O chef americano Dan Barber está à frente de uma revolução: a produção de sementes desenvolvidas para gerar alimentos mais apetitosos – orgânicas e obtidas a partir de técnicas tradicionais de cultivo, sem modificação genética. Colocando em contato horticultores e chefs de cozinha, ele visa variedades mais saborosas e nutritivas de legumes, grãos e hortaliças, com sucesso no mercado.
Na cadeia alimentar convencional, o cultivo é baseado em três premissas: rendimento, uniformidade e vida útil. Muitos agricultores, especialmente os que cultivam em escala não apostam em uma grande variedade de sementes, e a diversidade declinou vertiginosamente ao longo dos tempos. Os produtores não germinam as sementes que o público gostaria, saborosas, mas sim as que têm alto rendimento.
Pois o chef Dan Barber, do Blue Hill em Manhattan, Blue Hill at Stone Barns e precursor dos movimentos From farm to table, e Eat Local, autor de O Terceiro Prato, um dos mais relevantes cozinheiros e pensadores da gastronomia da atualidade, arregaçou as mangas e está apostando numa mudança radical. Ele já havia dado uma pista de seu novo interesse, em abril do ano passado, em conversa com Paladar, em Melbourne, na Austrália, durante o encontro para o The World’s 50 Best, quando deixou escapar que estava às voltas com genética e falou da enorme preocupação com o fato de a maior parte das sementes de alimentos produzidos e consumidos no mundo todo estarem nas mãos de poucas empresas. Não disse mais nada sobre o assunto até a semana passada, quando seu novo projeto foi anunciado nos Estados Unidos.
O chef fundou a empresa Row 7 Seed Co., em parceria com o agricultor orgânico Matthew Goldfarb e o agrônomo Michael Mazourek, professor da Universidade de Cornell. O objetivo do negócio é desenvolver, promover e vender sementes de legumes e grãos que nunca chegariam ao público.
A ideia é dar chance aos pequenos e grandes, que trabalham com agrônomos, pesquisadores de universidades e produzem sementes excepcionais, mas acabam não conseguindo colocá-las no mercado.
Segundo Mazourek, os pesquisadores há muito tempo estão atentos à questão das doenças e da resistência a pragas, mas no caso do sabor ninguém o questionou antes de Dan Barber. A companhia agora procura fundir sabor e vigor sem usar a engenharia genética (estas não são sementes geneticamente modificadas), mas cruzando uma variedade de planta com outra, como agricultores fazem há séculos. “Essas plantas têm mais sabor porque têm mais nutrientes”, disse Mazourek.
Aumentar o sabor dos alimentos é apenas parte do objetivo da companhia, diz Barber. “O outro foco é examinar como nós, chefs, podemos mudar a cultura do comer”, explica.
O chef listou mais de 50 cozinheiros influentes nos Estados Unidos e no exterior que pretende reunir, incluindo Jean-Georges Vongerichten, em Nova York, Renée Erickson, em Seattle, e Anne Qatrano, em Atlanta, Alain Ducasse, em Paris, e Ben Shewry, na Austrália (a lista completa de adesões está no site www.row7seeds.com).
A Row 7 já atraiu alguns investidores também. “Não há ninguém mais fazendo isto”, disse Richard Schnieders, investidor e ex-diretor executivo da Sysco.
No âmbito universitário público, o trabalho com as sementes tem sido frustrante, uma vez que os agrônomos podem desenvolver variedades maravilhosas e sustentáveis, mas não conseguem entrar no mercado. Porém, com essa parceria com chefs, os agrônomos passam a ter influência no mercado.
Sem patentes. Para a Row 7, a “semente democratizada” faz parte da sua missão. Tudo o que a empresa desenvolver estará disponível para ser usado. A companhia vai “incentivar, apoiar e sugerir, mas não exigir”, que quem usar as sementes com objetivo comercial pague uma taxa de licenciamento aos inovadores. Porém, as sementes não serão patenteadas.
Colaborações entre horticultores e chefs já ocorreram antes – não faltam exemplos –, mas não para influenciar e aprimorar sabor e textura. “Nunca pensei em conversar com um criador de sementes”, disse a chef Ana Sortun, do Oleana, em Boston. Ela é uma das dezenas de cozinheiros profissionais que planejam cozinhar com as novas variedades de vegetais assim que estiverem disponíveis. Mashama Bailey, do restaurante Grey Savannah, ficou interessado em uma variedade de abóbora com caule bom demais para jogar fora. “Gosto de usar o vegetal todo”, disse.
Tradição e inovação. O que esses produtores de sementes estão fazendo é usar técnicas tradicionais para reunir o sabor dos vegetais de variedades antigas com o vigor de variedades mais modernas. As sementes também serão próprias para o cultivo orgânico, sem agroquímicos. Nesta era de sementes muito privatizadas, essas seleções vão servir para que os agricultores melhorem suas plantações, por cruzamentos, como tem sido feito desde os primórdios da agricultura.
Variedades à venda. Na semana passada, a Row 7 começou a vender sementes em seu website row7seeds.com. No momento são apenas sete, produzidas pela empresa Badger Flame: três variedades de abóbora (incluindo uma maturada em vinho), uma batata pequena e cremosa, um pepino agradavelmente amargo, uma beterraba e uma pimenta habanero com sabores florais sem picância. Estimulada pelos chefs a produzir o que há de mais delicioso, a empresa espera atrair atenção (e encomendas) dos horticultores domésticos e agricultores de pequeno porte. E dessa forma as novas variedades poderão chegar aos mercados agrícolas e aos mercados de luxo e, se a demanda for boa, às cadeias de supermercados e de alimentos processados.
No início, a abóbora. É um objetivo ambicioso para uma nova empresa com uma oferta de produtos tão pequena e a preços altos, de US$ 3,50 para 100 sementes até US$ 4,95 para 12 unidades. Mas a Row 7 fez a aposta com base na observação do que acontece quando chefs influentes mostram força de marketing.
Há oito anos, Barber perguntou a Mazourek se ele conseguiria desenvolver uma abóbora de pescoço melhor. O agrônomo vinha trabalhando nisso havia anos e lhe mostrou a honeynut, uma abóbora miniatura, de sabor maravilhoso. Em cinco anos sua abóbora saiu da obscuridade acadêmica. “Ela não teria ficado conhecida sem a ajuda dos chefs”, disse Barber. “Eles a colocaram no Instagram, falaram a respeito, a colocaram em seus cardápios, e ela começou a ficar conhecida”, contou.
Barber, Mazourek e Goldfarb tiveram então a ideia de envolver mais chefs para que opinassem sobre quais sementes novas poderiam entrar no mercado. Seria uma anomalia extravagante ou o efeito honeynut poderia se repetir inúmeras vezes? Será que, com esse contato, os chefs criariam uma demanda por novas variedades mais experimentais, interessantes e diversas, com mais nutrientes e mais deliciosas, desde a raiz ao caule e às folhas? Apostaram.
Os colegas de Mazourek, horticultores com veia criativa, especialistas em couve-flor, milho e cenouras acharam o assunto empolgante. Quando Barber conversou com seus colegas cozinheiros, eles se entusiasmaram. Os sócios da Row 7 sondaram investidores como o diretor executivo do Whole Foods Market e Adam Neumann, executivo da WeWork. E o negócio evoluiu.
Lucros vão para a pesquisa. No momento, todo o lucro das vendas de sementes será usado em apoio à pesquisa. (Mais tarde o modelo será mais similar ao de outras empresas do ramo que transferem somente uma parte dos lucros para os cultivadores ou licenciam determinadas sementes mediante o pagamento de royalties).
Mazourek continuou trabalhando no honeynut, mesmo depois do seu sucesso inicial, selecionando os maiores rendimentos e armazenamento mais longo. E a ideia é fazer sempre isso. A abóbora 898 do tamanho de uma palma é sua versão mais recente e está no primeiro grupo de sementes da Row 7. A cada ano, a empresa planeja liberar mais variedades e versões mais recentes de sementes anteriormente vendidas.
/ NEW YORK TIMES E WASHINGTON POST.