Quais os melhores shoyus do mercado? ‘Paladar’ testou 10 marcas


Confira o resultado da degustação às cegas, que avaliou amostras nacionais e importadas do molho de soja fermentado

Por Danielle Nagase
Atualização:

Encher o nozoki (aquele pratinho) de shoyu, até formar uma piscininha, e mergulhar a fatia de peixe de cru, por vezes dos dois lados, antes de levá-la à boca. Se você já protagonizou essa cena, saiba que ela é considerada de filme de terror para a maioria dos sushimen de restaurantes tradicionais. Feito de maneira muito cuidadosa no Japão, o molho fermentado de soja é um tempero precioso, que não deveria ser desperdiçado. Fora que a ideia não é deixar tudo com gosto de shoyu. “Ele é um condimento que deve ser usado para complementar o sabor dos demais ingredientes. Molhar só a pontinha do sashimi já é suficiente”, explica a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa em 2019.

Receita tradicional do molho inclui soja, às vezes trigo, sal e água, e demora um ano e meio para ficar pronta. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Indispensável na culinária japonesa, chinesa e de outros países do leste asiático, trata-se de um líquido salgado e escuro, de sabor profundo, produzido há milhares de anos lá do outro lado do mundo. Aqui no Brasil, onde também se popularizou, quase não se encontram versões artesanais de shoyu, mas há boas marcas disponíveis no mercado, que seguem a cartilha milenar de preparo. Para se ter uma ideia, a produção desse molho requer pelo menos um ano e meio – ou dois verões, para ser mais romântico – de passagem pelos tanques de fermentação. Mas é claro que a indústria já encontrou um jeitinho de acelerar esse processo.

A escolha não é fácil, principalmente quando entram opções importadas entre as alternativas. Você sabe ler os alfabetos japoneses? Pois para escolher as amostras da degustação promovida pelo Paladar, a repórter que vos fala arriscou traduzir os rótulos encontrados no mercado oriental, confiante com os seis meses de aulas de japonês praticadas lá em 2005. Comecei pela palavra maior – e com a ajuda da tabela buscada na internet, decifrei as sílabas “sho”, “u” e “yu”. Junta tudo, o que dá? Shoyu. Dez minutos (dez-mi-nu-tos) para descobrir o que eu já sabia.

Amostras foram enviadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Felizmente, há outras formas de direcionar a compra. Atrás das embalagens, na etiqueta colada pelas importadoras, observe a lista de ingredientes. Tenha em mente: a receita básica leva soja, por vezes trigo, sal e água – mas, principalmente nas versões nacionais, prepare-se para encontrar também milho, xarope de açúcar, corantes, realçadores de sabor e outro sem-fim de ingredientes indecifráveis pela grande maioria dos consumidores, usados para conservar, baratear custos, além de agregar sabores e aromas inalcançados num processo acelerado de fermentação. Já o trigo, a saber, contribui dando “maior profundidade e complexidade ao sabor do molho de soja”, como explica Sandor Katz, o guru dos fermentados, no livro A Arte da Fermentação.

Outra dica: caso encontre o termo “koikuchi”, ele se refere ao shoyu comum; já “usukuchi” pode ser traduzido como um molho de sabor leve, menos potente e que, veja bem, não tem nada a ver com as versões light, com teor reduzido de sódio. A diferença vem da proporção mais alta de trigo na receita.

E por falar em teor de sódio, “quanto menor, melhor (para saúde)”, respondeu sem paciência a senhora japonesa, que deduzi ser a dona do mercado, quando pedi ajuda com os rótulos importados. Pois bem, não deixa de ser um critério de escolha.

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A degustação

Para avaliar gastronomicamente as dez marcas de shoyu encontradas em grandes mercados e lojas especializadas em produtos orientais, o Paladar promoveu uma degustação às cegas com um júri composto por especialistas e amantes de comida japonesa.

Por conta da pandemia, o teste foi realizado à distância: cada jurado recebeu, em casa, uma caixa com as amostras descaracterizadas, armazenadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Os molhos, todos em suas versões tradicionais, foram degustados puros e também na companhia de cubinhos de tofu, que tem sabor suave e ajuda a amenizar o salgado do shoyu.

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Prova foi realizada à distância, com notas e impressões preenchidas em formulário on-line. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entre as marcas, além da conhecida Sakura, que domina o mercado nacional, dão as caras a japonesa Yamasa e a Kikkoman, que vem com duas representantes na degustação: a versão importada, produzida no Japão, e a nacional, que utiliza a base japonesa para produzir um novo molho.

Na prova, o júri levou em conta a aparência, o aroma e o sabor dos produtos – e suas impressões foram computadas em formulário online. O resultado, com o ranking de um a dez, você confere a seguir.

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O júri

Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade À frente da Cia. dos Fermentados, a dupla, que é autodidata, além de estudar e dar aulas sobre o processo de produção artesanal de shoyu, faz o seu próprio molho fermentado de soja, por puradiversão. “Ao degustar um shoyu de qualidade você tem a impressão de que foi sempre enganado”, atestam.

Gerard Barberan e Henry Miyano Os chefs dividem a batuta do balcão do restaurante Kuro, nos Jardins, cuja atração é o omakase (tipo de menu-degustação japonês). Na experiência, os sushis já são servidos pincelados com a quantidade ideal de shoyu. Se o cliente pede mais shoyu, eles até atendam, mas não sem antes explicar que não é necessário.

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Gerard Barberan eHenry Miyano, do Kuro, durante a degustação. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Renata Mesquita Repórter do Paladar e boa de garfo - ou melhor, de hashi -, adora desbravar izakayas e balcões de sushi. Apesar de divertida, achou a degustação um grande desafio. "Ainda preciso provar bons shoyus”, afirmou, já que não se viu satisfeita com qualidade das amostras degustadas.

Telma Shiraishi Chef do restaurante Aizomê, em 2019, foi nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa. Se divertiu durante a degustação de shoyus, mas se sentiu desafiada. "Dez amostras acabam por se tornar uma maratona ao olfato e ao paladar", comenta.

Organização da chef Telma Shiraishi para a degustação de shoyu. Foto: Arquivo pessoal

Yasmin Yonashiro Consultora em Gestão de Serviço em restaurantes japoneses e sommelière de saquês, assina as cartas do Jojo Ramen, Nagayama, entre outros. Já tinha participado de outras degustações de shoyu e sempre acha interessante por conta da “percepção do umami”.

Os shoyus

1º Kikkoman Koichuchi (produzido no Japão)

(R$93,00 ; 1L; na Casa Santa Luzia). Mais claro, numa tonalidade castanho-avermelhada, o produto fisgou os jurados já pelo aroma: complexo, com notas de fermentação natural e caramelo queimado. Na boca, “tem sabor intenso e bem equilibrado entre o dulçor, com um fundinho de café e toffee, e o salgado”, descreveu Renata Mesquita. “Shoyu redondo, com gosto prolongado”, decretou Telma Shiraishi. Ingredientes: soja, trigo, sal, álcool de cereais.

2º Azuma Tradicional

(R$ 22,90; 150 ml; no Koa Food Market). O líquido bem escuro tem aroma leve e discretamente alcoólico. Na boca, “apesar de ser ao mesmo tempo bem salgado e doce, o umami presente ajuda a balancear”, afirma a chef Telma Shiraishi. Segundo os jurados, trata-se de um bom molho de soja para usar na cozinha no dia a dia. Ingredientes: água, sal, açúcar, soja, trigo, álcool etílico, corante caramelo IV processo sulfito-amônia, realçadores de sabor glutamato monossódico, guanilato dissódico e inosinato dissódico, conservador benzoato de sódio e reguladores de acidez carbonato de sódio e ácido láctico.

3º Aji No Shoyu

(R$ 21,49; 1L; no Koa Food Market). “Tem cara de shoyu brasileiro com bastante caramelo”, arriscaram Fernando e Leonardo, da Cia. dos Fermentados. O líquido mais denso tem aroma tostado, com um leve dulçor. Apesar do sabor complexo, como afirmou um dos jurados, com certa picância e notas de caramelo salgado, tem arestas de sal e umami forçado. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

4º Yamasa (japonês)

(R$ 64,50; 1L; no Marukai). “Bom aroma de fermentação natural de soja”, comemoraram Gerard Barberan e Henry Miyano. O molho mais clarinho, quase transparente, tem sabor intenso, que puxa para o salgado, mas com camadas de acidez, umami natural e dulçor. “Tem até um amarguinho de café torrado”, pontuou Renata Mesquita. Ingredientes: soja, trigo, sal e álcool.

5º Sakura Tradicional

(R$ 18,90; 500 ml; no Koa Food Market). O queridinho das gôndolas de supermercados não foi reconhecido pelos jurados na degustação às cegas. Eles pontuaram o aroma diferente de soja (“lembra milho?”, indagou a sommelière Yasmin Yonashiro), além do sabor salgado que se sobrepõe ao doce e ao umami. Segundo a embalagem, trata-se de molho de fermentação “100% natural”. Ingredientes: água, sal refinado, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

6º Hinomoto Tradicional

(R$ 14,30; 1L; no Marukai). Fermentado naturalmente, segundo anuncia o rótulo, tem cor escura e, no aroma, os jurados perceberam um toque de mar, que lembraria molho de ostra, e natô (soja fermentada japonesa). Na boca, apesar do equilíbrio da acidez e do sal, com leve dulçor no final, o umami pareceu “forçado”, “artificial”, provavelmente por conta do glutamato monossódico. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar cristal e glucose de milho. Aditivos: realçador de sabor glutamato monossódico INS 621, corante caramelo INS 150C, conservador benzoato de sódio INS 211 e conservador sorbato de potássio INS 202.

7º MN Food – orgânico

(R$ 18,90; 150 ml; no Koa Food Market). Orgânico e fermentado naturalmente, tem tonalidade avermelhada e aroma amadeirado, com notas da fermentação. Na boca, perdeu pontos por ser muito salgado e até amargo, apesar do umami presente e do leve dulçor. Ingredientes: água, soja em grãos orgânica, trigo em grãos orgânico e sal marinho.

8º Kitano

(R$ 5,99; 150 ml; no Carrefour). Encorpado e bem escuro, tem cheiro forte de caramelo tostado, “com um fundo industrializado”, comentou um dos jurados. No sabor, não houve consenso. Enquanto uns julgaram ser um molho leve e equilibrado, com um toque de acidez picante, outros o consideraram salgado, artificial e até estranho. Ingredientes: água, molho de soja (água, sal, soja, milho, açúcar, sal, xarope de glicose, corante caramelo III, aromatizante, realçador de sabor glutamato monossódico e conservante sorbato de potássio).

9º Hatenkoo

(R$ 15,45; 1L; no Koa Food Market). O aroma quase inexistente puxa para um leve tostado. Quanto ao sabor, os jurados reclamaram do dulçor forçado, caramelizado, bem artificial, “que um shoyu genuíno não leva”, afirma o pessoal da Cia. dos Fermentados. A embalagem diz ser um produto fermentado naturalmente. Ingredientes: água, sal, açúcar, xarope de glicose, soja, milho, corante caramelo, realçador de sabor glutamato monossódico, conservador sorbato de potássio, edulcorante artificial sacarina sódica e acidulante ácido cítrico.

10º Kikkoman – sushi, sashimi e grelhados (produzido no Brasil)

(R$ 25,99; 1L, no St. Marche). Diferente de sua versão importada, os jurados criticaram o sabor desequilibrado do molho, que pesa no açúcar e no glutamato monossódico – ingredientes que a receita japonesa não tem, vale dizer. “Lembra um molho tarê”, definiu Yasmin Yonasahiro. Ingredientes: água, molho à base de soja (água, soja, arroz e sal), açúcar, sal, vinagre, realçadores de sabor glutamato monossódico e inosinato dissódico, corante caramelo IV, acidulante ácido cítrico e conservador benzoato de sódio.

Encher o nozoki (aquele pratinho) de shoyu, até formar uma piscininha, e mergulhar a fatia de peixe de cru, por vezes dos dois lados, antes de levá-la à boca. Se você já protagonizou essa cena, saiba que ela é considerada de filme de terror para a maioria dos sushimen de restaurantes tradicionais. Feito de maneira muito cuidadosa no Japão, o molho fermentado de soja é um tempero precioso, que não deveria ser desperdiçado. Fora que a ideia não é deixar tudo com gosto de shoyu. “Ele é um condimento que deve ser usado para complementar o sabor dos demais ingredientes. Molhar só a pontinha do sashimi já é suficiente”, explica a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa em 2019.

Receita tradicional do molho inclui soja, às vezes trigo, sal e água, e demora um ano e meio para ficar pronta. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Indispensável na culinária japonesa, chinesa e de outros países do leste asiático, trata-se de um líquido salgado e escuro, de sabor profundo, produzido há milhares de anos lá do outro lado do mundo. Aqui no Brasil, onde também se popularizou, quase não se encontram versões artesanais de shoyu, mas há boas marcas disponíveis no mercado, que seguem a cartilha milenar de preparo. Para se ter uma ideia, a produção desse molho requer pelo menos um ano e meio – ou dois verões, para ser mais romântico – de passagem pelos tanques de fermentação. Mas é claro que a indústria já encontrou um jeitinho de acelerar esse processo.

A escolha não é fácil, principalmente quando entram opções importadas entre as alternativas. Você sabe ler os alfabetos japoneses? Pois para escolher as amostras da degustação promovida pelo Paladar, a repórter que vos fala arriscou traduzir os rótulos encontrados no mercado oriental, confiante com os seis meses de aulas de japonês praticadas lá em 2005. Comecei pela palavra maior – e com a ajuda da tabela buscada na internet, decifrei as sílabas “sho”, “u” e “yu”. Junta tudo, o que dá? Shoyu. Dez minutos (dez-mi-nu-tos) para descobrir o que eu já sabia.

Amostras foram enviadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Felizmente, há outras formas de direcionar a compra. Atrás das embalagens, na etiqueta colada pelas importadoras, observe a lista de ingredientes. Tenha em mente: a receita básica leva soja, por vezes trigo, sal e água – mas, principalmente nas versões nacionais, prepare-se para encontrar também milho, xarope de açúcar, corantes, realçadores de sabor e outro sem-fim de ingredientes indecifráveis pela grande maioria dos consumidores, usados para conservar, baratear custos, além de agregar sabores e aromas inalcançados num processo acelerado de fermentação. Já o trigo, a saber, contribui dando “maior profundidade e complexidade ao sabor do molho de soja”, como explica Sandor Katz, o guru dos fermentados, no livro A Arte da Fermentação.

Outra dica: caso encontre o termo “koikuchi”, ele se refere ao shoyu comum; já “usukuchi” pode ser traduzido como um molho de sabor leve, menos potente e que, veja bem, não tem nada a ver com as versões light, com teor reduzido de sódio. A diferença vem da proporção mais alta de trigo na receita.

E por falar em teor de sódio, “quanto menor, melhor (para saúde)”, respondeu sem paciência a senhora japonesa, que deduzi ser a dona do mercado, quando pedi ajuda com os rótulos importados. Pois bem, não deixa de ser um critério de escolha.

A degustação

Para avaliar gastronomicamente as dez marcas de shoyu encontradas em grandes mercados e lojas especializadas em produtos orientais, o Paladar promoveu uma degustação às cegas com um júri composto por especialistas e amantes de comida japonesa.

Por conta da pandemia, o teste foi realizado à distância: cada jurado recebeu, em casa, uma caixa com as amostras descaracterizadas, armazenadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Os molhos, todos em suas versões tradicionais, foram degustados puros e também na companhia de cubinhos de tofu, que tem sabor suave e ajuda a amenizar o salgado do shoyu.

Prova foi realizada à distância, com notas e impressões preenchidas em formulário on-line. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entre as marcas, além da conhecida Sakura, que domina o mercado nacional, dão as caras a japonesa Yamasa e a Kikkoman, que vem com duas representantes na degustação: a versão importada, produzida no Japão, e a nacional, que utiliza a base japonesa para produzir um novo molho.

Na prova, o júri levou em conta a aparência, o aroma e o sabor dos produtos – e suas impressões foram computadas em formulário online. O resultado, com o ranking de um a dez, você confere a seguir.

O júri

Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade À frente da Cia. dos Fermentados, a dupla, que é autodidata, além de estudar e dar aulas sobre o processo de produção artesanal de shoyu, faz o seu próprio molho fermentado de soja, por puradiversão. “Ao degustar um shoyu de qualidade você tem a impressão de que foi sempre enganado”, atestam.

Gerard Barberan e Henry Miyano Os chefs dividem a batuta do balcão do restaurante Kuro, nos Jardins, cuja atração é o omakase (tipo de menu-degustação japonês). Na experiência, os sushis já são servidos pincelados com a quantidade ideal de shoyu. Se o cliente pede mais shoyu, eles até atendam, mas não sem antes explicar que não é necessário.

Gerard Barberan eHenry Miyano, do Kuro, durante a degustação. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Renata Mesquita Repórter do Paladar e boa de garfo - ou melhor, de hashi -, adora desbravar izakayas e balcões de sushi. Apesar de divertida, achou a degustação um grande desafio. "Ainda preciso provar bons shoyus”, afirmou, já que não se viu satisfeita com qualidade das amostras degustadas.

Telma Shiraishi Chef do restaurante Aizomê, em 2019, foi nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa. Se divertiu durante a degustação de shoyus, mas se sentiu desafiada. "Dez amostras acabam por se tornar uma maratona ao olfato e ao paladar", comenta.

Organização da chef Telma Shiraishi para a degustação de shoyu. Foto: Arquivo pessoal

Yasmin Yonashiro Consultora em Gestão de Serviço em restaurantes japoneses e sommelière de saquês, assina as cartas do Jojo Ramen, Nagayama, entre outros. Já tinha participado de outras degustações de shoyu e sempre acha interessante por conta da “percepção do umami”.

Os shoyus

1º Kikkoman Koichuchi (produzido no Japão)

(R$93,00 ; 1L; na Casa Santa Luzia). Mais claro, numa tonalidade castanho-avermelhada, o produto fisgou os jurados já pelo aroma: complexo, com notas de fermentação natural e caramelo queimado. Na boca, “tem sabor intenso e bem equilibrado entre o dulçor, com um fundinho de café e toffee, e o salgado”, descreveu Renata Mesquita. “Shoyu redondo, com gosto prolongado”, decretou Telma Shiraishi. Ingredientes: soja, trigo, sal, álcool de cereais.

2º Azuma Tradicional

(R$ 22,90; 150 ml; no Koa Food Market). O líquido bem escuro tem aroma leve e discretamente alcoólico. Na boca, “apesar de ser ao mesmo tempo bem salgado e doce, o umami presente ajuda a balancear”, afirma a chef Telma Shiraishi. Segundo os jurados, trata-se de um bom molho de soja para usar na cozinha no dia a dia. Ingredientes: água, sal, açúcar, soja, trigo, álcool etílico, corante caramelo IV processo sulfito-amônia, realçadores de sabor glutamato monossódico, guanilato dissódico e inosinato dissódico, conservador benzoato de sódio e reguladores de acidez carbonato de sódio e ácido láctico.

3º Aji No Shoyu

(R$ 21,49; 1L; no Koa Food Market). “Tem cara de shoyu brasileiro com bastante caramelo”, arriscaram Fernando e Leonardo, da Cia. dos Fermentados. O líquido mais denso tem aroma tostado, com um leve dulçor. Apesar do sabor complexo, como afirmou um dos jurados, com certa picância e notas de caramelo salgado, tem arestas de sal e umami forçado. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

4º Yamasa (japonês)

(R$ 64,50; 1L; no Marukai). “Bom aroma de fermentação natural de soja”, comemoraram Gerard Barberan e Henry Miyano. O molho mais clarinho, quase transparente, tem sabor intenso, que puxa para o salgado, mas com camadas de acidez, umami natural e dulçor. “Tem até um amarguinho de café torrado”, pontuou Renata Mesquita. Ingredientes: soja, trigo, sal e álcool.

5º Sakura Tradicional

(R$ 18,90; 500 ml; no Koa Food Market). O queridinho das gôndolas de supermercados não foi reconhecido pelos jurados na degustação às cegas. Eles pontuaram o aroma diferente de soja (“lembra milho?”, indagou a sommelière Yasmin Yonashiro), além do sabor salgado que se sobrepõe ao doce e ao umami. Segundo a embalagem, trata-se de molho de fermentação “100% natural”. Ingredientes: água, sal refinado, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

6º Hinomoto Tradicional

(R$ 14,30; 1L; no Marukai). Fermentado naturalmente, segundo anuncia o rótulo, tem cor escura e, no aroma, os jurados perceberam um toque de mar, que lembraria molho de ostra, e natô (soja fermentada japonesa). Na boca, apesar do equilíbrio da acidez e do sal, com leve dulçor no final, o umami pareceu “forçado”, “artificial”, provavelmente por conta do glutamato monossódico. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar cristal e glucose de milho. Aditivos: realçador de sabor glutamato monossódico INS 621, corante caramelo INS 150C, conservador benzoato de sódio INS 211 e conservador sorbato de potássio INS 202.

7º MN Food – orgânico

(R$ 18,90; 150 ml; no Koa Food Market). Orgânico e fermentado naturalmente, tem tonalidade avermelhada e aroma amadeirado, com notas da fermentação. Na boca, perdeu pontos por ser muito salgado e até amargo, apesar do umami presente e do leve dulçor. Ingredientes: água, soja em grãos orgânica, trigo em grãos orgânico e sal marinho.

8º Kitano

(R$ 5,99; 150 ml; no Carrefour). Encorpado e bem escuro, tem cheiro forte de caramelo tostado, “com um fundo industrializado”, comentou um dos jurados. No sabor, não houve consenso. Enquanto uns julgaram ser um molho leve e equilibrado, com um toque de acidez picante, outros o consideraram salgado, artificial e até estranho. Ingredientes: água, molho de soja (água, sal, soja, milho, açúcar, sal, xarope de glicose, corante caramelo III, aromatizante, realçador de sabor glutamato monossódico e conservante sorbato de potássio).

9º Hatenkoo

(R$ 15,45; 1L; no Koa Food Market). O aroma quase inexistente puxa para um leve tostado. Quanto ao sabor, os jurados reclamaram do dulçor forçado, caramelizado, bem artificial, “que um shoyu genuíno não leva”, afirma o pessoal da Cia. dos Fermentados. A embalagem diz ser um produto fermentado naturalmente. Ingredientes: água, sal, açúcar, xarope de glicose, soja, milho, corante caramelo, realçador de sabor glutamato monossódico, conservador sorbato de potássio, edulcorante artificial sacarina sódica e acidulante ácido cítrico.

10º Kikkoman – sushi, sashimi e grelhados (produzido no Brasil)

(R$ 25,99; 1L, no St. Marche). Diferente de sua versão importada, os jurados criticaram o sabor desequilibrado do molho, que pesa no açúcar e no glutamato monossódico – ingredientes que a receita japonesa não tem, vale dizer. “Lembra um molho tarê”, definiu Yasmin Yonasahiro. Ingredientes: água, molho à base de soja (água, soja, arroz e sal), açúcar, sal, vinagre, realçadores de sabor glutamato monossódico e inosinato dissódico, corante caramelo IV, acidulante ácido cítrico e conservador benzoato de sódio.

Encher o nozoki (aquele pratinho) de shoyu, até formar uma piscininha, e mergulhar a fatia de peixe de cru, por vezes dos dois lados, antes de levá-la à boca. Se você já protagonizou essa cena, saiba que ela é considerada de filme de terror para a maioria dos sushimen de restaurantes tradicionais. Feito de maneira muito cuidadosa no Japão, o molho fermentado de soja é um tempero precioso, que não deveria ser desperdiçado. Fora que a ideia não é deixar tudo com gosto de shoyu. “Ele é um condimento que deve ser usado para complementar o sabor dos demais ingredientes. Molhar só a pontinha do sashimi já é suficiente”, explica a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa em 2019.

Receita tradicional do molho inclui soja, às vezes trigo, sal e água, e demora um ano e meio para ficar pronta. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Indispensável na culinária japonesa, chinesa e de outros países do leste asiático, trata-se de um líquido salgado e escuro, de sabor profundo, produzido há milhares de anos lá do outro lado do mundo. Aqui no Brasil, onde também se popularizou, quase não se encontram versões artesanais de shoyu, mas há boas marcas disponíveis no mercado, que seguem a cartilha milenar de preparo. Para se ter uma ideia, a produção desse molho requer pelo menos um ano e meio – ou dois verões, para ser mais romântico – de passagem pelos tanques de fermentação. Mas é claro que a indústria já encontrou um jeitinho de acelerar esse processo.

A escolha não é fácil, principalmente quando entram opções importadas entre as alternativas. Você sabe ler os alfabetos japoneses? Pois para escolher as amostras da degustação promovida pelo Paladar, a repórter que vos fala arriscou traduzir os rótulos encontrados no mercado oriental, confiante com os seis meses de aulas de japonês praticadas lá em 2005. Comecei pela palavra maior – e com a ajuda da tabela buscada na internet, decifrei as sílabas “sho”, “u” e “yu”. Junta tudo, o que dá? Shoyu. Dez minutos (dez-mi-nu-tos) para descobrir o que eu já sabia.

Amostras foram enviadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Felizmente, há outras formas de direcionar a compra. Atrás das embalagens, na etiqueta colada pelas importadoras, observe a lista de ingredientes. Tenha em mente: a receita básica leva soja, por vezes trigo, sal e água – mas, principalmente nas versões nacionais, prepare-se para encontrar também milho, xarope de açúcar, corantes, realçadores de sabor e outro sem-fim de ingredientes indecifráveis pela grande maioria dos consumidores, usados para conservar, baratear custos, além de agregar sabores e aromas inalcançados num processo acelerado de fermentação. Já o trigo, a saber, contribui dando “maior profundidade e complexidade ao sabor do molho de soja”, como explica Sandor Katz, o guru dos fermentados, no livro A Arte da Fermentação.

Outra dica: caso encontre o termo “koikuchi”, ele se refere ao shoyu comum; já “usukuchi” pode ser traduzido como um molho de sabor leve, menos potente e que, veja bem, não tem nada a ver com as versões light, com teor reduzido de sódio. A diferença vem da proporção mais alta de trigo na receita.

E por falar em teor de sódio, “quanto menor, melhor (para saúde)”, respondeu sem paciência a senhora japonesa, que deduzi ser a dona do mercado, quando pedi ajuda com os rótulos importados. Pois bem, não deixa de ser um critério de escolha.

A degustação

Para avaliar gastronomicamente as dez marcas de shoyu encontradas em grandes mercados e lojas especializadas em produtos orientais, o Paladar promoveu uma degustação às cegas com um júri composto por especialistas e amantes de comida japonesa.

Por conta da pandemia, o teste foi realizado à distância: cada jurado recebeu, em casa, uma caixa com as amostras descaracterizadas, armazenadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Os molhos, todos em suas versões tradicionais, foram degustados puros e também na companhia de cubinhos de tofu, que tem sabor suave e ajuda a amenizar o salgado do shoyu.

Prova foi realizada à distância, com notas e impressões preenchidas em formulário on-line. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entre as marcas, além da conhecida Sakura, que domina o mercado nacional, dão as caras a japonesa Yamasa e a Kikkoman, que vem com duas representantes na degustação: a versão importada, produzida no Japão, e a nacional, que utiliza a base japonesa para produzir um novo molho.

Na prova, o júri levou em conta a aparência, o aroma e o sabor dos produtos – e suas impressões foram computadas em formulário online. O resultado, com o ranking de um a dez, você confere a seguir.

O júri

Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade À frente da Cia. dos Fermentados, a dupla, que é autodidata, além de estudar e dar aulas sobre o processo de produção artesanal de shoyu, faz o seu próprio molho fermentado de soja, por puradiversão. “Ao degustar um shoyu de qualidade você tem a impressão de que foi sempre enganado”, atestam.

Gerard Barberan e Henry Miyano Os chefs dividem a batuta do balcão do restaurante Kuro, nos Jardins, cuja atração é o omakase (tipo de menu-degustação japonês). Na experiência, os sushis já são servidos pincelados com a quantidade ideal de shoyu. Se o cliente pede mais shoyu, eles até atendam, mas não sem antes explicar que não é necessário.

Gerard Barberan eHenry Miyano, do Kuro, durante a degustação. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Renata Mesquita Repórter do Paladar e boa de garfo - ou melhor, de hashi -, adora desbravar izakayas e balcões de sushi. Apesar de divertida, achou a degustação um grande desafio. "Ainda preciso provar bons shoyus”, afirmou, já que não se viu satisfeita com qualidade das amostras degustadas.

Telma Shiraishi Chef do restaurante Aizomê, em 2019, foi nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa. Se divertiu durante a degustação de shoyus, mas se sentiu desafiada. "Dez amostras acabam por se tornar uma maratona ao olfato e ao paladar", comenta.

Organização da chef Telma Shiraishi para a degustação de shoyu. Foto: Arquivo pessoal

Yasmin Yonashiro Consultora em Gestão de Serviço em restaurantes japoneses e sommelière de saquês, assina as cartas do Jojo Ramen, Nagayama, entre outros. Já tinha participado de outras degustações de shoyu e sempre acha interessante por conta da “percepção do umami”.

Os shoyus

1º Kikkoman Koichuchi (produzido no Japão)

(R$93,00 ; 1L; na Casa Santa Luzia). Mais claro, numa tonalidade castanho-avermelhada, o produto fisgou os jurados já pelo aroma: complexo, com notas de fermentação natural e caramelo queimado. Na boca, “tem sabor intenso e bem equilibrado entre o dulçor, com um fundinho de café e toffee, e o salgado”, descreveu Renata Mesquita. “Shoyu redondo, com gosto prolongado”, decretou Telma Shiraishi. Ingredientes: soja, trigo, sal, álcool de cereais.

2º Azuma Tradicional

(R$ 22,90; 150 ml; no Koa Food Market). O líquido bem escuro tem aroma leve e discretamente alcoólico. Na boca, “apesar de ser ao mesmo tempo bem salgado e doce, o umami presente ajuda a balancear”, afirma a chef Telma Shiraishi. Segundo os jurados, trata-se de um bom molho de soja para usar na cozinha no dia a dia. Ingredientes: água, sal, açúcar, soja, trigo, álcool etílico, corante caramelo IV processo sulfito-amônia, realçadores de sabor glutamato monossódico, guanilato dissódico e inosinato dissódico, conservador benzoato de sódio e reguladores de acidez carbonato de sódio e ácido láctico.

3º Aji No Shoyu

(R$ 21,49; 1L; no Koa Food Market). “Tem cara de shoyu brasileiro com bastante caramelo”, arriscaram Fernando e Leonardo, da Cia. dos Fermentados. O líquido mais denso tem aroma tostado, com um leve dulçor. Apesar do sabor complexo, como afirmou um dos jurados, com certa picância e notas de caramelo salgado, tem arestas de sal e umami forçado. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

4º Yamasa (japonês)

(R$ 64,50; 1L; no Marukai). “Bom aroma de fermentação natural de soja”, comemoraram Gerard Barberan e Henry Miyano. O molho mais clarinho, quase transparente, tem sabor intenso, que puxa para o salgado, mas com camadas de acidez, umami natural e dulçor. “Tem até um amarguinho de café torrado”, pontuou Renata Mesquita. Ingredientes: soja, trigo, sal e álcool.

5º Sakura Tradicional

(R$ 18,90; 500 ml; no Koa Food Market). O queridinho das gôndolas de supermercados não foi reconhecido pelos jurados na degustação às cegas. Eles pontuaram o aroma diferente de soja (“lembra milho?”, indagou a sommelière Yasmin Yonashiro), além do sabor salgado que se sobrepõe ao doce e ao umami. Segundo a embalagem, trata-se de molho de fermentação “100% natural”. Ingredientes: água, sal refinado, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

6º Hinomoto Tradicional

(R$ 14,30; 1L; no Marukai). Fermentado naturalmente, segundo anuncia o rótulo, tem cor escura e, no aroma, os jurados perceberam um toque de mar, que lembraria molho de ostra, e natô (soja fermentada japonesa). Na boca, apesar do equilíbrio da acidez e do sal, com leve dulçor no final, o umami pareceu “forçado”, “artificial”, provavelmente por conta do glutamato monossódico. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar cristal e glucose de milho. Aditivos: realçador de sabor glutamato monossódico INS 621, corante caramelo INS 150C, conservador benzoato de sódio INS 211 e conservador sorbato de potássio INS 202.

7º MN Food – orgânico

(R$ 18,90; 150 ml; no Koa Food Market). Orgânico e fermentado naturalmente, tem tonalidade avermelhada e aroma amadeirado, com notas da fermentação. Na boca, perdeu pontos por ser muito salgado e até amargo, apesar do umami presente e do leve dulçor. Ingredientes: água, soja em grãos orgânica, trigo em grãos orgânico e sal marinho.

8º Kitano

(R$ 5,99; 150 ml; no Carrefour). Encorpado e bem escuro, tem cheiro forte de caramelo tostado, “com um fundo industrializado”, comentou um dos jurados. No sabor, não houve consenso. Enquanto uns julgaram ser um molho leve e equilibrado, com um toque de acidez picante, outros o consideraram salgado, artificial e até estranho. Ingredientes: água, molho de soja (água, sal, soja, milho, açúcar, sal, xarope de glicose, corante caramelo III, aromatizante, realçador de sabor glutamato monossódico e conservante sorbato de potássio).

9º Hatenkoo

(R$ 15,45; 1L; no Koa Food Market). O aroma quase inexistente puxa para um leve tostado. Quanto ao sabor, os jurados reclamaram do dulçor forçado, caramelizado, bem artificial, “que um shoyu genuíno não leva”, afirma o pessoal da Cia. dos Fermentados. A embalagem diz ser um produto fermentado naturalmente. Ingredientes: água, sal, açúcar, xarope de glicose, soja, milho, corante caramelo, realçador de sabor glutamato monossódico, conservador sorbato de potássio, edulcorante artificial sacarina sódica e acidulante ácido cítrico.

10º Kikkoman – sushi, sashimi e grelhados (produzido no Brasil)

(R$ 25,99; 1L, no St. Marche). Diferente de sua versão importada, os jurados criticaram o sabor desequilibrado do molho, que pesa no açúcar e no glutamato monossódico – ingredientes que a receita japonesa não tem, vale dizer. “Lembra um molho tarê”, definiu Yasmin Yonasahiro. Ingredientes: água, molho à base de soja (água, soja, arroz e sal), açúcar, sal, vinagre, realçadores de sabor glutamato monossódico e inosinato dissódico, corante caramelo IV, acidulante ácido cítrico e conservador benzoato de sódio.

Encher o nozoki (aquele pratinho) de shoyu, até formar uma piscininha, e mergulhar a fatia de peixe de cru, por vezes dos dois lados, antes de levá-la à boca. Se você já protagonizou essa cena, saiba que ela é considerada de filme de terror para a maioria dos sushimen de restaurantes tradicionais. Feito de maneira muito cuidadosa no Japão, o molho fermentado de soja é um tempero precioso, que não deveria ser desperdiçado. Fora que a ideia não é deixar tudo com gosto de shoyu. “Ele é um condimento que deve ser usado para complementar o sabor dos demais ingredientes. Molhar só a pontinha do sashimi já é suficiente”, explica a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa em 2019.

Receita tradicional do molho inclui soja, às vezes trigo, sal e água, e demora um ano e meio para ficar pronta. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Indispensável na culinária japonesa, chinesa e de outros países do leste asiático, trata-se de um líquido salgado e escuro, de sabor profundo, produzido há milhares de anos lá do outro lado do mundo. Aqui no Brasil, onde também se popularizou, quase não se encontram versões artesanais de shoyu, mas há boas marcas disponíveis no mercado, que seguem a cartilha milenar de preparo. Para se ter uma ideia, a produção desse molho requer pelo menos um ano e meio – ou dois verões, para ser mais romântico – de passagem pelos tanques de fermentação. Mas é claro que a indústria já encontrou um jeitinho de acelerar esse processo.

A escolha não é fácil, principalmente quando entram opções importadas entre as alternativas. Você sabe ler os alfabetos japoneses? Pois para escolher as amostras da degustação promovida pelo Paladar, a repórter que vos fala arriscou traduzir os rótulos encontrados no mercado oriental, confiante com os seis meses de aulas de japonês praticadas lá em 2005. Comecei pela palavra maior – e com a ajuda da tabela buscada na internet, decifrei as sílabas “sho”, “u” e “yu”. Junta tudo, o que dá? Shoyu. Dez minutos (dez-mi-nu-tos) para descobrir o que eu já sabia.

Amostras foram enviadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Felizmente, há outras formas de direcionar a compra. Atrás das embalagens, na etiqueta colada pelas importadoras, observe a lista de ingredientes. Tenha em mente: a receita básica leva soja, por vezes trigo, sal e água – mas, principalmente nas versões nacionais, prepare-se para encontrar também milho, xarope de açúcar, corantes, realçadores de sabor e outro sem-fim de ingredientes indecifráveis pela grande maioria dos consumidores, usados para conservar, baratear custos, além de agregar sabores e aromas inalcançados num processo acelerado de fermentação. Já o trigo, a saber, contribui dando “maior profundidade e complexidade ao sabor do molho de soja”, como explica Sandor Katz, o guru dos fermentados, no livro A Arte da Fermentação.

Outra dica: caso encontre o termo “koikuchi”, ele se refere ao shoyu comum; já “usukuchi” pode ser traduzido como um molho de sabor leve, menos potente e que, veja bem, não tem nada a ver com as versões light, com teor reduzido de sódio. A diferença vem da proporção mais alta de trigo na receita.

E por falar em teor de sódio, “quanto menor, melhor (para saúde)”, respondeu sem paciência a senhora japonesa, que deduzi ser a dona do mercado, quando pedi ajuda com os rótulos importados. Pois bem, não deixa de ser um critério de escolha.

A degustação

Para avaliar gastronomicamente as dez marcas de shoyu encontradas em grandes mercados e lojas especializadas em produtos orientais, o Paladar promoveu uma degustação às cegas com um júri composto por especialistas e amantes de comida japonesa.

Por conta da pandemia, o teste foi realizado à distância: cada jurado recebeu, em casa, uma caixa com as amostras descaracterizadas, armazenadas em tubos de ensaio identificados apenas por números. Os molhos, todos em suas versões tradicionais, foram degustados puros e também na companhia de cubinhos de tofu, que tem sabor suave e ajuda a amenizar o salgado do shoyu.

Prova foi realizada à distância, com notas e impressões preenchidas em formulário on-line. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Entre as marcas, além da conhecida Sakura, que domina o mercado nacional, dão as caras a japonesa Yamasa e a Kikkoman, que vem com duas representantes na degustação: a versão importada, produzida no Japão, e a nacional, que utiliza a base japonesa para produzir um novo molho.

Na prova, o júri levou em conta a aparência, o aroma e o sabor dos produtos – e suas impressões foram computadas em formulário online. O resultado, com o ranking de um a dez, você confere a seguir.

O júri

Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade À frente da Cia. dos Fermentados, a dupla, que é autodidata, além de estudar e dar aulas sobre o processo de produção artesanal de shoyu, faz o seu próprio molho fermentado de soja, por puradiversão. “Ao degustar um shoyu de qualidade você tem a impressão de que foi sempre enganado”, atestam.

Gerard Barberan e Henry Miyano Os chefs dividem a batuta do balcão do restaurante Kuro, nos Jardins, cuja atração é o omakase (tipo de menu-degustação japonês). Na experiência, os sushis já são servidos pincelados com a quantidade ideal de shoyu. Se o cliente pede mais shoyu, eles até atendam, mas não sem antes explicar que não é necessário.

Gerard Barberan eHenry Miyano, do Kuro, durante a degustação. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Renata Mesquita Repórter do Paladar e boa de garfo - ou melhor, de hashi -, adora desbravar izakayas e balcões de sushi. Apesar de divertida, achou a degustação um grande desafio. "Ainda preciso provar bons shoyus”, afirmou, já que não se viu satisfeita com qualidade das amostras degustadas.

Telma Shiraishi Chef do restaurante Aizomê, em 2019, foi nomeada Embaixadora da Boa Vontade da Difusão da Culinária Japonesa. Se divertiu durante a degustação de shoyus, mas se sentiu desafiada. "Dez amostras acabam por se tornar uma maratona ao olfato e ao paladar", comenta.

Organização da chef Telma Shiraishi para a degustação de shoyu. Foto: Arquivo pessoal

Yasmin Yonashiro Consultora em Gestão de Serviço em restaurantes japoneses e sommelière de saquês, assina as cartas do Jojo Ramen, Nagayama, entre outros. Já tinha participado de outras degustações de shoyu e sempre acha interessante por conta da “percepção do umami”.

Os shoyus

1º Kikkoman Koichuchi (produzido no Japão)

(R$93,00 ; 1L; na Casa Santa Luzia). Mais claro, numa tonalidade castanho-avermelhada, o produto fisgou os jurados já pelo aroma: complexo, com notas de fermentação natural e caramelo queimado. Na boca, “tem sabor intenso e bem equilibrado entre o dulçor, com um fundinho de café e toffee, e o salgado”, descreveu Renata Mesquita. “Shoyu redondo, com gosto prolongado”, decretou Telma Shiraishi. Ingredientes: soja, trigo, sal, álcool de cereais.

2º Azuma Tradicional

(R$ 22,90; 150 ml; no Koa Food Market). O líquido bem escuro tem aroma leve e discretamente alcoólico. Na boca, “apesar de ser ao mesmo tempo bem salgado e doce, o umami presente ajuda a balancear”, afirma a chef Telma Shiraishi. Segundo os jurados, trata-se de um bom molho de soja para usar na cozinha no dia a dia. Ingredientes: água, sal, açúcar, soja, trigo, álcool etílico, corante caramelo IV processo sulfito-amônia, realçadores de sabor glutamato monossódico, guanilato dissódico e inosinato dissódico, conservador benzoato de sódio e reguladores de acidez carbonato de sódio e ácido láctico.

3º Aji No Shoyu

(R$ 21,49; 1L; no Koa Food Market). “Tem cara de shoyu brasileiro com bastante caramelo”, arriscaram Fernando e Leonardo, da Cia. dos Fermentados. O líquido mais denso tem aroma tostado, com um leve dulçor. Apesar do sabor complexo, como afirmou um dos jurados, com certa picância e notas de caramelo salgado, tem arestas de sal e umami forçado. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

4º Yamasa (japonês)

(R$ 64,50; 1L; no Marukai). “Bom aroma de fermentação natural de soja”, comemoraram Gerard Barberan e Henry Miyano. O molho mais clarinho, quase transparente, tem sabor intenso, que puxa para o salgado, mas com camadas de acidez, umami natural e dulçor. “Tem até um amarguinho de café torrado”, pontuou Renata Mesquita. Ingredientes: soja, trigo, sal e álcool.

5º Sakura Tradicional

(R$ 18,90; 500 ml; no Koa Food Market). O queridinho das gôndolas de supermercados não foi reconhecido pelos jurados na degustação às cegas. Eles pontuaram o aroma diferente de soja (“lembra milho?”, indagou a sommelière Yasmin Yonashiro), além do sabor salgado que se sobrepõe ao doce e ao umami. Segundo a embalagem, trata-se de molho de fermentação “100% natural”. Ingredientes: água, sal refinado, soja, milho, açúcar, corante caramelo III, realçador de sabor glutamato monossódico e conservador sorbato de potássio.

6º Hinomoto Tradicional

(R$ 14,30; 1L; no Marukai). Fermentado naturalmente, segundo anuncia o rótulo, tem cor escura e, no aroma, os jurados perceberam um toque de mar, que lembraria molho de ostra, e natô (soja fermentada japonesa). Na boca, apesar do equilíbrio da acidez e do sal, com leve dulçor no final, o umami pareceu “forçado”, “artificial”, provavelmente por conta do glutamato monossódico. Ingredientes: água, sal, soja, milho, açúcar cristal e glucose de milho. Aditivos: realçador de sabor glutamato monossódico INS 621, corante caramelo INS 150C, conservador benzoato de sódio INS 211 e conservador sorbato de potássio INS 202.

7º MN Food – orgânico

(R$ 18,90; 150 ml; no Koa Food Market). Orgânico e fermentado naturalmente, tem tonalidade avermelhada e aroma amadeirado, com notas da fermentação. Na boca, perdeu pontos por ser muito salgado e até amargo, apesar do umami presente e do leve dulçor. Ingredientes: água, soja em grãos orgânica, trigo em grãos orgânico e sal marinho.

8º Kitano

(R$ 5,99; 150 ml; no Carrefour). Encorpado e bem escuro, tem cheiro forte de caramelo tostado, “com um fundo industrializado”, comentou um dos jurados. No sabor, não houve consenso. Enquanto uns julgaram ser um molho leve e equilibrado, com um toque de acidez picante, outros o consideraram salgado, artificial e até estranho. Ingredientes: água, molho de soja (água, sal, soja, milho, açúcar, sal, xarope de glicose, corante caramelo III, aromatizante, realçador de sabor glutamato monossódico e conservante sorbato de potássio).

9º Hatenkoo

(R$ 15,45; 1L; no Koa Food Market). O aroma quase inexistente puxa para um leve tostado. Quanto ao sabor, os jurados reclamaram do dulçor forçado, caramelizado, bem artificial, “que um shoyu genuíno não leva”, afirma o pessoal da Cia. dos Fermentados. A embalagem diz ser um produto fermentado naturalmente. Ingredientes: água, sal, açúcar, xarope de glicose, soja, milho, corante caramelo, realçador de sabor glutamato monossódico, conservador sorbato de potássio, edulcorante artificial sacarina sódica e acidulante ácido cítrico.

10º Kikkoman – sushi, sashimi e grelhados (produzido no Brasil)

(R$ 25,99; 1L, no St. Marche). Diferente de sua versão importada, os jurados criticaram o sabor desequilibrado do molho, que pesa no açúcar e no glutamato monossódico – ingredientes que a receita japonesa não tem, vale dizer. “Lembra um molho tarê”, definiu Yasmin Yonasahiro. Ingredientes: água, molho à base de soja (água, soja, arroz e sal), açúcar, sal, vinagre, realçadores de sabor glutamato monossódico e inosinato dissódico, corante caramelo IV, acidulante ácido cítrico e conservador benzoato de sódio.

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