Até bem pouco tempo, o mel fabricado pelas abelhas nativas brasileiras e sem ferrão, as Meliponas, nem podia ser chamado de mel, uma vez que é muito mais viscoso que o mel das abelhas Apis mellifera (as abelhas-europeias, aquelas amarelas e pretas com ferrão) e não era reconhecido como mel pela legislação que trata de produtos de origem animal. Mas depois de cair no gosto de chefs brasileiros, essas abelhas emplacaram não só o seu mel, como agora também o pólen, que entrou em algumas das cozinhas mais inovadoras e criativas do País.
Não pense nos pequenos grãos dourados vendidos em lojas de produtos naturais como superfood. O visual é outro, pastoso e disforme, em cores que vão do dourado ao preto. E o lance aqui não é nutrição, mas o sabor, a complexidade e a versatilidade desse ingrediente.
Seu principal atrativo é a altíssima acidez, além de certa doçura e um toque floral. Isso porque as 240 espécies de Meliponas que existem no País processam o que coletam. Ao levar para suas colônias as abelhas secretam no pólen uma enzima, como se fosse saliva.
E isso desencadeia um processo de fermentação acética, que concede ao produto um quê de vinagre. Como resultado, tem-se então um produto “vivo”, uma pasta granulada que lembra mostarda e que anda fazendo as vezes dela na composição de receitas salgadas e sobremesas. Nos restaurantes, o pólen vem sendo usado diretamente nos pratos ou diluído em ingredientes como azeites, leites, maioneses e infusões.
A descoberta dos chefs é recente, mas os Tupiniquins e Guaranis, de Aracruz (ES), que fornecem o pólen da marca Tupyguá para alguns dos restaurantes de São Paulo, consomem o produto há séculos. Ao conhecer o produto, o especialista Jerônimo Villas-Bôas, que trabalha para fortalecer as cadeias produtivas de mel de abelhas nativas, foi capturado por sua característica acética e resolveu usá-lo na salada de casa, criando uma espécie de vinagrete de pólen. Teve outras ideias e percebeu que o melhor seria entregá-lo à criatividade dos cozinheiros profissionais. “O contato com restaurantes foi fruto de uma colheita experimental”, explica Villas-Bôas.
A safra deste ano somou 20 quilos de pólen da abelha Uruçu-Amarela. Parte foi enviada aos cozinheiros, parte da produção foi comprada e o restante está sendo envasado em frascos de 50 gramas para chegar ao mercado. O pólen será vendido no box do Instituto Atá, no Mercado de Pinheiros, até o fim do ano. “É um produto de safra, colhido em março ou abril. Mas há um processo de beneficiamento, de desidratação e granulação, e portanto fica pronto para o mercado um tempo depois”, diz Jerônimo.
O primeiro contato de Eugenio Basile, da Mbee, que também fornece pólen a restaurantes, foi um suco. “Provei, achei uma maravilha, comprei a primeira vez. Descobrimos um potencial gastronômico gigante e resolvemos oferecer aos chefs”, ele conta. Segundo ele, há pólens e pólens. “O pólen de abelha nativa é algo fora do comum, com muita personalidade – para o bem e para o mal. Tem uns incríveis, outros não têm pegada”, conta Eugenio que vende pouquíssimo o ingrediente a cozinheiro amadores. A Mbee trabalha com méis e pólens de todo o Brasil. Vem de Sauípe, na Bahia, o pólen que faz mais sucesso. O frasco com 40 g custa R$ 52.
“Não é barato e nem pode ser. Deve ser usado com cautela porque é um alimento importante para as abelhas”, afirma o chef Ivan Ralston, do Tuju. Ele é um dos maiores entusiastas do pólen, que usa cirurgicamente. Hoje, tem em cartaz uma beterraba amarela com iogurte de coco e pólen de Uruçu-Amarela. Para o menu da primavera, planeja usá-lo no preparo de um coelho. “Pensei na semelhança com a mostarda, clássico par do coelho”, conta. “O pólen dá um toque diferente. É mais floral, mais delicado, não tem aquela potência absurda da mostarda, é mais elegante. Fora que é difícil encontrar bons grãos para fazer a mostarda na cozinha.”
O chef Victor Dimitrow, do Petí, realizou um jantar na semana passada, em que méis e diferentes pólens foram as estrelas. Ele já conhecia o pólen de abelha Apis, que aprecia por sua crocância e aroma floral. Mas no jantar usou pela primeira vez o de abelha nativa, que entrou na composição de uma costela de javali. “Poderia ter usado o pólen em quase tudo. Vai bem com sobremesa, com chocolate, é muito versátil.”
Bel Coelho, do Clandestino, também é entusiasta. Já fez bombom de pólen e chocolate, caramelo de pólen, usou o produto em tapiocas. “Gosto especialmente da acidez, que dá muita complexidade aos preparos. Não é fácil de conseguir e nem é um alimento de gosto acessível. Mas é justamente essa complexidade que o deixa interessante na composição de um prato.”
MEL DO XINGU
Na última semana, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) entregou um prêmio à Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) pela autocertificação orgânica do Mel dos Índios do Xingu. O produto envolve cem apicultores de 39 aldeias dos povos Yudjá, Kawaiwete, Kisêdjê e Ikpeng. A certificação orgânica sempre foi um desafio para os povos do Xingu, uma vez que custa caro e tem regras que não levam em conta particularidades dos indígenas.