Pão de forma vence preconceito e conquista espaço em padarias artesanais


Mais macios e ótimos para montar sanduíches, eles são feitos a partir de fermentação longa e dispensam conservantes e outros aditivos

Por Danielle Nagase

Quando abriu a Elmore Mountain Bread, em Vermont (EUA), Blair Marvin fez três promessas: não assar pães em assadeiras; não vender pães já fatiados; tampouco embalados em sacos plásticos (soou familiar?). Seus votos, que por mais de dez anos pareceram imutáveis, caíram por terra ao perceber que os coleguinhas de seu filho não comiam os sanduíches feitos com o pão de sua padaria. Para convencer pais e filhos a comer um bom pão artesanal, Marvin, assim como outros padeiros do coletivo ligado ao Bread Lab (famoso centro de pesquisas), passou a fabricar uma versão integral, orgânica e de fermentação natural, disfarçada de pão de forma industrializado, ou seja, macia, fatiada e vendida nos mercados locais dentro de, adivinhe, embalagens plásticas.

Pão de forma pode ser tão artesanal quanto as versões assadas direto no forno. Foto: Papoula Ribeiro

A reputação dos pães de forma não é, mesmo, das melhores entre padeiros e seus clientes. Culpa da lógica industrial, que reduziu drasticamente o tempo de preparo – para bem menos da metade, se comparado a uma receita de fermentação natural –, mas que, em compensação, pesou a mão no fermento, na gordura, no açúcar e noutra porção de ingredientes químicos indecifráveis, que inclui melhoradores de massa e conservantes. “Uma época extraordinariamente ruim para o pão”, cravou o jornalista e escritor Michael Pollan, no Cozinhar – Uma História Natural da Transformação, sobre o que chamou de “Era do Pão de Forma”.

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+ Como fazer pão de forma em casa

Por aqui, talvez por terem demorado a ocupar as prateleiras das micropadarias, há quem pense que pão artesanal é só aquele arredondado, de casca grossa e miolo alveolado, enquanto o pão de forma é, por regra, o industrializado e de qualidade duvidosa. Não à toa, virou um caso clássico de metonímia e passou a ser chamado pelo nome daquela marca famosa, sabe? “Mas não é bem assim. A forma é só um recipiente, um modo de assar. A qualidade do pão depende daquilo que você vai colocar na assadeira”, frisa a padeira Papoula Ribeiro, que faz questão de incluir versões de forma em seus cursos de panificação.

Claudia Rezende,da Zestzing, no Jardim Paulista, também levanta a bandeira dos pães de forma artesanais. Para chegar numa versão de casca delicada e miolo bem macio, “como se espera de um pão de forma”, desenvolveu uma receita multigrãos com 0,1% de fermento biológico, farinhas de trigo integral e branca, farinha de milho, aveia e açúcar mascavo. Apesar de trabalhar com fermentação natural, nesse caso específico – e após muitos testes –, Claudia dispensou o levain para ter um resultado menos rústico. “A fermentação longa é tão interessante quanto a natural, mas é preciso saber dosar o fermento e ter tempo para deixá-lo agir.” Trinta e seis horas, para ser mais precisa, entre o preparo do fermento (poolish) e o final da segunda fermentação. No portfólio da padaria, há também o pão de miga, clássico francês assado na forma.

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Pão de miga, da Zestzing. Foto: Michele Minerbo

Desde que abriu sua padaria, Iza Tavares já fazia pães de forma, mas em caráter não oficial, apenas atendendo a pedidos de alguns clientes. Com o tempo, foi colocando uma opção aqui, outra ali, até que eles entraram de vez na linha de produção. “Como são assados na forma, eles não criam aquela casca grossa característica, que muita gente é resistente. O brasileiro está acostumado a comer pães fofinhos. Além das versões industrializadas, tem a memória afetiva dos pães das avós”, comenta.

A depender das fornadas do dia, há chances de encontrar na IZA, na Vila Madalena, os concorridos pães de abóbora, de banana, de batata doce, e até o 100% integral, assados na forma. A receita, conta a padeira, é praticamente a mesma dos que são assados diretamente no forno. “Acrescentamos só um tiquinho de mel e de azeite de oliva para que a massa fique mais fofinha.”

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De olho nessa fatia do mercado, Iza – que é bastante purista e torce o nariz para aditivos químicos e conservantes – planeja lançar uma linha de pães de forma artesanais para vender em mercados. O projeto, adiado por conta da pandemia, deve sair do papel em breve. “Penso como uma saída para atingir o grande público com um produto bem feito, sem porcarias”, revela.

Sanduíche de cabo a rabo

Contido dentro dos limites da forma, o pão cresce e assa no formato certinho, o que permite tirar fatias simétricas, de mesmo tamanho, boas para montar um delicioso tostex caseiro – mas não só.

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Pão Hokkaido, macio e adocicado, da padeira Virgínia Oda. Foto: Adriana Lima

O pão Hokkaido da padeira Virgínia Oda, por exemplo, é base para uma porção de katsu sandos à venda na cidade – Amo-te Sando, Koya 88 e Quimera Sandwich & Co., nova marca de sanduíches dos sócios do bar Caledônia, estão na lista de clientes. Trata-se de um pão de forma japonês, macio e adocicado, que leva farinha de trigo, água, açúcar, leite em pó, manteiga e fermentos natural e biológico.

Além desse, Virgínia faz outros pães de forma, como o de fubá orgânico e o rústico, com farinha integral, que vende em fornadas esporádicas anunciadas pelo Instagram (@virginiaoda). No Instituto Feira Livre, às quintas e sábados, também é possível arrematá-los(há sempre uma opção de forma).

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Feitos como em casa, só que não

Com consumidores cada vez mais exigentes, até mesmo a grande indústria tem buscado se aproximar do fazer artesanal – seja por meio de frases românticas estampadas em embalagens bonitas, seja promovendo, de fato, mudanças consideráveis nas receitas e no modo de preparo de seus pães. A dica sempre é: cheque a lista de ingredientes (que pode variar de quatro a 16 itens). Tem marca famosa que aposta no slogan “Feito como em casa”, mas que põe na massa, além de farinha, água e sal, coisas como diglicerídeos de ácidos graxos, estearoil-2-lactil lactato de cálcio e carboximetilcelulose sódica (na despensa da sua casa tem esses ingredientes?).

É preciso reconhecer, porém, o papel do pão de forma produzido em escala industrial (e com prazo de validade estendido, graças ao uso de conservantes), que não só deu conta de alimentar populações urbanas inteiras, que cresciam rapidamente durante a Revolução Industrial, como faz até hoje – a um preço bem mais em conta que as versões artesanais, ainda restritas a uma pequena bolha gastronômica. 

Quando abriu a Elmore Mountain Bread, em Vermont (EUA), Blair Marvin fez três promessas: não assar pães em assadeiras; não vender pães já fatiados; tampouco embalados em sacos plásticos (soou familiar?). Seus votos, que por mais de dez anos pareceram imutáveis, caíram por terra ao perceber que os coleguinhas de seu filho não comiam os sanduíches feitos com o pão de sua padaria. Para convencer pais e filhos a comer um bom pão artesanal, Marvin, assim como outros padeiros do coletivo ligado ao Bread Lab (famoso centro de pesquisas), passou a fabricar uma versão integral, orgânica e de fermentação natural, disfarçada de pão de forma industrializado, ou seja, macia, fatiada e vendida nos mercados locais dentro de, adivinhe, embalagens plásticas.

Pão de forma pode ser tão artesanal quanto as versões assadas direto no forno. Foto: Papoula Ribeiro

A reputação dos pães de forma não é, mesmo, das melhores entre padeiros e seus clientes. Culpa da lógica industrial, que reduziu drasticamente o tempo de preparo – para bem menos da metade, se comparado a uma receita de fermentação natural –, mas que, em compensação, pesou a mão no fermento, na gordura, no açúcar e noutra porção de ingredientes químicos indecifráveis, que inclui melhoradores de massa e conservantes. “Uma época extraordinariamente ruim para o pão”, cravou o jornalista e escritor Michael Pollan, no Cozinhar – Uma História Natural da Transformação, sobre o que chamou de “Era do Pão de Forma”.

+ Como fazer pão de forma em casa

Por aqui, talvez por terem demorado a ocupar as prateleiras das micropadarias, há quem pense que pão artesanal é só aquele arredondado, de casca grossa e miolo alveolado, enquanto o pão de forma é, por regra, o industrializado e de qualidade duvidosa. Não à toa, virou um caso clássico de metonímia e passou a ser chamado pelo nome daquela marca famosa, sabe? “Mas não é bem assim. A forma é só um recipiente, um modo de assar. A qualidade do pão depende daquilo que você vai colocar na assadeira”, frisa a padeira Papoula Ribeiro, que faz questão de incluir versões de forma em seus cursos de panificação.

Claudia Rezende,da Zestzing, no Jardim Paulista, também levanta a bandeira dos pães de forma artesanais. Para chegar numa versão de casca delicada e miolo bem macio, “como se espera de um pão de forma”, desenvolveu uma receita multigrãos com 0,1% de fermento biológico, farinhas de trigo integral e branca, farinha de milho, aveia e açúcar mascavo. Apesar de trabalhar com fermentação natural, nesse caso específico – e após muitos testes –, Claudia dispensou o levain para ter um resultado menos rústico. “A fermentação longa é tão interessante quanto a natural, mas é preciso saber dosar o fermento e ter tempo para deixá-lo agir.” Trinta e seis horas, para ser mais precisa, entre o preparo do fermento (poolish) e o final da segunda fermentação. No portfólio da padaria, há também o pão de miga, clássico francês assado na forma.

Pão de miga, da Zestzing. Foto: Michele Minerbo

Desde que abriu sua padaria, Iza Tavares já fazia pães de forma, mas em caráter não oficial, apenas atendendo a pedidos de alguns clientes. Com o tempo, foi colocando uma opção aqui, outra ali, até que eles entraram de vez na linha de produção. “Como são assados na forma, eles não criam aquela casca grossa característica, que muita gente é resistente. O brasileiro está acostumado a comer pães fofinhos. Além das versões industrializadas, tem a memória afetiva dos pães das avós”, comenta.

A depender das fornadas do dia, há chances de encontrar na IZA, na Vila Madalena, os concorridos pães de abóbora, de banana, de batata doce, e até o 100% integral, assados na forma. A receita, conta a padeira, é praticamente a mesma dos que são assados diretamente no forno. “Acrescentamos só um tiquinho de mel e de azeite de oliva para que a massa fique mais fofinha.”

De olho nessa fatia do mercado, Iza – que é bastante purista e torce o nariz para aditivos químicos e conservantes – planeja lançar uma linha de pães de forma artesanais para vender em mercados. O projeto, adiado por conta da pandemia, deve sair do papel em breve. “Penso como uma saída para atingir o grande público com um produto bem feito, sem porcarias”, revela.

Sanduíche de cabo a rabo

Contido dentro dos limites da forma, o pão cresce e assa no formato certinho, o que permite tirar fatias simétricas, de mesmo tamanho, boas para montar um delicioso tostex caseiro – mas não só.

Pão Hokkaido, macio e adocicado, da padeira Virgínia Oda. Foto: Adriana Lima

O pão Hokkaido da padeira Virgínia Oda, por exemplo, é base para uma porção de katsu sandos à venda na cidade – Amo-te Sando, Koya 88 e Quimera Sandwich & Co., nova marca de sanduíches dos sócios do bar Caledônia, estão na lista de clientes. Trata-se de um pão de forma japonês, macio e adocicado, que leva farinha de trigo, água, açúcar, leite em pó, manteiga e fermentos natural e biológico.

Além desse, Virgínia faz outros pães de forma, como o de fubá orgânico e o rústico, com farinha integral, que vende em fornadas esporádicas anunciadas pelo Instagram (@virginiaoda). No Instituto Feira Livre, às quintas e sábados, também é possível arrematá-los(há sempre uma opção de forma).

Feitos como em casa, só que não

Com consumidores cada vez mais exigentes, até mesmo a grande indústria tem buscado se aproximar do fazer artesanal – seja por meio de frases românticas estampadas em embalagens bonitas, seja promovendo, de fato, mudanças consideráveis nas receitas e no modo de preparo de seus pães. A dica sempre é: cheque a lista de ingredientes (que pode variar de quatro a 16 itens). Tem marca famosa que aposta no slogan “Feito como em casa”, mas que põe na massa, além de farinha, água e sal, coisas como diglicerídeos de ácidos graxos, estearoil-2-lactil lactato de cálcio e carboximetilcelulose sódica (na despensa da sua casa tem esses ingredientes?).

É preciso reconhecer, porém, o papel do pão de forma produzido em escala industrial (e com prazo de validade estendido, graças ao uso de conservantes), que não só deu conta de alimentar populações urbanas inteiras, que cresciam rapidamente durante a Revolução Industrial, como faz até hoje – a um preço bem mais em conta que as versões artesanais, ainda restritas a uma pequena bolha gastronômica. 

Quando abriu a Elmore Mountain Bread, em Vermont (EUA), Blair Marvin fez três promessas: não assar pães em assadeiras; não vender pães já fatiados; tampouco embalados em sacos plásticos (soou familiar?). Seus votos, que por mais de dez anos pareceram imutáveis, caíram por terra ao perceber que os coleguinhas de seu filho não comiam os sanduíches feitos com o pão de sua padaria. Para convencer pais e filhos a comer um bom pão artesanal, Marvin, assim como outros padeiros do coletivo ligado ao Bread Lab (famoso centro de pesquisas), passou a fabricar uma versão integral, orgânica e de fermentação natural, disfarçada de pão de forma industrializado, ou seja, macia, fatiada e vendida nos mercados locais dentro de, adivinhe, embalagens plásticas.

Pão de forma pode ser tão artesanal quanto as versões assadas direto no forno. Foto: Papoula Ribeiro

A reputação dos pães de forma não é, mesmo, das melhores entre padeiros e seus clientes. Culpa da lógica industrial, que reduziu drasticamente o tempo de preparo – para bem menos da metade, se comparado a uma receita de fermentação natural –, mas que, em compensação, pesou a mão no fermento, na gordura, no açúcar e noutra porção de ingredientes químicos indecifráveis, que inclui melhoradores de massa e conservantes. “Uma época extraordinariamente ruim para o pão”, cravou o jornalista e escritor Michael Pollan, no Cozinhar – Uma História Natural da Transformação, sobre o que chamou de “Era do Pão de Forma”.

+ Como fazer pão de forma em casa

Por aqui, talvez por terem demorado a ocupar as prateleiras das micropadarias, há quem pense que pão artesanal é só aquele arredondado, de casca grossa e miolo alveolado, enquanto o pão de forma é, por regra, o industrializado e de qualidade duvidosa. Não à toa, virou um caso clássico de metonímia e passou a ser chamado pelo nome daquela marca famosa, sabe? “Mas não é bem assim. A forma é só um recipiente, um modo de assar. A qualidade do pão depende daquilo que você vai colocar na assadeira”, frisa a padeira Papoula Ribeiro, que faz questão de incluir versões de forma em seus cursos de panificação.

Claudia Rezende,da Zestzing, no Jardim Paulista, também levanta a bandeira dos pães de forma artesanais. Para chegar numa versão de casca delicada e miolo bem macio, “como se espera de um pão de forma”, desenvolveu uma receita multigrãos com 0,1% de fermento biológico, farinhas de trigo integral e branca, farinha de milho, aveia e açúcar mascavo. Apesar de trabalhar com fermentação natural, nesse caso específico – e após muitos testes –, Claudia dispensou o levain para ter um resultado menos rústico. “A fermentação longa é tão interessante quanto a natural, mas é preciso saber dosar o fermento e ter tempo para deixá-lo agir.” Trinta e seis horas, para ser mais precisa, entre o preparo do fermento (poolish) e o final da segunda fermentação. No portfólio da padaria, há também o pão de miga, clássico francês assado na forma.

Pão de miga, da Zestzing. Foto: Michele Minerbo

Desde que abriu sua padaria, Iza Tavares já fazia pães de forma, mas em caráter não oficial, apenas atendendo a pedidos de alguns clientes. Com o tempo, foi colocando uma opção aqui, outra ali, até que eles entraram de vez na linha de produção. “Como são assados na forma, eles não criam aquela casca grossa característica, que muita gente é resistente. O brasileiro está acostumado a comer pães fofinhos. Além das versões industrializadas, tem a memória afetiva dos pães das avós”, comenta.

A depender das fornadas do dia, há chances de encontrar na IZA, na Vila Madalena, os concorridos pães de abóbora, de banana, de batata doce, e até o 100% integral, assados na forma. A receita, conta a padeira, é praticamente a mesma dos que são assados diretamente no forno. “Acrescentamos só um tiquinho de mel e de azeite de oliva para que a massa fique mais fofinha.”

De olho nessa fatia do mercado, Iza – que é bastante purista e torce o nariz para aditivos químicos e conservantes – planeja lançar uma linha de pães de forma artesanais para vender em mercados. O projeto, adiado por conta da pandemia, deve sair do papel em breve. “Penso como uma saída para atingir o grande público com um produto bem feito, sem porcarias”, revela.

Sanduíche de cabo a rabo

Contido dentro dos limites da forma, o pão cresce e assa no formato certinho, o que permite tirar fatias simétricas, de mesmo tamanho, boas para montar um delicioso tostex caseiro – mas não só.

Pão Hokkaido, macio e adocicado, da padeira Virgínia Oda. Foto: Adriana Lima

O pão Hokkaido da padeira Virgínia Oda, por exemplo, é base para uma porção de katsu sandos à venda na cidade – Amo-te Sando, Koya 88 e Quimera Sandwich & Co., nova marca de sanduíches dos sócios do bar Caledônia, estão na lista de clientes. Trata-se de um pão de forma japonês, macio e adocicado, que leva farinha de trigo, água, açúcar, leite em pó, manteiga e fermentos natural e biológico.

Além desse, Virgínia faz outros pães de forma, como o de fubá orgânico e o rústico, com farinha integral, que vende em fornadas esporádicas anunciadas pelo Instagram (@virginiaoda). No Instituto Feira Livre, às quintas e sábados, também é possível arrematá-los(há sempre uma opção de forma).

Feitos como em casa, só que não

Com consumidores cada vez mais exigentes, até mesmo a grande indústria tem buscado se aproximar do fazer artesanal – seja por meio de frases românticas estampadas em embalagens bonitas, seja promovendo, de fato, mudanças consideráveis nas receitas e no modo de preparo de seus pães. A dica sempre é: cheque a lista de ingredientes (que pode variar de quatro a 16 itens). Tem marca famosa que aposta no slogan “Feito como em casa”, mas que põe na massa, além de farinha, água e sal, coisas como diglicerídeos de ácidos graxos, estearoil-2-lactil lactato de cálcio e carboximetilcelulose sódica (na despensa da sua casa tem esses ingredientes?).

É preciso reconhecer, porém, o papel do pão de forma produzido em escala industrial (e com prazo de validade estendido, graças ao uso de conservantes), que não só deu conta de alimentar populações urbanas inteiras, que cresciam rapidamente durante a Revolução Industrial, como faz até hoje – a um preço bem mais em conta que as versões artesanais, ainda restritas a uma pequena bolha gastronômica. 

Quando abriu a Elmore Mountain Bread, em Vermont (EUA), Blair Marvin fez três promessas: não assar pães em assadeiras; não vender pães já fatiados; tampouco embalados em sacos plásticos (soou familiar?). Seus votos, que por mais de dez anos pareceram imutáveis, caíram por terra ao perceber que os coleguinhas de seu filho não comiam os sanduíches feitos com o pão de sua padaria. Para convencer pais e filhos a comer um bom pão artesanal, Marvin, assim como outros padeiros do coletivo ligado ao Bread Lab (famoso centro de pesquisas), passou a fabricar uma versão integral, orgânica e de fermentação natural, disfarçada de pão de forma industrializado, ou seja, macia, fatiada e vendida nos mercados locais dentro de, adivinhe, embalagens plásticas.

Pão de forma pode ser tão artesanal quanto as versões assadas direto no forno. Foto: Papoula Ribeiro

A reputação dos pães de forma não é, mesmo, das melhores entre padeiros e seus clientes. Culpa da lógica industrial, que reduziu drasticamente o tempo de preparo – para bem menos da metade, se comparado a uma receita de fermentação natural –, mas que, em compensação, pesou a mão no fermento, na gordura, no açúcar e noutra porção de ingredientes químicos indecifráveis, que inclui melhoradores de massa e conservantes. “Uma época extraordinariamente ruim para o pão”, cravou o jornalista e escritor Michael Pollan, no Cozinhar – Uma História Natural da Transformação, sobre o que chamou de “Era do Pão de Forma”.

+ Como fazer pão de forma em casa

Por aqui, talvez por terem demorado a ocupar as prateleiras das micropadarias, há quem pense que pão artesanal é só aquele arredondado, de casca grossa e miolo alveolado, enquanto o pão de forma é, por regra, o industrializado e de qualidade duvidosa. Não à toa, virou um caso clássico de metonímia e passou a ser chamado pelo nome daquela marca famosa, sabe? “Mas não é bem assim. A forma é só um recipiente, um modo de assar. A qualidade do pão depende daquilo que você vai colocar na assadeira”, frisa a padeira Papoula Ribeiro, que faz questão de incluir versões de forma em seus cursos de panificação.

Claudia Rezende,da Zestzing, no Jardim Paulista, também levanta a bandeira dos pães de forma artesanais. Para chegar numa versão de casca delicada e miolo bem macio, “como se espera de um pão de forma”, desenvolveu uma receita multigrãos com 0,1% de fermento biológico, farinhas de trigo integral e branca, farinha de milho, aveia e açúcar mascavo. Apesar de trabalhar com fermentação natural, nesse caso específico – e após muitos testes –, Claudia dispensou o levain para ter um resultado menos rústico. “A fermentação longa é tão interessante quanto a natural, mas é preciso saber dosar o fermento e ter tempo para deixá-lo agir.” Trinta e seis horas, para ser mais precisa, entre o preparo do fermento (poolish) e o final da segunda fermentação. No portfólio da padaria, há também o pão de miga, clássico francês assado na forma.

Pão de miga, da Zestzing. Foto: Michele Minerbo

Desde que abriu sua padaria, Iza Tavares já fazia pães de forma, mas em caráter não oficial, apenas atendendo a pedidos de alguns clientes. Com o tempo, foi colocando uma opção aqui, outra ali, até que eles entraram de vez na linha de produção. “Como são assados na forma, eles não criam aquela casca grossa característica, que muita gente é resistente. O brasileiro está acostumado a comer pães fofinhos. Além das versões industrializadas, tem a memória afetiva dos pães das avós”, comenta.

A depender das fornadas do dia, há chances de encontrar na IZA, na Vila Madalena, os concorridos pães de abóbora, de banana, de batata doce, e até o 100% integral, assados na forma. A receita, conta a padeira, é praticamente a mesma dos que são assados diretamente no forno. “Acrescentamos só um tiquinho de mel e de azeite de oliva para que a massa fique mais fofinha.”

De olho nessa fatia do mercado, Iza – que é bastante purista e torce o nariz para aditivos químicos e conservantes – planeja lançar uma linha de pães de forma artesanais para vender em mercados. O projeto, adiado por conta da pandemia, deve sair do papel em breve. “Penso como uma saída para atingir o grande público com um produto bem feito, sem porcarias”, revela.

Sanduíche de cabo a rabo

Contido dentro dos limites da forma, o pão cresce e assa no formato certinho, o que permite tirar fatias simétricas, de mesmo tamanho, boas para montar um delicioso tostex caseiro – mas não só.

Pão Hokkaido, macio e adocicado, da padeira Virgínia Oda. Foto: Adriana Lima

O pão Hokkaido da padeira Virgínia Oda, por exemplo, é base para uma porção de katsu sandos à venda na cidade – Amo-te Sando, Koya 88 e Quimera Sandwich & Co., nova marca de sanduíches dos sócios do bar Caledônia, estão na lista de clientes. Trata-se de um pão de forma japonês, macio e adocicado, que leva farinha de trigo, água, açúcar, leite em pó, manteiga e fermentos natural e biológico.

Além desse, Virgínia faz outros pães de forma, como o de fubá orgânico e o rústico, com farinha integral, que vende em fornadas esporádicas anunciadas pelo Instagram (@virginiaoda). No Instituto Feira Livre, às quintas e sábados, também é possível arrematá-los(há sempre uma opção de forma).

Feitos como em casa, só que não

Com consumidores cada vez mais exigentes, até mesmo a grande indústria tem buscado se aproximar do fazer artesanal – seja por meio de frases românticas estampadas em embalagens bonitas, seja promovendo, de fato, mudanças consideráveis nas receitas e no modo de preparo de seus pães. A dica sempre é: cheque a lista de ingredientes (que pode variar de quatro a 16 itens). Tem marca famosa que aposta no slogan “Feito como em casa”, mas que põe na massa, além de farinha, água e sal, coisas como diglicerídeos de ácidos graxos, estearoil-2-lactil lactato de cálcio e carboximetilcelulose sódica (na despensa da sua casa tem esses ingredientes?).

É preciso reconhecer, porém, o papel do pão de forma produzido em escala industrial (e com prazo de validade estendido, graças ao uso de conservantes), que não só deu conta de alimentar populações urbanas inteiras, que cresciam rapidamente durante a Revolução Industrial, como faz até hoje – a um preço bem mais em conta que as versões artesanais, ainda restritas a uma pequena bolha gastronômica. 

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