Se tem uma receita que merece status de universal, essa é a panqueca. À base de farinha de trigo, ovos, manteiga e açúcar, o preparo, que é simples de tudo, surge em inúmeras versões mundo afora. É protagonista de receitas icônicas, que vão desde a clássica crêpe suzette, na qual a massa de espessura fina é dobrada e imersa em suco de laranja e flambada com Grand Marnier, até o dorayaki, em que duas panquecas feitas com mel são entremeadas por um recheio, que pode ser o anko, doce de feijão azuki. Outros clássicos são os blinis, de origem russa, do tamanho de uma moeda, que servem de base a canapés, com coberturas como creme azedo, salmão defumado ou caviar.
Mas vamos combinar, uma das receitas que está no imaginário popular é aquela pilha de panquecas americanas, que marcam presença nos desenhos animados e filmes de Hollywood. Aliás, tem uma cena do filme Matilda (1996), em que a protagonista (Mara Wilson) prepara para si mesma panquecas altas e douradas. “Sempre que eu penso em panquecas me lembro dessa cena que marcou a minha infância”, conta o chef pâtissier Cesar Yukio, da confeitaria Hanami, na capital paulista.
Ele só foi aprender a receita depois de adulto, na casa de amigos numa viagem a Miami. Por lá, a panqueca é servida com um quadradinho de manteiga e besuntada pelo clássico maple syrup, ou xarope de bordo (à base da seiva extraída da ácer, uma árvore típica do Canadá). Mas pode ganhar outros complementos. “A panqueca faz o papel do pão no café da manhã. Eles a comem com ovos e bacon”, diz Yukio.
Atualmente, ele faz parte do programa U.S. Food Experience, do governo americano, e viaja duas a três vezes por ano aos EUA para dar aulas de confeitaria. Nessas incursões, Yukio visita redes como Denny’s e IHOP, especializadas nos breakfasts de lá. Mas não é preciso ir tão longe para saborear panquecas de qualquer país. Com algumas dicas, é possível ter em casa um resultado muito semelhante às versões originais.
Existem diversas versões da receita de panqueca americana, mas um dos principais ingredientes é o buttermilk, ou leitelho. Trata-se do soro que é extraído da produção da manteiga, que deixa a panqueca mais macia. “Em contato com o bicarbonato de sódio, o buttermilk causa uma reação que deixa a massa mais aerada. Isso vai garantir uma panqueca mais fofinha”, explica o chef pâtissier da Hanami Confeitaria. Porém, nem sempre é preciso usar o buttermilk para se obter um bom resultado. “Uma dica é substituir o buttermilk pelo iogurte, ou acrescentar vinagre branco ou suco de limão no leite”, sugere.
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O preparo é bem simples: basta misturar todos os ingredientes e aquecer a frigideira untada com alguma gordura, como manteiga ou óleo. Depois, é só encher uma concha com a massa e ir despejando-a no centro da frigideira, em fogo médio para baixo. E para saber se está na hora de virar a panqueca, tem um truque: “assim que a massa entra em contato com a frigideira quente, começam a formar umas bolhas grandes que estouram e são preenchidas pela massa crua imediatamente. Quando as bolhas ficam abertas, é hora de virar”, ensina Yukio.
Como o preço do xarope de bordo, juntamente com outros produtos importados, não está nada amigável, vale investir em outros acompanhamentos para a panqueca americana. É o caso do mel, por exemplo. Frutas em geral, como morango e manga, também combinam muito bem. “A minha combinação preferida é banana com mel”, conta Yukio. Outra dica é aproveitar o momento que a massa ainda está crua na frigideira para acrescentar pedacinhos de chocolate ou frutas como blueberry. Neste caso, vale abaixar o fogo e deixar o lado da panqueca com as frutas ou o chocolate o mínimo possível, para não queimar.
Sotaque japonês
As panquecas também marcam presença na confeitaria japonesa. Além do dorayaki, também é base do taiyaki, uma panqueca em formato de peixe que pode abrigar os mais diversos recheios. Outra versão que faz sucesso entre os japoneses é o hotto keki, uma panqueca tão alta e fofinha quanto um suflê, que costuma ser consumida quente nas cafeterias do Japão. “O segredo da estrutura está nas claras em neve batidas com açúcar até formar um merengue”, explica Yukio. Porém, o seu preparo não é dos mais simples. Diferentemente das outras panquecas, essa cozinha em fogo baixíssimo e a frigideira deve estar tampada. E quando pronta, não há tempo para esperar– é fazer e comer. Depois de alguns minutos, ela murcha tal qual um suflê.
Como a vertente ocidental da confeitaria japonesa, chamada de yogashi, tem como fonte de inspiração os clássicos doces franceses, o crepe também é muito consumido por lá. Assim como em Paris, no Japão também é muito comum encontrar crepes à venda pelas ruas, com recheios como chantilly, frutas e sorvete. “Em vez de dobrado, o crepe é enrolado como se fosse um temaki”, descreve Yukio. Outro clássico para se fazer com as panquecas francesas é o mille crepe, uma espécie de bolo no qual discos de massa são entremeados por chantilly, mas pode conter frutas ou chocolate. Sob encomenda, Cesar Yukio prepara a mille crepe nas versões com chantilly, matchá (chá verde) e chocolate (a partir de R$ 18, a fatia).
À francesa
Diferentemente da versão norte-americana, o crepe francês não leva nenhum tipo de fermento. A receita básica leva apenas farinha de trigo, ovos, leite, açúcar e manteiga, mas é possível incrementá-la de diversas formas. Uma delas é substituir uma parte da farinha de trigo por cacau em pó. “Para ficar com um sabor mais acentuado de chocolate, vale utilizar um cacau em pó que tenha entre 22 e 24% de gordura. Esse percentual, geralmente, se encontra nas versões importadas”, orienta Yukio.
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Também é possível substituir a manteiga da receita do crepe por manteiga noisette, como ensina o professor de confeitaria e panificação da Le Cordon Bleu São Paulo, Salvador Ariel Lettieri. “Basta aquecer a manteiga até ficar marrom. Isso vai gerar uma reação que vai deixar a manteiga com aroma de avelãs”, explica. Vez ou outra, o professortambém acrescenta Cointreau ou rum na massa do crepe. “Como a receita é mais básica, sempre vale incluir outros elementos para trazer uma camada a mais de sabor”, comenta Lettieri.
A massa do crepe é bem mais fluida do que a da panqueca americana. É isso que proporciona o disco de espessura fina. Para obter um resultado ainda melhor, Lettieri também sugere que a massa descanse de um dia para o outro. “Dessa forma, o açúcar dilui melhor e o crepe fica com um dourado mais bonito.” Na hora de prepará-las, a frigideira deve estar bem untada com manteiga e – por algum motivo desconhecido – o primeiro crepe sempre vai dar errado. Do segundo em diante, é importante tomar cuidado para que a massa não rasgue na hora de virar. “É só soltar os cantinhos e, com cuidado, levantar uma parte da massa. Com a mão sobre a parte da massa que está para cima, é só virar”, ensina Yukio.
Além do crepe, a França também é conhecida por outra panqueca, a galette, que é um clássico da região da Bretanha. Com massa à base de trigo sarraceno, a panqueca tem as pontas dobradas como se fossem um envelope, com parte do recheio à mostra. “É um prato principal, que permite inúmeros recheios, como presunto, cream cheese e queijo brie”, explica Lettiere.
Versão brasileira
Impossível não falar em panquecas sem lembrar daquela versão enrolada, no melhor estilo comida de mãe, com recheio de carne, cobertura de molho de tomate e queijo. A receita é um dos hits da vitrine das duas unidades da rotisserie Petit Comité, na capital paulista. E surge nas versões com recheio de carne moída (R$ 116, o quilo), além de frango e Catupiry (R$ 98, o quilo) – ambas servidas com molho ao sugo e parmesão. Outra versão é a panqueca de salmão com alho-poró (R$ 197, o quilo), que leva molho bechamel. “Fazem tanto sucesso, que eu preciso ter sempre algumas panquecas congeladas à pronta entrega”, conta a chef e banqueteira Rita Atrib.
Até hoje, Rita segue à risca a receita que aprendeu com a mãe, Nair. À base de farinha de trigo, ovos, óleo de milho, fermento em pó e sal, a massa é batida no liquidificador até ficar lisinha e com textura cremosa. Para evitar as temidas panquecas esburacadas, que mal seguram o recheio, Rita deixa a massa descansar antes de preparar as panquecas. “O ideal é aguardar uns 15 minutos”, ensina. E na hora de prepará-las na frigideira, untada com manteiga ou óleo, Rita tem um truque. Em vez de despejar a massa no centro da frigideira e movimentá-la de modo que se espalhe por todo o fundo, ela vai distribuindo a massa em filetes, de fora para o centro da frigideira. “Dessa forma, as panquecas ficam bem fininhas.”
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Com as panquecas prontas, é hora de rechear. Se a ideia é fazer um triângulo com a massa, é só colocar o recheio em uma das metades, dobrá-la ao meio e na outra metade. Mas se a ideia é fazer rolinhos, vale tomar alguns cuidados para que a panqueca se mantenha inteira e o recheio não escape. “Não coloque o recheio muito nas bordas e nem no meio da massa”, ensina Rita. Na hora de enrolar, vale deixar a panqueca bem justa, de modo que não haja espaço entre massa e recheio – assim você garante que a panqueca não vai abrir na hora de servir. Outra dica para o recheio não escapar é dobrar as laterais da massa da panqueca para dentro.
Outra questão que envolve o preparo da panqueca é o molho de tomate e o parmesão, que cobrem a massa antes dela ir ao forno para gratinar. Para que a panqueca não quebre ou perca a textura, Rita sugere não exagerar no molho na hora de levar ao forno. “Nesse caso, vale servir o molho à parte.”