‘O momento é muito bom para empreender em gastronomia’


Professor Marcelo Nakagawa, especializado em inovação e empreendedorismo, fala sobre os caminhos de chefs e restaurantes

Por Matheus Mans

A pandemia do novo coronavírus chacoalhou o setor de bares e restaurantes, jogando sombra nas operações do setor entre 2020 e 2021. De acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), foram mais de 300 mil estabelecimentos que fecharam as portas durante a pandemia. Os que ficaram, porém, ainda precisam lidar com dívidas, imprevisibilidade e incertezas sobre o cenário econômico, com alta da inflação.

Professor Marcelo Nakagawa, especializado em inovação e empreendedorismo Foto: Rafael Arbex/Estadão
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Além disso, o setor não é mais o mesmo. Bares e restaurantes, por conta das regras de distanciamento, tiveram que entrar de cabeça em novas tecnologias e em plataformas de delivery. Muitas vezes, com isso, chefs e donos de restaurantes precisaram mudar até mesmo o modelo de negócios. Para especialistas, assim, a saída hoje é empreender: buscar novas formas de voltar ao mercado, reencontrar o público e chamar a atenção.

“A questão do empreender sempre foi importante e, agora, não dá pra ficar na média. E pior ainda: ser invisível.”, diz Marcelo Nakagawa, professor de inovação e empreendedorismo do Insper e coordenador adjunto da FAPESP nos programas de inovação. A seguir, confira a conversa com o professor sobre caminhos do empreendedorismo nas gastronomia.

Obentôs (tradicionais marmitas japonesas) do restaurante Aizomê. Foto: Rafael Salvador
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Os restaurantes acabaram de passar por um momento muito difícil com a pandemia e, agora, estão em processo de retomada. O que o chef, empreendedor e dono de restaurante devem se atentar nesse período em termos de negócios?

Primeiro é o básico. É ter toda a questão de posicionamento e como se diferenciar do concorrente. Isso vale para a barraca de pastel na feira até o restaurante de alta gastronomia. Planejar o negócio do ponto de vista operacional: quem vai executar cada processo? E tem que ter planejamento financeiro. Calcular margem, por exemplo. Um amigo meu montou uma pizzaria, chamou um consultor e ele disse algo que marcou: a mão do pizzaiolo pode quebrar a pizzaria. Ele pode ter uma mão grande demais e, na hora de fazer a pizza, colocar muito queijo. Não dá pra ser na base do chute, precisa ter um planejamento. Depois, tem a questão da presença digital.

Ela é obrigatória e muitos negócios surgem em lugares distantes. Ficam no meio do nada, mas chamam a atenção, tem fila, por conta da presença digital. Depende também de cada mercado. Quem está de olho em públicos mais novos, por exemplo, tem que ter Tik Tok, tem que ter Instagram.

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Se for algo mais clássico, focado no público mais velho, tem que estar no Facebook também. E algo que a gente vê muito no Brasil é essa questão de montar um negócio que não tem alma. Não tem um capricho por trás. Ainda bem que temos uma nova geração de empreendedores autorais. Ele vai montar um negócio e tem um diferencial, uma preocupação, um cuidado. Tem uma nova geração de padarias autorais, cafeterias autorais.

Em um momento como este, em que é preciso se reconstruir depois de um período tão turbulento, ter atitude de empreendedor na gastronomia é importante?

Sim, muito. Antigamente, a gente não tinha experiência com empreendedores na gastronomia, já que a gastronomia era muito mais francesa, muito mais clássica. Mas hoje já temos nomes no setor, como o Rodrigo Oliveira, do Mocotó, ou o Jefferson Rueda, da Casa do Porco, que são inspiração para muitas pessoas. Às vezes, é inovar fazendo a tradição. O Rodrigo e o Jefferson inovaram no tradicional. A questão do empreender sempre foi importante e, agora, não dá pra ficar na média. E pior ainda: ser invisível. 

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Quais ensinamentos do empreendedorismo valem para um chef, por exemplo?

Primeiro é o básico. Pode ser algo diferenciado, mas precisa ter primeiro a gestão. Senão mata esse diferencial. Vira um voo de galinha. É legal se preocupar com a diferenciação, mas também precisa pensar nos custos, no planejamento, na presença digital. Em paralelo, buscar referências e se tornar algo original. Não ficar fazendo dadinho de tapioca em todo lugar. É dadinho, dadinho, dadinho. Precisa ser uma comida que se transforme em rotina, que as pessoas tenham vontade de voltar. Precisamos de referências do mundo e do País.

  Foto: Divulgação
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Durante a pandemia, muitos restaurantes entraram de cabeça no mundo digital para que os negócios continuassem funcionando. Acredita que isso mudou a mentalidade do setor?

Com certeza. Eu gosto do caso da Hamburgueria do Seu Oswaldo. Antes eles só aceitavam dinheiro. Depois começaram a aceitar débito. Agora, depois da pandemia, dá para fazer o pedido por WhatsApp e pagar por PIX. É algo simples e na ponta das tecnologias. Vale para o Seu Oswaldo e para a Telma Shiraishi, do Aizomê, que manda sushi por delivery. Isso antes era uma coisa horrorosa. No Brasil, restaurantes de alto nível aprenderam a lidar com o delivery, com os meios de pagamentos digitais. Foram empurrados para o século XXI.

E quem está começando agora? Afinal, o setor passou por esse período muito desafiador e está se refazendo. Tem dicas específicas para quem entra no mercado agora?

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O momento é muito bom para empreender em gastronomia depois desse vendaval. É que nem Forrest Gump: o barco dele não foi afetado e, quando voltou, só ele tinha barco para pegar camarão. Começou a crescer, crescer, crescer. Muita gente tá chegando no pós-vendaval. Muitos restaurantes estão com fragilidade financeira, alguns se endividaram muito. Tem o grande desafio de fluxo de caixa.

Quem chega agora vem em um momento importante. As pessoas aprenderam a comer diferente, querem ter de novo a experiência de comer no presencial. Mas precisa ter planejamento e experimentar outras referências. Vai visitar os lugares, conversar com clientes. O Robinson Shiba, quando montou o China in Box, foi visitar todos restaurantes chineses. Falava com chefs, clientes e até com donos.

Quem comia comida chinesa? Como era aquela comida? Para quem vai empreender, temos ótimos programar para calcular fluxo de caixa, Senac tem cursos muito bons, escolas sofisticadas. Precisa experimentar antes, conversar com as pessoas. Só assim você consegue criar seu conceito e inspiração. E não só naquilo que você vai fazer, mas até em outros lugares, como ícones mais tradicionais, mais inovadores e referências. Vai abrir uma sorveteria? Vai na Damp, mais tradicional, e vai na Sorveteria do Centro, mais inovadora.

O sr. acha que o empreendedorismo será cada vez mais central na gastronomia? 

O desafio, no final do dia, é ter cliente e ter vendas para ter lucro. Muitas vezes, isso pode ser feito pela lógica do empreendedorismo mais inovador. Mas, em boa parte das coisas, não é inovação, é virar tradição. Pega a Cia Tradicional de Comércio, com Bráz Pizzaria e Lanchonete da Cidade. Eles foram muito felizes. Eles pegaram negócios tradicionais, mas tudo com um jeito diferente, um ambiente distinto do que se via em pizzarias e lanchonetes. Além disso, o desafio do empreendedor de gastronomia não deveria ser inovação constante. Você pode brilhar, mas a cobrança será constante. Você cai na armadilha de sempre fazer coisas novas. O desafio é criar algo que vire uma tradição.

Casal Rueda assina os novos cachorros-quentes da Lanchonete da Cidade Foto: Mauro Holanda

Acho que as principais referências gastronômicas são os restaurantes japoneses. No Japão, temos negócios com 500, 600 anos. Vai de geração pra geração. São sushis e temakis, mas fazem muito bem aquilo. A diferenciação é tão forte que acaba virando uma tradição. O desafio de quem vai empreender é virar tradição. É claro que vai colocar elementos e coisas novas. Mas você volta ao Mocotó pelo baião de dois, pelo dadinho de tapioca. A inovação é importante, mas não deveria ser escravo da inovação. Precisa buscar algo para as pessoas consumirem. Empreender, na gastronomia, é buscar ser 80% é tradição. Os outros 20% é a busca por algo mais diferente, que chame a atenção e atraia a curiosidade de mais pessoas.

A pandemia do novo coronavírus chacoalhou o setor de bares e restaurantes, jogando sombra nas operações do setor entre 2020 e 2021. De acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), foram mais de 300 mil estabelecimentos que fecharam as portas durante a pandemia. Os que ficaram, porém, ainda precisam lidar com dívidas, imprevisibilidade e incertezas sobre o cenário econômico, com alta da inflação.

Professor Marcelo Nakagawa, especializado em inovação e empreendedorismo Foto: Rafael Arbex/Estadão

Além disso, o setor não é mais o mesmo. Bares e restaurantes, por conta das regras de distanciamento, tiveram que entrar de cabeça em novas tecnologias e em plataformas de delivery. Muitas vezes, com isso, chefs e donos de restaurantes precisaram mudar até mesmo o modelo de negócios. Para especialistas, assim, a saída hoje é empreender: buscar novas formas de voltar ao mercado, reencontrar o público e chamar a atenção.

“A questão do empreender sempre foi importante e, agora, não dá pra ficar na média. E pior ainda: ser invisível.”, diz Marcelo Nakagawa, professor de inovação e empreendedorismo do Insper e coordenador adjunto da FAPESP nos programas de inovação. A seguir, confira a conversa com o professor sobre caminhos do empreendedorismo nas gastronomia.

Obentôs (tradicionais marmitas japonesas) do restaurante Aizomê. Foto: Rafael Salvador

Os restaurantes acabaram de passar por um momento muito difícil com a pandemia e, agora, estão em processo de retomada. O que o chef, empreendedor e dono de restaurante devem se atentar nesse período em termos de negócios?

Primeiro é o básico. É ter toda a questão de posicionamento e como se diferenciar do concorrente. Isso vale para a barraca de pastel na feira até o restaurante de alta gastronomia. Planejar o negócio do ponto de vista operacional: quem vai executar cada processo? E tem que ter planejamento financeiro. Calcular margem, por exemplo. Um amigo meu montou uma pizzaria, chamou um consultor e ele disse algo que marcou: a mão do pizzaiolo pode quebrar a pizzaria. Ele pode ter uma mão grande demais e, na hora de fazer a pizza, colocar muito queijo. Não dá pra ser na base do chute, precisa ter um planejamento. Depois, tem a questão da presença digital.

Ela é obrigatória e muitos negócios surgem em lugares distantes. Ficam no meio do nada, mas chamam a atenção, tem fila, por conta da presença digital. Depende também de cada mercado. Quem está de olho em públicos mais novos, por exemplo, tem que ter Tik Tok, tem que ter Instagram.

Se for algo mais clássico, focado no público mais velho, tem que estar no Facebook também. E algo que a gente vê muito no Brasil é essa questão de montar um negócio que não tem alma. Não tem um capricho por trás. Ainda bem que temos uma nova geração de empreendedores autorais. Ele vai montar um negócio e tem um diferencial, uma preocupação, um cuidado. Tem uma nova geração de padarias autorais, cafeterias autorais.

Em um momento como este, em que é preciso se reconstruir depois de um período tão turbulento, ter atitude de empreendedor na gastronomia é importante?

Sim, muito. Antigamente, a gente não tinha experiência com empreendedores na gastronomia, já que a gastronomia era muito mais francesa, muito mais clássica. Mas hoje já temos nomes no setor, como o Rodrigo Oliveira, do Mocotó, ou o Jefferson Rueda, da Casa do Porco, que são inspiração para muitas pessoas. Às vezes, é inovar fazendo a tradição. O Rodrigo e o Jefferson inovaram no tradicional. A questão do empreender sempre foi importante e, agora, não dá pra ficar na média. E pior ainda: ser invisível. 

Quais ensinamentos do empreendedorismo valem para um chef, por exemplo?

Primeiro é o básico. Pode ser algo diferenciado, mas precisa ter primeiro a gestão. Senão mata esse diferencial. Vira um voo de galinha. É legal se preocupar com a diferenciação, mas também precisa pensar nos custos, no planejamento, na presença digital. Em paralelo, buscar referências e se tornar algo original. Não ficar fazendo dadinho de tapioca em todo lugar. É dadinho, dadinho, dadinho. Precisa ser uma comida que se transforme em rotina, que as pessoas tenham vontade de voltar. Precisamos de referências do mundo e do País.

  Foto: Divulgação

Durante a pandemia, muitos restaurantes entraram de cabeça no mundo digital para que os negócios continuassem funcionando. Acredita que isso mudou a mentalidade do setor?

Com certeza. Eu gosto do caso da Hamburgueria do Seu Oswaldo. Antes eles só aceitavam dinheiro. Depois começaram a aceitar débito. Agora, depois da pandemia, dá para fazer o pedido por WhatsApp e pagar por PIX. É algo simples e na ponta das tecnologias. Vale para o Seu Oswaldo e para a Telma Shiraishi, do Aizomê, que manda sushi por delivery. Isso antes era uma coisa horrorosa. No Brasil, restaurantes de alto nível aprenderam a lidar com o delivery, com os meios de pagamentos digitais. Foram empurrados para o século XXI.

E quem está começando agora? Afinal, o setor passou por esse período muito desafiador e está se refazendo. Tem dicas específicas para quem entra no mercado agora?

O momento é muito bom para empreender em gastronomia depois desse vendaval. É que nem Forrest Gump: o barco dele não foi afetado e, quando voltou, só ele tinha barco para pegar camarão. Começou a crescer, crescer, crescer. Muita gente tá chegando no pós-vendaval. Muitos restaurantes estão com fragilidade financeira, alguns se endividaram muito. Tem o grande desafio de fluxo de caixa.

Quem chega agora vem em um momento importante. As pessoas aprenderam a comer diferente, querem ter de novo a experiência de comer no presencial. Mas precisa ter planejamento e experimentar outras referências. Vai visitar os lugares, conversar com clientes. O Robinson Shiba, quando montou o China in Box, foi visitar todos restaurantes chineses. Falava com chefs, clientes e até com donos.

Quem comia comida chinesa? Como era aquela comida? Para quem vai empreender, temos ótimos programar para calcular fluxo de caixa, Senac tem cursos muito bons, escolas sofisticadas. Precisa experimentar antes, conversar com as pessoas. Só assim você consegue criar seu conceito e inspiração. E não só naquilo que você vai fazer, mas até em outros lugares, como ícones mais tradicionais, mais inovadores e referências. Vai abrir uma sorveteria? Vai na Damp, mais tradicional, e vai na Sorveteria do Centro, mais inovadora.

O sr. acha que o empreendedorismo será cada vez mais central na gastronomia? 

O desafio, no final do dia, é ter cliente e ter vendas para ter lucro. Muitas vezes, isso pode ser feito pela lógica do empreendedorismo mais inovador. Mas, em boa parte das coisas, não é inovação, é virar tradição. Pega a Cia Tradicional de Comércio, com Bráz Pizzaria e Lanchonete da Cidade. Eles foram muito felizes. Eles pegaram negócios tradicionais, mas tudo com um jeito diferente, um ambiente distinto do que se via em pizzarias e lanchonetes. Além disso, o desafio do empreendedor de gastronomia não deveria ser inovação constante. Você pode brilhar, mas a cobrança será constante. Você cai na armadilha de sempre fazer coisas novas. O desafio é criar algo que vire uma tradição.

Casal Rueda assina os novos cachorros-quentes da Lanchonete da Cidade Foto: Mauro Holanda

Acho que as principais referências gastronômicas são os restaurantes japoneses. No Japão, temos negócios com 500, 600 anos. Vai de geração pra geração. São sushis e temakis, mas fazem muito bem aquilo. A diferenciação é tão forte que acaba virando uma tradição. O desafio de quem vai empreender é virar tradição. É claro que vai colocar elementos e coisas novas. Mas você volta ao Mocotó pelo baião de dois, pelo dadinho de tapioca. A inovação é importante, mas não deveria ser escravo da inovação. Precisa buscar algo para as pessoas consumirem. Empreender, na gastronomia, é buscar ser 80% é tradição. Os outros 20% é a busca por algo mais diferente, que chame a atenção e atraia a curiosidade de mais pessoas.

A pandemia do novo coronavírus chacoalhou o setor de bares e restaurantes, jogando sombra nas operações do setor entre 2020 e 2021. De acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), foram mais de 300 mil estabelecimentos que fecharam as portas durante a pandemia. Os que ficaram, porém, ainda precisam lidar com dívidas, imprevisibilidade e incertezas sobre o cenário econômico, com alta da inflação.

Professor Marcelo Nakagawa, especializado em inovação e empreendedorismo Foto: Rafael Arbex/Estadão

Além disso, o setor não é mais o mesmo. Bares e restaurantes, por conta das regras de distanciamento, tiveram que entrar de cabeça em novas tecnologias e em plataformas de delivery. Muitas vezes, com isso, chefs e donos de restaurantes precisaram mudar até mesmo o modelo de negócios. Para especialistas, assim, a saída hoje é empreender: buscar novas formas de voltar ao mercado, reencontrar o público e chamar a atenção.

“A questão do empreender sempre foi importante e, agora, não dá pra ficar na média. E pior ainda: ser invisível.”, diz Marcelo Nakagawa, professor de inovação e empreendedorismo do Insper e coordenador adjunto da FAPESP nos programas de inovação. A seguir, confira a conversa com o professor sobre caminhos do empreendedorismo nas gastronomia.

Obentôs (tradicionais marmitas japonesas) do restaurante Aizomê. Foto: Rafael Salvador

Os restaurantes acabaram de passar por um momento muito difícil com a pandemia e, agora, estão em processo de retomada. O que o chef, empreendedor e dono de restaurante devem se atentar nesse período em termos de negócios?

Primeiro é o básico. É ter toda a questão de posicionamento e como se diferenciar do concorrente. Isso vale para a barraca de pastel na feira até o restaurante de alta gastronomia. Planejar o negócio do ponto de vista operacional: quem vai executar cada processo? E tem que ter planejamento financeiro. Calcular margem, por exemplo. Um amigo meu montou uma pizzaria, chamou um consultor e ele disse algo que marcou: a mão do pizzaiolo pode quebrar a pizzaria. Ele pode ter uma mão grande demais e, na hora de fazer a pizza, colocar muito queijo. Não dá pra ser na base do chute, precisa ter um planejamento. Depois, tem a questão da presença digital.

Ela é obrigatória e muitos negócios surgem em lugares distantes. Ficam no meio do nada, mas chamam a atenção, tem fila, por conta da presença digital. Depende também de cada mercado. Quem está de olho em públicos mais novos, por exemplo, tem que ter Tik Tok, tem que ter Instagram.

Se for algo mais clássico, focado no público mais velho, tem que estar no Facebook também. E algo que a gente vê muito no Brasil é essa questão de montar um negócio que não tem alma. Não tem um capricho por trás. Ainda bem que temos uma nova geração de empreendedores autorais. Ele vai montar um negócio e tem um diferencial, uma preocupação, um cuidado. Tem uma nova geração de padarias autorais, cafeterias autorais.

Em um momento como este, em que é preciso se reconstruir depois de um período tão turbulento, ter atitude de empreendedor na gastronomia é importante?

Sim, muito. Antigamente, a gente não tinha experiência com empreendedores na gastronomia, já que a gastronomia era muito mais francesa, muito mais clássica. Mas hoje já temos nomes no setor, como o Rodrigo Oliveira, do Mocotó, ou o Jefferson Rueda, da Casa do Porco, que são inspiração para muitas pessoas. Às vezes, é inovar fazendo a tradição. O Rodrigo e o Jefferson inovaram no tradicional. A questão do empreender sempre foi importante e, agora, não dá pra ficar na média. E pior ainda: ser invisível. 

Quais ensinamentos do empreendedorismo valem para um chef, por exemplo?

Primeiro é o básico. Pode ser algo diferenciado, mas precisa ter primeiro a gestão. Senão mata esse diferencial. Vira um voo de galinha. É legal se preocupar com a diferenciação, mas também precisa pensar nos custos, no planejamento, na presença digital. Em paralelo, buscar referências e se tornar algo original. Não ficar fazendo dadinho de tapioca em todo lugar. É dadinho, dadinho, dadinho. Precisa ser uma comida que se transforme em rotina, que as pessoas tenham vontade de voltar. Precisamos de referências do mundo e do País.

  Foto: Divulgação

Durante a pandemia, muitos restaurantes entraram de cabeça no mundo digital para que os negócios continuassem funcionando. Acredita que isso mudou a mentalidade do setor?

Com certeza. Eu gosto do caso da Hamburgueria do Seu Oswaldo. Antes eles só aceitavam dinheiro. Depois começaram a aceitar débito. Agora, depois da pandemia, dá para fazer o pedido por WhatsApp e pagar por PIX. É algo simples e na ponta das tecnologias. Vale para o Seu Oswaldo e para a Telma Shiraishi, do Aizomê, que manda sushi por delivery. Isso antes era uma coisa horrorosa. No Brasil, restaurantes de alto nível aprenderam a lidar com o delivery, com os meios de pagamentos digitais. Foram empurrados para o século XXI.

E quem está começando agora? Afinal, o setor passou por esse período muito desafiador e está se refazendo. Tem dicas específicas para quem entra no mercado agora?

O momento é muito bom para empreender em gastronomia depois desse vendaval. É que nem Forrest Gump: o barco dele não foi afetado e, quando voltou, só ele tinha barco para pegar camarão. Começou a crescer, crescer, crescer. Muita gente tá chegando no pós-vendaval. Muitos restaurantes estão com fragilidade financeira, alguns se endividaram muito. Tem o grande desafio de fluxo de caixa.

Quem chega agora vem em um momento importante. As pessoas aprenderam a comer diferente, querem ter de novo a experiência de comer no presencial. Mas precisa ter planejamento e experimentar outras referências. Vai visitar os lugares, conversar com clientes. O Robinson Shiba, quando montou o China in Box, foi visitar todos restaurantes chineses. Falava com chefs, clientes e até com donos.

Quem comia comida chinesa? Como era aquela comida? Para quem vai empreender, temos ótimos programar para calcular fluxo de caixa, Senac tem cursos muito bons, escolas sofisticadas. Precisa experimentar antes, conversar com as pessoas. Só assim você consegue criar seu conceito e inspiração. E não só naquilo que você vai fazer, mas até em outros lugares, como ícones mais tradicionais, mais inovadores e referências. Vai abrir uma sorveteria? Vai na Damp, mais tradicional, e vai na Sorveteria do Centro, mais inovadora.

O sr. acha que o empreendedorismo será cada vez mais central na gastronomia? 

O desafio, no final do dia, é ter cliente e ter vendas para ter lucro. Muitas vezes, isso pode ser feito pela lógica do empreendedorismo mais inovador. Mas, em boa parte das coisas, não é inovação, é virar tradição. Pega a Cia Tradicional de Comércio, com Bráz Pizzaria e Lanchonete da Cidade. Eles foram muito felizes. Eles pegaram negócios tradicionais, mas tudo com um jeito diferente, um ambiente distinto do que se via em pizzarias e lanchonetes. Além disso, o desafio do empreendedor de gastronomia não deveria ser inovação constante. Você pode brilhar, mas a cobrança será constante. Você cai na armadilha de sempre fazer coisas novas. O desafio é criar algo que vire uma tradição.

Casal Rueda assina os novos cachorros-quentes da Lanchonete da Cidade Foto: Mauro Holanda

Acho que as principais referências gastronômicas são os restaurantes japoneses. No Japão, temos negócios com 500, 600 anos. Vai de geração pra geração. São sushis e temakis, mas fazem muito bem aquilo. A diferenciação é tão forte que acaba virando uma tradição. O desafio de quem vai empreender é virar tradição. É claro que vai colocar elementos e coisas novas. Mas você volta ao Mocotó pelo baião de dois, pelo dadinho de tapioca. A inovação é importante, mas não deveria ser escravo da inovação. Precisa buscar algo para as pessoas consumirem. Empreender, na gastronomia, é buscar ser 80% é tradição. Os outros 20% é a busca por algo mais diferente, que chame a atenção e atraia a curiosidade de mais pessoas.

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