O argumento não é apenas ambiental (freando o consumo, os estoques se renovam), é também gastronômico: atum e robalo têm sazonalidade; em certos períodos do ano virão de muito longe e estarão congelados. Já quem pede o “peixe do dia”, recebe aquele que estiver mais fresco, portanto, melhor. E se nenhum desses argumentos é o bastante, tem um irresistível: peixes menos convencionais são bem mais baratos.
A ideia de diversificar o consumo de pescado e educar o paladar das pessoas para conhecer novas espécies está na base da nova versão do Guia de Consumo Responsável de Pescados.
CONSUMO CONSCIENTE+ Veja a lista dos peixes que correm risco de extinção e os mais indicados para consumo
Robalo. Dos mais pedidos em restaurantes. É encontrado no litoral de SP, mas vem mais do Nordeste. FOTO: Felipe Rau/Estadão
A publicação, organizada pela universidade Unimonte, de Santos, classifica as espécies de peixe em categorias de consumo. O trabalho, parte do projeto Pescador Amigo, compila listas e pesquisas sobre espécies em risco de extinção.
Há peixes que não se deve consumir absolutamente – vendê-los é crime ambiental (e, ainda assim, é possível que você depare com algum deles num mercado qualquer); há os que se deve evitar, pois há sério risco de extinção da espécie; aqueles que se deve comer com moderação; e os que se pode comer à vontade.
A publicação, lançada no Brasil pela primeira vez em 2008, está sendo atualizada. Na semana passada, especialistas se reuniram em um seminário em Santos para concluir a lista. O Guia só será apresentado no segundo semestre, mas o Paladar antecipa seus destaques – com a lista em mãos, desafiamos alguns chefs a colocar no cardápio peixes menos convencionais, como você pode ler aqui.
Garoupa. É saboroso, vem de SC, mas, infelizmente, passa por sobrepesca no Brasil. FOTO: Marcos Mendes/Estadão
O princípio que norteia o Guia, inspirado em uma publicação dos Estados Unidos feita pelo Aquário de Monterey, na Califórnia, é o de que a manutenção de uma cadeia de peixes de qualidade que não resulte no esgotamento dos estoques pesqueiros no futuro passa pela transformação da demanda.
Como já é frequente nos Estados Unidos e na Europa, o consumidor começa a querer saber de onde veio o que ele está comendo. E a exigir qualidade e variedade. O Guia traz a informação e sugere alternativas de consumo dos peixes mais comuns – e mais ameaçados.
Chefs de cozinha, peixarias e pescadores passariam então a trabalhar para atender a essa nova demanda. Mas isso ainda está longe de acontecer por aqui.
“O cliente às vezes cisma com determinado peixe. Só que o mar não dá tudo que queremos. Então, o negócio é confiar no peixeiro. Porque sempre há um substituto”, diz Marcelo Nonaka, dono da peixaria Ocean Six, em Moema, que fornece para restaurantes como o D.O.M, de Alex Atala.
“É difícil vender alguma coisa que o cliente ainda não conheça. As pessoas vêm aqui e querem robalo. Até dou alternativa de algo mais em conta, mas não adianta, vão no tradicional”, diz Joaquim Nazário, da peixaria Nossa Senhora de Fátima, do Mercado de Pinheiros.
Cria-se uma situação delicada. O consumidor tem receio de aceitar espécies desconhecidas. E com isso o peixeiro acaba não adquirindo espécies que não têm aceitação. É difícil romper esse ciclo.
Para donos de restaurante, é na base da confiança que se vence o desafio de abrir o paladar dos clientes para o peixe que estiver mais fresco – e não o de sempre. “No começo, as pessoas pediam tilápia, robalo e salmão. Era complicado. Mas fomos ganhando crédito. Outro dia servi peixe-sapo e ele acabou rapidinho”, diz Cauê Tessuto, do A Peixaria, em Moema.
Bella Masano, do Amadeus, tem relato parecido: “Quando comecei a trabalhar com pescada-amarela, um monte de clientes se recusava a comer. Hoje ela sai bem”. Já no Epice, Alberto Landgraf é radical: “Não sirvo atum, salmão nem bacalhau. E nem por isso perdi clientes. Pelo contrário: vendo mais peixe que carne. O restaurante não pode ser refém do cliente”.
No restaurante japonês Kinoshita, Tsuyoshi Murakami conta que quem senta no balcão está disposto a provar coisas diferentes. “Mas a família que senta na mesa dificilmente ousa”, diz.
E se nos restaurantes mais gastronômicos já é complicado apresentar pescado não convencional, imagine nos quilos e japoneses que se multiplicam pela cidade, com filés de tilápia e a indefectível tríade salmão-atum-peixe branco.
“O consumidor é que regula esse mercado”, diz a bióloga Carolina Bertazzi, uma das coordenadoras do Guia de Consumo Responsável de Pescados. Ou, só quando o pescador perceber que peixes considerados menos nobres têm saída – e a um preço justo – é que a cadeia vai começar a mudar.