. Depois você joga o fusilli, o penne ou o zitti (esse truque funciona melhor com massas curtas), tampa a panela e apaga o fogo. 

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O negócio funciona, eu testei – vencendo toda a incredulidade. O princípio é que, com menos água, numa panela menor, a energia se dissipa menos, e a temperatura necessária para se cozinhar a massa é atingida mais facilmente. 

Além disso, tem um bônus: a água fica mais concentrada em amido – o que ajuda o molho a ficar incrivelmente mais cremoso. E você ainda economiza gás, água e tempo.

Quer testar? Faça este fusilli com rúcula, aspargo e ricota

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A lenda de que selar um bife mantém a carne mais suculenta, impedindo que ela perca umidade interna, já foi desmentida há muito tempo. O cientista/escritor Harold McGee explicou isso em 1984. Está lá no seu livro Comida & Cozinha, para quem quiser ler. Muita gente, porém, ainda acredita nisso. 

López-Alt ataca de novo esse mito e ainda explica que você pode virar o bife diversas vezes (coisa que McGee também já havia provado em 2009). Virar o bife várias vezes resulta num cozimento mais homogêneo e veloz da carne, pois a temperatura interna do bife sobe mais rapidamente. Em The Food Lab é indicado o uso de um termômetro para acertar o ponto da carne, mas eu não tinha um em casa. Segui os tempos da receita e um pouco de feeling científico – e deu certo: o bife ficou suculento e com boa crosta.

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De quebra, López-Alt derruba outro mito: você pode – aliás, deve, se tiver tempo – salgar a carne bem antes de levá-la ao fogo. O ideal é salgá-la pelo menos 40 minutos (ou mais!) antes de prepará-la. É que, depois de 40 minutos, os sucos absorvidos pelo sal na superfície voltam para dentro da carne e, daí em diante, atingem níveis cada vez mais profundos das fibras do bife. Sem tempo, o melhor é mesmo salgar um pouco antes de cozinhar (três minutos no máximo). 

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Por fim, não faz diferença deixar o bife à temperatura ambiente ou levá-lo à frigideira direto da geladeira. López-Alt mostra que a diferença de temperatura vira irrelevante no momento em que a carne é exposta ao calor intenso da chapa.

Não acredita em nada disso? Faça este bife na chapa fácil e rápido para comprovar. 

López-Alt não diz que o método tradicional dá errado, mas que é absurdamente ineficiente. Palavras desabusadas do autor: “A essa altura do campeonato tem alguém no mundo, além de italianos linha-dura, que não sabe que dá para fazer um risoto delicioso, al dente e perfeitamente mantecato sem preaquecer o caldo ou mexer o arroz constantemente?” Pois bem, eu era esse alguém. E na primeira tentativa de fazer o risoto sem mexer – desafortunadamente no dia da foto que vai nesta matéria – não foi uma maravilha: resultou pouco cremoso, quebradiço. Não ficou ruim, mas da forma tradicional fica melhor. 

Dei nova chance no dia seguinte, usando caldo caseiro, seguindo à risca a receita. Deu certo. Sim: dá para fazer um ótimo risoto usando uma frigideira alta (!), com caldo frio, mexendo duas ou três vezes. Basta lavar o arroz no caldo para preservar o amido e seguir os tempos de cozimento. O sucesso da receita tem a ver com a distribuição de calor homogênea da frigideira, que cozinha o arroz sem que você precise ficar mexendo. (Ah, no livro há um macete, opcional, heterodoxo: adicionar creme de leite antes de servir. Não fiz isso e ainda assim ficou bom. Ponto para a ciência.)

Para testar, prepare este risoto de queijo feta e tomate-cereja sem mexer. 

A lenda não resiste à experiência e à observação atenta. O autor de The Food Lab é particularmente obsessivo em testar os métodos de preparo de ovos. Nesse caso, depois de várias tentativas, concluiu que o que faz a diferença para que um ovo cozido descasque mais fácil é levá-lo à água já fervendo – e não ferver o ovo junto com a água. Não é preciso nem mesmo deixar o ovo a temperatura ambiente. Tire-o da geladeira e leve-o direto à água borbulhante. Depois descasque sob água gelada corrente.

A mistura das duas gorduras vai continuar queimando na temperatura da manteiga. São as proteínas do leite que queimam e elas não se importam se são aquecidas em óleo ou gordura de manteiga. A única boa razão para combinar os dois é o sabor.

A feitura de bifes e carnes é talvez o campo mais prolífico para lendas e superstições. Pense no tiozão do churrasco da sua família e suas regras. O fato é que espetar a carne para virá-la não gera uma perda significativa ou perceptível à boca humana. Pense numa piscina olímpica cheia de bexigas d’água. Espetar um garfo no bife é como jogar uma agulha na piscina – talvez algumas bexigas estourem, mas o efeito é risível.

Não há dúvidas de que fritar a temperaturas altas vai deixar sua batata ou bolinho mais crocante. Mas a verdade é que quanto mais quente o óleo, mais gordura será absorvida pela comida. Isso porque a água dentro da batata, por exemplo, vira vapor quando entra no óleo quente (por isso as bolhas na fritura). Quando o vapor d’água é expulso, logo é preenchido pelo óleo. Portanto: quanto mais quente a fritura, mais gordura absorvida. Aquela sensação de oleosidade numa fritura em baixa temperatura se deve à água que restou no alimento combinada à gordura que fica na superfície – pois, na verdade, essa fritura tem menos óleo na sua massa.

Esqueça ficar escovando os cogumelos um por um. Pode lavar na água à vontade. A quantidade de líquido que eles absorvem é irrelevante – a maior parte fica na superfície. Por isso, o importante é secá-los com papel toalha ou mesmo em um secador de salada giratório.

The Food Lab

Autor: James Kenji López-Alt 

Editora: W.W.Norton & Company

Preço: US$ 27,47 na Amazon (960 págs.)

A cozinha é terreno fértil para toda sorte de manias, mitos e superstições. À beira do fogão, você já deve ter ouvido um amigo ou tio, metido num avental, proferir frases como: “eu sempre fiz assim, por que vou mudar agora?” Ou: “minha avó me ensinou, não tem erro – tradição de família!”. Ou ainda o assoberbado “acredita em mim: vai dar certo!”. Realmente, muitas vezes funciona: sabedoria popular e crendices estão, pelo menos em parte, fundadas em verdades. O problema é quando dá errado. Pior ainda, há quem persista no erro – e a isso costuma-se chamar burrice. 

  Foto: Gabriela Biló|Estadão

Nessa hora, pode ser boa ideia recorrer à ciência e a seu método que tantas coisas boas legou à humanidade (vide o ar condicionado e o rodinho de pia). É o que propõe o escritor/cientista/nerd da cozinha James Kenji López-Alt. O americano é autor do livro The Food Lab – Better Home Cooking Through Science (ainda sem edição em português), best-seller lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos, e escreve o blog Serious Eats. Ele é um guru da cozinha na internet. Não gosta de deixar perguntas sem resposta nem aceita repetir procedimentos culinários só porque “sempre fizeram assim” (leia a entrevista aqui).

Assim, ao longo dos anos, foi questionando tudo o que era dado como verdade e, principalmente, pôs tudo à prova: tentativa e erro, tentativa e erro, tentativa e erro – acerto e, enfim, perfeição. Suas experiências aparecem agora no seu novo catatau de 906 páginas (boa parte de suas descobertas ficou de fora).

Inspirado pelo livro e pelos princípios enunciados por López-Alt, o Paladar testou alguns dos mitos destruídos pelo autor numa cozinha caseira. Não que ele tenha sido o primeiro a destruí-los, mas ele certamente é um dos mais obsessivos em testar e explicar o porquê das coisas. Escolhemos aqui três métodos ou manias tradicionais que muito cozinheiro caseiro – e até alguns profissionais – praticam sem pensar. 

Nesta reportagem você descobre que não precisa de um montão de água fervente para cozinhar massa ou que pode temperar o bife bem antes de levá-lo à chapa, onde ele pode ser virado à vontade sem que resseque ou perca aquela bela crosta dourada. Não acredita? Leia o relato abaixo e tire suas conclusões. Melhor: vá para a cozinha e faça você mesmo.

OS MITOS DA COZINHA 

Como diz López-Alt em seu livro, as avós italianas que me desculpem, mas cozinhar a massa em muitos litros de água fervente não é necessário. Basta o suficiente de água para cobrir a massa, e basta levar a água à fervura. Depois você joga o fusilli, o penne ou o zitti (esse truque funciona melhor com massas curtas), tampa a panela e apaga o fogo. 

O negócio funciona, eu testei – vencendo toda a incredulidade. O princípio é que, com menos água, numa panela menor, a energia se dissipa menos, e a temperatura necessária para se cozinhar a massa é atingida mais facilmente. 

Além disso, tem um bônus: a água fica mais concentrada em amido – o que ajuda o molho a ficar incrivelmente mais cremoso. E você ainda economiza gás, água e tempo.

Quer testar? Faça este fusilli com rúcula, aspargo e ricota

A lenda de que selar um bife mantém a carne mais suculenta, impedindo que ela perca umidade interna, já foi desmentida há muito tempo. O cientista/escritor Harold McGee explicou isso em 1984. Está lá no seu livro Comida & Cozinha, para quem quiser ler. Muita gente, porém, ainda acredita nisso. 

López-Alt ataca de novo esse mito e ainda explica que você pode virar o bife diversas vezes (coisa que McGee também já havia provado em 2009). Virar o bife várias vezes resulta num cozimento mais homogêneo e veloz da carne, pois a temperatura interna do bife sobe mais rapidamente. Em The Food Lab é indicado o uso de um termômetro para acertar o ponto da carne, mas eu não tinha um em casa. Segui os tempos da receita e um pouco de feeling científico – e deu certo: o bife ficou suculento e com boa crosta.

De quebra, López-Alt derruba outro mito: você pode – aliás, deve, se tiver tempo – salgar a carne bem antes de levá-la ao fogo. O ideal é salgá-la pelo menos 40 minutos (ou mais!) antes de prepará-la. É que, depois de 40 minutos, os sucos absorvidos pelo sal na superfície voltam para dentro da carne e, daí em diante, atingem níveis cada vez mais profundos das fibras do bife. Sem tempo, o melhor é mesmo salgar um pouco antes de cozinhar (três minutos no máximo). 

Por fim, não faz diferença deixar o bife à temperatura ambiente ou levá-lo à frigideira direto da geladeira. López-Alt mostra que a diferença de temperatura vira irrelevante no momento em que a carne é exposta ao calor intenso da chapa.

Não acredita em nada disso? Faça este bife na chapa fácil e rápido para comprovar. 

López-Alt não diz que o método tradicional dá errado, mas que é absurdamente ineficiente. Palavras desabusadas do autor: “A essa altura do campeonato tem alguém no mundo, além de italianos linha-dura, que não sabe que dá para fazer um risoto delicioso, al dente e perfeitamente mantecato sem preaquecer o caldo ou mexer o arroz constantemente?” Pois bem, eu era esse alguém. E na primeira tentativa de fazer o risoto sem mexer – desafortunadamente no dia da foto que vai nesta matéria – não foi uma maravilha: resultou pouco cremoso, quebradiço. Não ficou ruim, mas da forma tradicional fica melhor. 

Dei nova chance no dia seguinte, usando caldo caseiro, seguindo à risca a receita. Deu certo. Sim: dá para fazer um ótimo risoto usando uma frigideira alta (!), com caldo frio, mexendo duas ou três vezes. Basta lavar o arroz no caldo para preservar o amido e seguir os tempos de cozimento. O sucesso da receita tem a ver com a distribuição de calor homogênea da frigideira, que cozinha o arroz sem que você precise ficar mexendo. (Ah, no livro há um macete, opcional, heterodoxo: adicionar creme de leite antes de servir. Não fiz isso e ainda assim ficou bom. Ponto para a ciência.)

Para testar, prepare este risoto de queijo feta e tomate-cereja sem mexer. 

A lenda não resiste à experiência e à observação atenta. O autor de The Food Lab é particularmente obsessivo em testar os métodos de preparo de ovos. Nesse caso, depois de várias tentativas, concluiu que o que faz a diferença para que um ovo cozido descasque mais fácil é levá-lo à água já fervendo – e não ferver o ovo junto com a água. Não é preciso nem mesmo deixar o ovo a temperatura ambiente. Tire-o da geladeira e leve-o direto à água borbulhante. Depois descasque sob água gelada corrente.

A mistura das duas gorduras vai continuar queimando na temperatura da manteiga. São as proteínas do leite que queimam e elas não se importam se são aquecidas em óleo ou gordura de manteiga. A única boa razão para combinar os dois é o sabor.

A feitura de bifes e carnes é talvez o campo mais prolífico para lendas e superstições. Pense no tiozão do churrasco da sua família e suas regras. O fato é que espetar a carne para virá-la não gera uma perda significativa ou perceptível à boca humana. Pense numa piscina olímpica cheia de bexigas d’água. Espetar um garfo no bife é como jogar uma agulha na piscina – talvez algumas bexigas estourem, mas o efeito é risível.

Não há dúvidas de que fritar a temperaturas altas vai deixar sua batata ou bolinho mais crocante. Mas a verdade é que quanto mais quente o óleo, mais gordura será absorvida pela comida. Isso porque a água dentro da batata, por exemplo, vira vapor quando entra no óleo quente (por isso as bolhas na fritura). Quando o vapor d’água é expulso, logo é preenchido pelo óleo. Portanto: quanto mais quente a fritura, mais gordura absorvida. Aquela sensação de oleosidade numa fritura em baixa temperatura se deve à água que restou no alimento combinada à gordura que fica na superfície – pois, na verdade, essa fritura tem menos óleo na sua massa.

Esqueça ficar escovando os cogumelos um por um. Pode lavar na água à vontade. A quantidade de líquido que eles absorvem é irrelevante – a maior parte fica na superfície. Por isso, o importante é secá-los com papel toalha ou mesmo em um secador de salada giratório.

The Food Lab

Autor: James Kenji López-Alt 

Editora: W.W.Norton & Company

Preço: US$ 27,47 na Amazon (960 págs.)

A cozinha é terreno fértil para toda sorte de manias, mitos e superstições. À beira do fogão, você já deve ter ouvido um amigo ou tio, metido num avental, proferir frases como: “eu sempre fiz assim, por que vou mudar agora?” Ou: “minha avó me ensinou, não tem erro – tradição de família!”. Ou ainda o assoberbado “acredita em mim: vai dar certo!”. Realmente, muitas vezes funciona: sabedoria popular e crendices estão, pelo menos em parte, fundadas em verdades. O problema é quando dá errado. Pior ainda, há quem persista no erro – e a isso costuma-se chamar burrice. 

  Foto: Gabriela Biló|Estadão

Nessa hora, pode ser boa ideia recorrer à ciência e a seu método que tantas coisas boas legou à humanidade (vide o ar condicionado e o rodinho de pia). É o que propõe o escritor/cientista/nerd da cozinha James Kenji López-Alt. O americano é autor do livro The Food Lab – Better Home Cooking Through Science (ainda sem edição em português), best-seller lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos, e escreve o blog Serious Eats. Ele é um guru da cozinha na internet. Não gosta de deixar perguntas sem resposta nem aceita repetir procedimentos culinários só porque “sempre fizeram assim” (leia a entrevista aqui).

Assim, ao longo dos anos, foi questionando tudo o que era dado como verdade e, principalmente, pôs tudo à prova: tentativa e erro, tentativa e erro, tentativa e erro – acerto e, enfim, perfeição. Suas experiências aparecem agora no seu novo catatau de 906 páginas (boa parte de suas descobertas ficou de fora).

Inspirado pelo livro e pelos princípios enunciados por López-Alt, o Paladar testou alguns dos mitos destruídos pelo autor numa cozinha caseira. Não que ele tenha sido o primeiro a destruí-los, mas ele certamente é um dos mais obsessivos em testar e explicar o porquê das coisas. Escolhemos aqui três métodos ou manias tradicionais que muito cozinheiro caseiro – e até alguns profissionais – praticam sem pensar. 

Nesta reportagem você descobre que não precisa de um montão de água fervente para cozinhar massa ou que pode temperar o bife bem antes de levá-lo à chapa, onde ele pode ser virado à vontade sem que resseque ou perca aquela bela crosta dourada. Não acredita? Leia o relato abaixo e tire suas conclusões. Melhor: vá para a cozinha e faça você mesmo.

OS MITOS DA COZINHA 

Como diz López-Alt em seu livro, as avós italianas que me desculpem, mas cozinhar a massa em muitos litros de água fervente não é necessário. Basta o suficiente de água para cobrir a massa, e basta levar a água à fervura. Depois você joga o fusilli, o penne ou o zitti (esse truque funciona melhor com massas curtas), tampa a panela e apaga o fogo. 

O negócio funciona, eu testei – vencendo toda a incredulidade. O princípio é que, com menos água, numa panela menor, a energia se dissipa menos, e a temperatura necessária para se cozinhar a massa é atingida mais facilmente. 

Além disso, tem um bônus: a água fica mais concentrada em amido – o que ajuda o molho a ficar incrivelmente mais cremoso. E você ainda economiza gás, água e tempo.

Quer testar? Faça este fusilli com rúcula, aspargo e ricota

A lenda de que selar um bife mantém a carne mais suculenta, impedindo que ela perca umidade interna, já foi desmentida há muito tempo. O cientista/escritor Harold McGee explicou isso em 1984. Está lá no seu livro Comida & Cozinha, para quem quiser ler. Muita gente, porém, ainda acredita nisso. 

López-Alt ataca de novo esse mito e ainda explica que você pode virar o bife diversas vezes (coisa que McGee também já havia provado em 2009). Virar o bife várias vezes resulta num cozimento mais homogêneo e veloz da carne, pois a temperatura interna do bife sobe mais rapidamente. Em The Food Lab é indicado o uso de um termômetro para acertar o ponto da carne, mas eu não tinha um em casa. Segui os tempos da receita e um pouco de feeling científico – e deu certo: o bife ficou suculento e com boa crosta.

De quebra, López-Alt derruba outro mito: você pode – aliás, deve, se tiver tempo – salgar a carne bem antes de levá-la ao fogo. O ideal é salgá-la pelo menos 40 minutos (ou mais!) antes de prepará-la. É que, depois de 40 minutos, os sucos absorvidos pelo sal na superfície voltam para dentro da carne e, daí em diante, atingem níveis cada vez mais profundos das fibras do bife. Sem tempo, o melhor é mesmo salgar um pouco antes de cozinhar (três minutos no máximo). 

Por fim, não faz diferença deixar o bife à temperatura ambiente ou levá-lo à frigideira direto da geladeira. López-Alt mostra que a diferença de temperatura vira irrelevante no momento em que a carne é exposta ao calor intenso da chapa.

Não acredita em nada disso? Faça este bife na chapa fácil e rápido para comprovar. 

López-Alt não diz que o método tradicional dá errado, mas que é absurdamente ineficiente. Palavras desabusadas do autor: “A essa altura do campeonato tem alguém no mundo, além de italianos linha-dura, que não sabe que dá para fazer um risoto delicioso, al dente e perfeitamente mantecato sem preaquecer o caldo ou mexer o arroz constantemente?” Pois bem, eu era esse alguém. E na primeira tentativa de fazer o risoto sem mexer – desafortunadamente no dia da foto que vai nesta matéria – não foi uma maravilha: resultou pouco cremoso, quebradiço. Não ficou ruim, mas da forma tradicional fica melhor. 

Dei nova chance no dia seguinte, usando caldo caseiro, seguindo à risca a receita. Deu certo. Sim: dá para fazer um ótimo risoto usando uma frigideira alta (!), com caldo frio, mexendo duas ou três vezes. Basta lavar o arroz no caldo para preservar o amido e seguir os tempos de cozimento. O sucesso da receita tem a ver com a distribuição de calor homogênea da frigideira, que cozinha o arroz sem que você precise ficar mexendo. (Ah, no livro há um macete, opcional, heterodoxo: adicionar creme de leite antes de servir. Não fiz isso e ainda assim ficou bom. Ponto para a ciência.)

Para testar, prepare este risoto de queijo feta e tomate-cereja sem mexer. 

A lenda não resiste à experiência e à observação atenta. O autor de The Food Lab é particularmente obsessivo em testar os métodos de preparo de ovos. Nesse caso, depois de várias tentativas, concluiu que o que faz a diferença para que um ovo cozido descasque mais fácil é levá-lo à água já fervendo – e não ferver o ovo junto com a água. Não é preciso nem mesmo deixar o ovo a temperatura ambiente. Tire-o da geladeira e leve-o direto à água borbulhante. Depois descasque sob água gelada corrente.

A mistura das duas gorduras vai continuar queimando na temperatura da manteiga. São as proteínas do leite que queimam e elas não se importam se são aquecidas em óleo ou gordura de manteiga. A única boa razão para combinar os dois é o sabor.

A feitura de bifes e carnes é talvez o campo mais prolífico para lendas e superstições. Pense no tiozão do churrasco da sua família e suas regras. O fato é que espetar a carne para virá-la não gera uma perda significativa ou perceptível à boca humana. Pense numa piscina olímpica cheia de bexigas d’água. Espetar um garfo no bife é como jogar uma agulha na piscina – talvez algumas bexigas estourem, mas o efeito é risível.

Não há dúvidas de que fritar a temperaturas altas vai deixar sua batata ou bolinho mais crocante. Mas a verdade é que quanto mais quente o óleo, mais gordura será absorvida pela comida. Isso porque a água dentro da batata, por exemplo, vira vapor quando entra no óleo quente (por isso as bolhas na fritura). Quando o vapor d’água é expulso, logo é preenchido pelo óleo. Portanto: quanto mais quente a fritura, mais gordura absorvida. Aquela sensação de oleosidade numa fritura em baixa temperatura se deve à água que restou no alimento combinada à gordura que fica na superfície – pois, na verdade, essa fritura tem menos óleo na sua massa.

Esqueça ficar escovando os cogumelos um por um. Pode lavar na água à vontade. A quantidade de líquido que eles absorvem é irrelevante – a maior parte fica na superfície. Por isso, o importante é secá-los com papel toalha ou mesmo em um secador de salada giratório.

The Food Lab

Autor: James Kenji López-Alt 

Editora: W.W.Norton & Company

Preço: US$ 27,47 na Amazon (960 págs.)

A cozinha é terreno fértil para toda sorte de manias, mitos e superstições. À beira do fogão, você já deve ter ouvido um amigo ou tio, metido num avental, proferir frases como: “eu sempre fiz assim, por que vou mudar agora?” Ou: “minha avó me ensinou, não tem erro – tradição de família!”. Ou ainda o assoberbado “acredita em mim: vai dar certo!”. Realmente, muitas vezes funciona: sabedoria popular e crendices estão, pelo menos em parte, fundadas em verdades. O problema é quando dá errado. Pior ainda, há quem persista no erro – e a isso costuma-se chamar burrice. 

  Foto: Gabriela Biló|Estadão

Nessa hora, pode ser boa ideia recorrer à ciência e a seu método que tantas coisas boas legou à humanidade (vide o ar condicionado e o rodinho de pia). É o que propõe o escritor/cientista/nerd da cozinha James Kenji López-Alt. O americano é autor do livro The Food Lab – Better Home Cooking Through Science (ainda sem edição em português), best-seller lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos, e escreve o blog Serious Eats. Ele é um guru da cozinha na internet. Não gosta de deixar perguntas sem resposta nem aceita repetir procedimentos culinários só porque “sempre fizeram assim” (leia a entrevista aqui).

Assim, ao longo dos anos, foi questionando tudo o que era dado como verdade e, principalmente, pôs tudo à prova: tentativa e erro, tentativa e erro, tentativa e erro – acerto e, enfim, perfeição. Suas experiências aparecem agora no seu novo catatau de 906 páginas (boa parte de suas descobertas ficou de fora).

Inspirado pelo livro e pelos princípios enunciados por López-Alt, o Paladar testou alguns dos mitos destruídos pelo autor numa cozinha caseira. Não que ele tenha sido o primeiro a destruí-los, mas ele certamente é um dos mais obsessivos em testar e explicar o porquê das coisas. Escolhemos aqui três métodos ou manias tradicionais que muito cozinheiro caseiro – e até alguns profissionais – praticam sem pensar. 

Nesta reportagem você descobre que não precisa de um montão de água fervente para cozinhar massa ou que pode temperar o bife bem antes de levá-lo à chapa, onde ele pode ser virado à vontade sem que resseque ou perca aquela bela crosta dourada. Não acredita? Leia o relato abaixo e tire suas conclusões. Melhor: vá para a cozinha e faça você mesmo.

OS MITOS DA COZINHA 

Como diz López-Alt em seu livro, as avós italianas que me desculpem, mas cozinhar a massa em muitos litros de água fervente não é necessário. Basta o suficiente de água para cobrir a massa, e basta levar a água à fervura. Depois você joga o fusilli, o penne ou o zitti (esse truque funciona melhor com massas curtas), tampa a panela e apaga o fogo. 

O negócio funciona, eu testei – vencendo toda a incredulidade. O princípio é que, com menos água, numa panela menor, a energia se dissipa menos, e a temperatura necessária para se cozinhar a massa é atingida mais facilmente. 

Além disso, tem um bônus: a água fica mais concentrada em amido – o que ajuda o molho a ficar incrivelmente mais cremoso. E você ainda economiza gás, água e tempo.

Quer testar? Faça este fusilli com rúcula, aspargo e ricota

A lenda de que selar um bife mantém a carne mais suculenta, impedindo que ela perca umidade interna, já foi desmentida há muito tempo. O cientista/escritor Harold McGee explicou isso em 1984. Está lá no seu livro Comida & Cozinha, para quem quiser ler. Muita gente, porém, ainda acredita nisso. 

López-Alt ataca de novo esse mito e ainda explica que você pode virar o bife diversas vezes (coisa que McGee também já havia provado em 2009). Virar o bife várias vezes resulta num cozimento mais homogêneo e veloz da carne, pois a temperatura interna do bife sobe mais rapidamente. Em The Food Lab é indicado o uso de um termômetro para acertar o ponto da carne, mas eu não tinha um em casa. Segui os tempos da receita e um pouco de feeling científico – e deu certo: o bife ficou suculento e com boa crosta.

De quebra, López-Alt derruba outro mito: você pode – aliás, deve, se tiver tempo – salgar a carne bem antes de levá-la ao fogo. O ideal é salgá-la pelo menos 40 minutos (ou mais!) antes de prepará-la. É que, depois de 40 minutos, os sucos absorvidos pelo sal na superfície voltam para dentro da carne e, daí em diante, atingem níveis cada vez mais profundos das fibras do bife. Sem tempo, o melhor é mesmo salgar um pouco antes de cozinhar (três minutos no máximo). 

Por fim, não faz diferença deixar o bife à temperatura ambiente ou levá-lo à frigideira direto da geladeira. López-Alt mostra que a diferença de temperatura vira irrelevante no momento em que a carne é exposta ao calor intenso da chapa.

Não acredita em nada disso? Faça este bife na chapa fácil e rápido para comprovar. 

López-Alt não diz que o método tradicional dá errado, mas que é absurdamente ineficiente. Palavras desabusadas do autor: “A essa altura do campeonato tem alguém no mundo, além de italianos linha-dura, que não sabe que dá para fazer um risoto delicioso, al dente e perfeitamente mantecato sem preaquecer o caldo ou mexer o arroz constantemente?” Pois bem, eu era esse alguém. E na primeira tentativa de fazer o risoto sem mexer – desafortunadamente no dia da foto que vai nesta matéria – não foi uma maravilha: resultou pouco cremoso, quebradiço. Não ficou ruim, mas da forma tradicional fica melhor. 

Dei nova chance no dia seguinte, usando caldo caseiro, seguindo à risca a receita. Deu certo. Sim: dá para fazer um ótimo risoto usando uma frigideira alta (!), com caldo frio, mexendo duas ou três vezes. Basta lavar o arroz no caldo para preservar o amido e seguir os tempos de cozimento. O sucesso da receita tem a ver com a distribuição de calor homogênea da frigideira, que cozinha o arroz sem que você precise ficar mexendo. (Ah, no livro há um macete, opcional, heterodoxo: adicionar creme de leite antes de servir. Não fiz isso e ainda assim ficou bom. Ponto para a ciência.)

Para testar, prepare este risoto de queijo feta e tomate-cereja sem mexer. 

A lenda não resiste à experiência e à observação atenta. O autor de The Food Lab é particularmente obsessivo em testar os métodos de preparo de ovos. Nesse caso, depois de várias tentativas, concluiu que o que faz a diferença para que um ovo cozido descasque mais fácil é levá-lo à água já fervendo – e não ferver o ovo junto com a água. Não é preciso nem mesmo deixar o ovo a temperatura ambiente. Tire-o da geladeira e leve-o direto à água borbulhante. Depois descasque sob água gelada corrente.

A mistura das duas gorduras vai continuar queimando na temperatura da manteiga. São as proteínas do leite que queimam e elas não se importam se são aquecidas em óleo ou gordura de manteiga. A única boa razão para combinar os dois é o sabor.

A feitura de bifes e carnes é talvez o campo mais prolífico para lendas e superstições. Pense no tiozão do churrasco da sua família e suas regras. O fato é que espetar a carne para virá-la não gera uma perda significativa ou perceptível à boca humana. Pense numa piscina olímpica cheia de bexigas d’água. Espetar um garfo no bife é como jogar uma agulha na piscina – talvez algumas bexigas estourem, mas o efeito é risível.

Não há dúvidas de que fritar a temperaturas altas vai deixar sua batata ou bolinho mais crocante. Mas a verdade é que quanto mais quente o óleo, mais gordura será absorvida pela comida. Isso porque a água dentro da batata, por exemplo, vira vapor quando entra no óleo quente (por isso as bolhas na fritura). Quando o vapor d’água é expulso, logo é preenchido pelo óleo. Portanto: quanto mais quente a fritura, mais gordura absorvida. Aquela sensação de oleosidade numa fritura em baixa temperatura se deve à água que restou no alimento combinada à gordura que fica na superfície – pois, na verdade, essa fritura tem menos óleo na sua massa.

Esqueça ficar escovando os cogumelos um por um. Pode lavar na água à vontade. A quantidade de líquido que eles absorvem é irrelevante – a maior parte fica na superfície. Por isso, o importante é secá-los com papel toalha ou mesmo em um secador de salada giratório.

The Food Lab

Autor: James Kenji López-Alt 

Editora: W.W.Norton & Company

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