Ao dar uma olhada nos números do pãozinho francês no Brasil, é natural levar um susto. Afinal, esse alimento tão central na mesa dos brasileiros movimenta uma indústria gigantesca: de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP), são vendidos diariamente 25 milhões de pães em São Paulo e, pelo Brasil, são mais de 70 mil padarias. Não é à toa que 21 de março se tornou o dia oficial do Pão Francês.
“Ao longo da existência do pão, tivemos muitas variações. Tivemos o bengala, o mini-bengala. Mas foi o pãozinho francês que caiu no gosto do brasileiro”, diz Rui Gonçalves, presidente do Sampapão, que representa o segmento de panificação e confeitaria de São Paulo. “Tem o tamanho ideal, fica gostoso quando passa manteiga. Não existe sanduíche sem pão ou um pão com manteiga sem o pão francês. Fazer numa ciabatta não é a mesma coisa. Caiu no gosto do brasileiro e não tem volta”.
Até hoje, porém, sua história é um tanto quanto nebulosa. Já havia costume de fazer pão em terras brasileiras, mas foi nos anos 1920 que a agroindústria nacional começou a se desenvolver. Acredita-se que, neste momento, a elite que viajava para a Europa importou um pãozinho pequeno que era feito, em Paris, com casca dourada – um precursor da baguete. Aos poucos, os padeiros empregaram conhecimentos daqui para adaptá-lo.
Dominadas por famílias portuguesas, as padarias adicionaram açúcar e gordura na água, farinha e sal. Enquanto isso, o fermento natural foi substituído pelo biológico para agilizar.
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“Antes da Guerra, os franceses tinham esse pão menor, não a baguete. Hoje em dia, não tem mais e a baguete se tornou o pão mais tradicional”, conta Helena Mil-Homens, padeira da St. Chico e que estudou panificação na França, o suposto berço do pão francês. “Quando os brasileiros começaram a frequentar a Europa, voltaram pra cá com isso na cabeça. Deu certo, caiu no gosto, principalmente nas regiões sul e sudeste”.
Transformação do pãozinho
Hoje, porém, o pãozinho está com outra cara e até anda com a qualidade em queda. Hoje em dia, padarias estão usando uma pré-mistura (4% de proteína) para elaborar o pão francês, que conta ainda com aditivos químicos e anti-mofo. Além disso, tem um alto teor de sódio para estruturar a massa e muito fermento para acelerar a fermentação. O que gera um pão nada nutritivo e de difícil digestão causando estufamento gástrico.
Para se ter uma ideia, a melhor farinha nacional do mercado vem com 9% de proteína e, em algumas padarias, como a Sagrado Boulangerie, a fermentação tem duração média de 18h.
“Ele é um produto de alimentação básica e, por isso, busca-se um custo baixo. Em função disso, a maioria das padarias utiliza essa pré-mistura”, conta Fábio Freitas, proprietário da Sagrado Boulangerie. “A gente não utiliza esse tipo de ingrediente. São produtos desenvolvidos através da seleção de um a um dos insumos, fazendo a seleção da melhor farinha. Nós buscamos o melhor sabor do pãozinho francês aliado com uma boa alimentação”.
Ao ser questionado sobre a qualidade dos pães franceses no Brasil, a partir dessa pré-mistura, Rui Gonçalves, da Sampapão, afirma que há outros "ingredientes" importantes no preparo. "Costumo brincar que o bom pão francês é aquele feito com amor", diz o representantes dos padeiros. Ele precisa ser bem assado, ter uma pestana bonita e ter a felicidade de crescer no tamanho certo".
Para reconhecer um bom pão, algumas dicas. Primeiramente, ele deve ser simétrico, suavemente oval, e resiliente - quando pressionado, precisa voltar à forma original. Além disso, a casquinha precisa ser dourada e brilhante. Já o miolo deve ser branco, sem manchas, com textura macia e elástica. Por fim, o sabor deve ser delicado, levemente ácido e um pouco doce, sem nunca puxar demais para um salgado exagerado ou com gordura.
Reinado ameaçado?
Com essa queda na qualidade do pãozinho, degradado com a pré-mistura, questiona-se se não há espaço para algum outro tipo de pão crescer no cenário da panificação no Brasil.
No entanto, empreendedores, padeiros e especialistas afirmam: o reinado do pãozinho ainda é absoluto. “As pessoas começam a buscar alternativas”, continua Fábio, da Sagrado Boulangerie. “Por outro lado, o pão francês representa mais de 50% desse mercado de panificação. É muito difícil, a curto e médio prazo, conseguir fazer com que o pão francês não esteja entre os 3 ou 4 itens na panificação. Ele está associado ao alimento básico”.
Além disso, há algo que vai além: a tradição. “As pessoas gostam de ir comprar o pão. Gostam de ir na fila, cumprimentar a mocinha do balcão. É uma rotina”, diz Helena Mil-Homens, da St. Chico. Segundo ela, o que está mudando é que as pessoa querem saber mais como aquele pão chega até elas. “As pessoas perguntam o que a gente coloca no pão e falamos que na verdade tiramos coisas. Elas ficam felizes em saber que é um pão feito mais como antigamente. Tem muito da saudabilidade e tem uma hipsterização da coisa, que é bem-vindo no mercado, de conhecer o padeiro e testar várias padarias”