Encostar num balcão de padaria, a qualquer hora do dia, e mandar a clássica: “um pão na chapa com pingado, por favor!”. Bem, se você é paulistano ou um habitué de padocas (ou as duas coisas, por que, não?!), das duas, uma: ou você já protagonizou essa cena ou já viu o coleguinha ao lado fazer esse pedido. Exagero? Só para se ter uma ideia, na Estado Luso, que faz o melhor pão francês de São Paulo, saem, em média, 170 pães na chapa e 50 pingados, num só dia.
Parte da memória afetiva do paulistano, o pão na chapa, o pingado e outros quitutes de padoca, como o croissant, foram promovidos a sabor por confeiteiros, que atinaram para essa, digamos, fixação gastronômica e passaram a criar sobremesas, sorvetes e chocolates inspirados nesses ícones.
Na Lida, padaria artesanal, que trabalha apenas com farinhas integrais processadas na própria casa, o sorvete de pão na chapa (R$ 65; 473 ml) surgiu em meio aos testes e mais testes de pães que antecederam sua abertura. Meio que como um reforço de identidade, “ele tem tudo a ver com a Lida”, afirma Carolina Arantes, que é sócia e sorveteira oficial da padaria, ele é feito com o pão da casa (trigo, água e sal), cujas fatias vão parar na frigideira com manteiga para, depois, infusionar o leite que vai virar sorvete.
“Na primeira tentativa, mantive pedacinhos desse pão na chapa na massa, mas não deu certo, eles cristalizaram no congelador. Agora, infusiono o leite de um dia para o outro, coo e bato o sorvete. Depois, incremento essa massa com pó de pão torrado, bem torrado mesmo, ao ponto de ficar preto”, revela.
Assim, além da doçura, o sorvete de pão na chapa tem o contraponto do sal da manteiga e um tantinho do amargor desse pó. É um dos sabores que mais saem na Lida e a maioria das compradoras são mulheres. “Elas são mais aventureiras. Os homens que torcem o nariz acham que é um sorvete salgado, mas daí a gente fala que lembra uma rabanada.”
Michele Kallas, da fábrica de chocolates Mica, teve a pachorra de transformar o querido pão na chapa em bombom. Ele surgiu, na verdade, no Dia das Mães de 2023, numa caixa especial inspirada em café da manhã. Dentre os demais sabores (cereal matinal, iogurte com frutas e mimosa), o de pão na chapa foi “sucesso absoluto, o mais comentado”, conta, e, por isso, vez ou outra, ele volta como sabor do mês. “E esgota toda hora”, confessa.
Não à toa, Michele tratou de incluir o sabor na campanha de Páscoa da marca, que indaga: “how do you like your eggs?”, que, em bom português, quer dizer, “como você gosta dos seus ovos?”. Cozido? Mexido? Bem, na Mica, você vai encontrar ele “frito” e com sabor de pão na chapa, tal qual o bombom de 2023. No recheio, vem uma ganache de manteiga tostada, incrementada com migalhas do brioche tostado, da padaria Fazemos Pão, para dar crocância (R$ 43).
De tão simbólicos para a cultura gastronômica paulistana, os sabores de padaria não escaparam até à grande indústria. No aniversário de São Paulo, a Nestlé juntou a fome com a vontade de comer no lançamento da linha I Love SP, que reúne chocolates KitKat de pão na chapa e pingado, além dos sabores bolinho de chuva e pipoca doce (R$ 49,90 a caixa com 8 barras).
Quem também atinou para a combinação certeira entre café com leite e chocolate foi a Baianí, marca tree to bar, que conta com o Café Pingado em seu portfólio. A barra (R$ 27,50; 58g) é feita com chocolate branco mesclado ao 65% cacau baiano e um toque de café mineiro. “Nada é mais representativo no DNA do brasileiro do que a mistura do café com leite. O Pingado é esse abraço gostoso. Beba, ou melhor, coma”, diz a descrição do produto.
Sobremesa campeã
Não é de hoje, aliás, que tem gente de olho no sucesso do pão na chapa com pingado. Na prova final da segunda edição do Masterchef Profissionais, lá em 2017, o chef Pablo Oazen ofereceu aos jurados um sorvete de pão na chapa, feito com manteiga noisette, servido com espuma de doce de leite e telha de café. À mesa, um tantinho de leite quente foi despejado no prato.
“É o sabor do pão mergulhado no café com leite, definitivamente. E café com leite de casa, nada gourmet”, descreveu a chef e jurada Paola Carosella.
A tal sobremesa era parte do menu que tornou Pablo o campeão da temporada. E ela foi parar no cardápio do extinto Benza, restaurante que fechou as portas durante a pandemia.
Sabor croissant
Bianca Mirabili estava às voltas com um sem-fim de croissants, quando teve a ideia de aproveitar as fornadas - de testes para a futura padaria do Evvai - para preparar um sorvete. Ele foi servido para os clientes na saída do restaurante, como um mimo, num dos dias mais quentes do ano passado.
Fez tanto sucesso, que ele acabou virando o sabor do picolé da temporada, no novo menu do Evvai, que entrou em cartaz no começo do mês.
“Infusiono o leite com o croissant de um dia para o outro, depois bato tudo e coo”, conta a confeiteira. Não bastasse a originalidade do sabor, que aguça o apetite e a memória afetiva dos comensais, o picolé ainda é servido com um microcroissant por cima. Pura delicadeza!
Um dos itens mais vendidos no Levena, restaurante especializado em café da manhã e brunch, o croissant virou barra de chocolate nas mãos do confeiteiro Diego Lozano. “Outro dia vi alguém fazendo uma manteiga de croissant no Instagram. Pensei: se dá para fazer manteiga, dá para fazer outras coisas também”.
Diego decidiu, então, combinar chocolate branco e croissants bem torrados na melanger e esperar a mágica. No dia seguinte, encontrou um chocolate levemente caramelizado e com um leve sabor de croissant. “Mas achei que faltava um punch, então, fiz uma ganache de croissant, incrementada com manteiga noisette”, revela.
A barra de chocolate (R$ 25; 70g), recheada com essa ganache e decorada com microcroissants em alto relevo, mal dá as caras na vitrine da casa e esgota. “Estamos reforçando a produção, porque tem gente que vem só pelo produto, chega aqui e não encontra”, conta.
Alguém ainda tem dúvidas de que somos (nós, paulistanos) obcecados pelos sabores de padoca?