Um balcãozinho, uma prateleirinha, quatro bancos, três mesinhas. O novo Shiro, no andar de cima do Kuro, um dos bons omakases dos Jardins, tem menos de 40 metros quadrados, acomoda no máximo 10 convivas (exclusivamente com reservas e mediante o pagamento de R$ 100), mas é gigante.
De cara, porque em um gole é capaz de transportar o cliente a mais de 18 mil quilômetros dali. A carta de drinques, idealizada pelo chef e sócio Gerard Barberan e pela head bartender de seu grupo (que inclui também três, em breve quatro, Bottegas Bernaccas e o Gran Bar Bernacca), Ana Gumieri propõe, com sotaque asiático, coquetéis autorais que poderiam ser clássicos.
Explica-se: no primeiro time troca o manjericão por shissô no basil smash (R$ 50); no segundo, lança criações como o laranja de ouro, combinação elegante e potente de jerez fino, awamori, laranja kinkan, bitter de laranja, R$ 60).
Aqui, cabe outra explanação: awamori é o destilado japonês mais antigo, feito com grãos de arroz tailandês e koji preto unicamente em Okinawa, arquipélago mais ao sul do país, que não, não deve ser confundido com shochu.
A bebida alcoólica mais consumida pelos japoneses pode ser destilada a partir de cevada, batata doce ou arroz. No Shiro, um belo exemplar de cevada brilha infusionado com trufas negras (verdadeiras, diga-se de passagem) e com toque de bitter hinoki (à base de caquis da floresta de Tama, ao lado de Tóquio) no toryufu (R$ 75).
Há ainda shochu num high ball com Calvados (R$ 45) e numa lista de meia dúzia de rótulos selecionados por Gerard. “O Shiro está na minha cabeça desde 2021, porque nunca gostei que o segundo andar do Kuro tivesse o mesmo omakase do térreo mas com iguarias e preço diferentes”, confessa ele, que este ano se permitiu uma imersão de um mês no Japão para lapidar as próprias ideias.
Entre elas, incluiu copos e taças de cristal de marca icônicas de lá, caso da Kimura Glass e da Edo Class, foi uma; gelos esculpidos à mão e nada além de insumos de qualidade superior, sobretudo nipônicos. Contudo, deixou brecha para produtos brasileiros, como a cachaça e o cumaru, que fazem um ménage à trois com matcha no cítrico su (R$ 50).
Como se nota, o foco do Shiro é a coquetelaria. No entanto, a comida raiz japonesa se sofistica e, sim, merece consideração por ali. Um exemplo? A potato sarada (saladinha de batata à moda japonesa) com takuan (conserva de nabo) defumado e anchova do Mar Cantábrico (R$ 50). Mais um? O namerō (R$ 25).
Herança dos pescadores da Península de Boso, que “cozinhavam” o que tiravam do mar (caso de carapaus, sardinhas e outros peixes aparentados) com missô e faziam um tartar pegajoso que ficava melhor “quanto mais lambido o prato fosse”. Bem, em bar tão arrumadinho, dificilmente alguém sairá lambendo tigela de namerō, por mais que a versão mereça.
Antes que perguntem, o Shiro está no segundo andar de um restaurante japonês, mas não lembra o Licquor Store, excelente bar do chef Thiago Bañares, sobre um dos melhores omakases da cidade, o Goya Zushi, de seu grande amigo Uil Goya San. Um é jazz, outro é indie rock. Um é lusco-fusco, o outro notívago.
Por mais que pareça, o novo bar dos Jardins não é um speakeasy. Tampouco um segredo. Porém, há um quê de mistério em sua atmosfera. No gestual, figurino e galhardia de Ana também. Pequenos enigmas que pedem para ser desvendados em mais visitas.
Shiro
R. Padre João Manuel, 712, Jardins. Seg. a sáb., 19h, 21h15 e 23h15. Reservas via whatsApp: (11) 91255-0906