Curso prático de culinária no Marrocos é “campeão da mudança” pelo World’s 50 Best Restaurants


Empoderamento feminino exala especiarias e rende o prêmio ao Amal for the Culinary Arts

Por Fernanda Meneguetti
Atualização:

Marrakech desperta. Rajadas de sol alastram o canto hipnótico do almuádem. Todo dia, há quase mil anos, aquela voz encerra o confinamento na antiga medina. Não é e é a mesma voz. Na primeira hora da manhã, o alarme alto aviva a cidade, nas seguintes abafa outros sons, encobre desejos.

O primeiro deles, do próprio muezim. Outrora, esse chamador das preces era cego. Assim, do alto do minarete, não caia na tentação de espreitar moça nenhuma. Ritmava o desadormecer sem ver que dali a pouco as vielas sinuosas se coloririam com turbantes, túnicas, tapetes, luminárias, cerâmicas e montanhas de azeitonas, doces, frutas e especiarias.

Pelas ruas, há muita cor, muita obscuridade também. Nos cafés, toma-se chá. Preto, fumegante, açucarado, intensamente perfumado com menta fresca. Nos cafés, homens tomam chá. Servidos por homens. Fumam e não comem.

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Devem ter em casa sopas e saladas dessas que não têm receita na web. Apesar de toda a produção agrária, devem tomar néctar de laranja em caixinha, espalhar margarina e não smen (a tradicional manteiga rançosa) em crepes ou biscoitos. Custos e “modernidade” confundindo as cabeças e os hábitos.

Sobre a mesa ou o tapete, a cozinha marroquina não tem sexo e, ao mesmo tempo, é das mais sensuais que há: mestiça e afrodisíaca, crocante e tenra. Dos persas, herdou o casamento entre carnes e frutas; dos turcos, a tara pelo dulçor. Faz do pão macio um conjunto de talheres e guardanapo; das trabalhosíssimas massas folhadas, esconderijos doces-salgados de carne e cebola ao aroma de canela.

Herança egípcia, o cuscuz, cozido no vapor, não leva apenas cinco minutos para ficar pronto como os de caixinha e repete-se, sagradamente, às sextas-feiras. Pode ser umedecido com caldo, molho, leite de ovelha ou de cabra. Escoltado por legumes e carnes cozidas. O de Khadija com vitela, cebolas caramelizadas e ameixas secas inebria.

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Vitelo, vegetais e especiarias no cuscuz do Dar Tazi Foto: Fernanda Meneguetti

Dar Tazi (http://www.restaurantdartazi.com/) é o térreo e o terraço de sua casa. Entre um andar e outro, a cozinheira vive com as duas filhas e o marido. Aos domingos, os quatro fogem para a praia. Não levam biquinis na bagagem, mas quiçá molhem os pés na água e comam sem culpa os docinhos da cozinheira empreendedora. Nozes, amêndoas e pistache, mel e caldas, tâmaras e figos, canela e gergelim em losangos, flores, quadradinhos, charutos, meias-luas...

Em bom francês, raridade mesmo sendo língua oficial do país, Khadija confessa a preferência pela confeitaria. A dela, aprendida nas frestas de tempo entre as obrigações do lar é dom. Um pequeno orgulho se comparado ao inglês falado pelas filhas e ao fato da primogênita estar na universidade e a caçula a caminho.

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A primeira faz o caixa e supervisiona o salão, cuida do Instagram (@dartazi), do Facebook e não usa véu. Porém, estranhou a cliente que esqueceu de entrar no toilette para acompanhar a cadência da meia dúzia de mulheres entre pia e fogão.

Na cozinha, elas não são desertoras, analfabetas, viúvas ou mãe solteiras, mas soldadas munidas de açafrão, cardamomo, gengibre, cravo da índia. Armas e aromas poderosos, que perfumam e encobrem as aflições do dia a dia. Essas mulheres não sonham com prêmios, nem guias, tampouco usam dólmãs. Contentam-se em acarinhar com pratos que, se pudessem, estariam preparando aos filhos, pais e irmãos.

Algo como o que acontece na Amal for the Culinary Arts (http://amalnonprofit.org), uma associação que, desde 2013, empodera mulheres, “uma refeição de cada vez”, por meio da culinária. Por lá, marroquinas desfavorecidas, de 18 a 35, com exceções de até 40 anos, são acolhidas e capacitadas durante um semestre para poderem ter qualquer cargo da restauração: cozinheiras, atendentes, gerentes – o que demonstrarem maior aptidão.

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Treinam no restaurante interno e, uma vez diplomadas, têm hotéis, riads (casarão familiar construído em torno de um pátio e hoje forma de hospedagem na medina) e outros negócios parceiros para buscarem autonomia financeira. A ideia bem-sucedida partiu de Nora Belahcen Fitzgerald e, uma década depois, rendeu homenagem no The World’s 50 Best Restaurants.

Nora Fitzgerald Belahcen, americana-marroquina que fundou o Amal para ajudar mulheres em Marrakech Foto: divulgação

Nascida no Marrocos de pais americanos, ela cozinha empreendedorismo social e, assim, já formou 320 mulheres. Soma-se a isso um café no Centro de Língua e Cultura de Marrakech, onde mulheres com deficiência auditiva comandam a operação. Proezas como essas renderam à regente o título de “campeã da mudança” neste ano.

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Como na lousinha pendurada no jardim da instituição, Nora acredita no poder da boa comida para mudar vidas, aproximar pessoas, alimentar e curar. Não à toa, no seu quintal, a porção generosa de cabelo de anjo com frutas secas, manteiga e especiarias é colo com sabor de independência. Propaga a mesma crença. Coloca o invisível à vista. Deixa amal (esperança em árabe) no ar.

Marrakech desperta. Rajadas de sol alastram o canto hipnótico do almuádem. Todo dia, há quase mil anos, aquela voz encerra o confinamento na antiga medina. Não é e é a mesma voz. Na primeira hora da manhã, o alarme alto aviva a cidade, nas seguintes abafa outros sons, encobre desejos.

O primeiro deles, do próprio muezim. Outrora, esse chamador das preces era cego. Assim, do alto do minarete, não caia na tentação de espreitar moça nenhuma. Ritmava o desadormecer sem ver que dali a pouco as vielas sinuosas se coloririam com turbantes, túnicas, tapetes, luminárias, cerâmicas e montanhas de azeitonas, doces, frutas e especiarias.

Pelas ruas, há muita cor, muita obscuridade também. Nos cafés, toma-se chá. Preto, fumegante, açucarado, intensamente perfumado com menta fresca. Nos cafés, homens tomam chá. Servidos por homens. Fumam e não comem.

Devem ter em casa sopas e saladas dessas que não têm receita na web. Apesar de toda a produção agrária, devem tomar néctar de laranja em caixinha, espalhar margarina e não smen (a tradicional manteiga rançosa) em crepes ou biscoitos. Custos e “modernidade” confundindo as cabeças e os hábitos.

Sobre a mesa ou o tapete, a cozinha marroquina não tem sexo e, ao mesmo tempo, é das mais sensuais que há: mestiça e afrodisíaca, crocante e tenra. Dos persas, herdou o casamento entre carnes e frutas; dos turcos, a tara pelo dulçor. Faz do pão macio um conjunto de talheres e guardanapo; das trabalhosíssimas massas folhadas, esconderijos doces-salgados de carne e cebola ao aroma de canela.

Herança egípcia, o cuscuz, cozido no vapor, não leva apenas cinco minutos para ficar pronto como os de caixinha e repete-se, sagradamente, às sextas-feiras. Pode ser umedecido com caldo, molho, leite de ovelha ou de cabra. Escoltado por legumes e carnes cozidas. O de Khadija com vitela, cebolas caramelizadas e ameixas secas inebria.

Vitelo, vegetais e especiarias no cuscuz do Dar Tazi Foto: Fernanda Meneguetti

Dar Tazi (http://www.restaurantdartazi.com/) é o térreo e o terraço de sua casa. Entre um andar e outro, a cozinheira vive com as duas filhas e o marido. Aos domingos, os quatro fogem para a praia. Não levam biquinis na bagagem, mas quiçá molhem os pés na água e comam sem culpa os docinhos da cozinheira empreendedora. Nozes, amêndoas e pistache, mel e caldas, tâmaras e figos, canela e gergelim em losangos, flores, quadradinhos, charutos, meias-luas...

Em bom francês, raridade mesmo sendo língua oficial do país, Khadija confessa a preferência pela confeitaria. A dela, aprendida nas frestas de tempo entre as obrigações do lar é dom. Um pequeno orgulho se comparado ao inglês falado pelas filhas e ao fato da primogênita estar na universidade e a caçula a caminho.

A primeira faz o caixa e supervisiona o salão, cuida do Instagram (@dartazi), do Facebook e não usa véu. Porém, estranhou a cliente que esqueceu de entrar no toilette para acompanhar a cadência da meia dúzia de mulheres entre pia e fogão.

Na cozinha, elas não são desertoras, analfabetas, viúvas ou mãe solteiras, mas soldadas munidas de açafrão, cardamomo, gengibre, cravo da índia. Armas e aromas poderosos, que perfumam e encobrem as aflições do dia a dia. Essas mulheres não sonham com prêmios, nem guias, tampouco usam dólmãs. Contentam-se em acarinhar com pratos que, se pudessem, estariam preparando aos filhos, pais e irmãos.

Algo como o que acontece na Amal for the Culinary Arts (http://amalnonprofit.org), uma associação que, desde 2013, empodera mulheres, “uma refeição de cada vez”, por meio da culinária. Por lá, marroquinas desfavorecidas, de 18 a 35, com exceções de até 40 anos, são acolhidas e capacitadas durante um semestre para poderem ter qualquer cargo da restauração: cozinheiras, atendentes, gerentes – o que demonstrarem maior aptidão.

Treinam no restaurante interno e, uma vez diplomadas, têm hotéis, riads (casarão familiar construído em torno de um pátio e hoje forma de hospedagem na medina) e outros negócios parceiros para buscarem autonomia financeira. A ideia bem-sucedida partiu de Nora Belahcen Fitzgerald e, uma década depois, rendeu homenagem no The World’s 50 Best Restaurants.

Nora Fitzgerald Belahcen, americana-marroquina que fundou o Amal para ajudar mulheres em Marrakech Foto: divulgação

Nascida no Marrocos de pais americanos, ela cozinha empreendedorismo social e, assim, já formou 320 mulheres. Soma-se a isso um café no Centro de Língua e Cultura de Marrakech, onde mulheres com deficiência auditiva comandam a operação. Proezas como essas renderam à regente o título de “campeã da mudança” neste ano.

Como na lousinha pendurada no jardim da instituição, Nora acredita no poder da boa comida para mudar vidas, aproximar pessoas, alimentar e curar. Não à toa, no seu quintal, a porção generosa de cabelo de anjo com frutas secas, manteiga e especiarias é colo com sabor de independência. Propaga a mesma crença. Coloca o invisível à vista. Deixa amal (esperança em árabe) no ar.

Marrakech desperta. Rajadas de sol alastram o canto hipnótico do almuádem. Todo dia, há quase mil anos, aquela voz encerra o confinamento na antiga medina. Não é e é a mesma voz. Na primeira hora da manhã, o alarme alto aviva a cidade, nas seguintes abafa outros sons, encobre desejos.

O primeiro deles, do próprio muezim. Outrora, esse chamador das preces era cego. Assim, do alto do minarete, não caia na tentação de espreitar moça nenhuma. Ritmava o desadormecer sem ver que dali a pouco as vielas sinuosas se coloririam com turbantes, túnicas, tapetes, luminárias, cerâmicas e montanhas de azeitonas, doces, frutas e especiarias.

Pelas ruas, há muita cor, muita obscuridade também. Nos cafés, toma-se chá. Preto, fumegante, açucarado, intensamente perfumado com menta fresca. Nos cafés, homens tomam chá. Servidos por homens. Fumam e não comem.

Devem ter em casa sopas e saladas dessas que não têm receita na web. Apesar de toda a produção agrária, devem tomar néctar de laranja em caixinha, espalhar margarina e não smen (a tradicional manteiga rançosa) em crepes ou biscoitos. Custos e “modernidade” confundindo as cabeças e os hábitos.

Sobre a mesa ou o tapete, a cozinha marroquina não tem sexo e, ao mesmo tempo, é das mais sensuais que há: mestiça e afrodisíaca, crocante e tenra. Dos persas, herdou o casamento entre carnes e frutas; dos turcos, a tara pelo dulçor. Faz do pão macio um conjunto de talheres e guardanapo; das trabalhosíssimas massas folhadas, esconderijos doces-salgados de carne e cebola ao aroma de canela.

Herança egípcia, o cuscuz, cozido no vapor, não leva apenas cinco minutos para ficar pronto como os de caixinha e repete-se, sagradamente, às sextas-feiras. Pode ser umedecido com caldo, molho, leite de ovelha ou de cabra. Escoltado por legumes e carnes cozidas. O de Khadija com vitela, cebolas caramelizadas e ameixas secas inebria.

Vitelo, vegetais e especiarias no cuscuz do Dar Tazi Foto: Fernanda Meneguetti

Dar Tazi (http://www.restaurantdartazi.com/) é o térreo e o terraço de sua casa. Entre um andar e outro, a cozinheira vive com as duas filhas e o marido. Aos domingos, os quatro fogem para a praia. Não levam biquinis na bagagem, mas quiçá molhem os pés na água e comam sem culpa os docinhos da cozinheira empreendedora. Nozes, amêndoas e pistache, mel e caldas, tâmaras e figos, canela e gergelim em losangos, flores, quadradinhos, charutos, meias-luas...

Em bom francês, raridade mesmo sendo língua oficial do país, Khadija confessa a preferência pela confeitaria. A dela, aprendida nas frestas de tempo entre as obrigações do lar é dom. Um pequeno orgulho se comparado ao inglês falado pelas filhas e ao fato da primogênita estar na universidade e a caçula a caminho.

A primeira faz o caixa e supervisiona o salão, cuida do Instagram (@dartazi), do Facebook e não usa véu. Porém, estranhou a cliente que esqueceu de entrar no toilette para acompanhar a cadência da meia dúzia de mulheres entre pia e fogão.

Na cozinha, elas não são desertoras, analfabetas, viúvas ou mãe solteiras, mas soldadas munidas de açafrão, cardamomo, gengibre, cravo da índia. Armas e aromas poderosos, que perfumam e encobrem as aflições do dia a dia. Essas mulheres não sonham com prêmios, nem guias, tampouco usam dólmãs. Contentam-se em acarinhar com pratos que, se pudessem, estariam preparando aos filhos, pais e irmãos.

Algo como o que acontece na Amal for the Culinary Arts (http://amalnonprofit.org), uma associação que, desde 2013, empodera mulheres, “uma refeição de cada vez”, por meio da culinária. Por lá, marroquinas desfavorecidas, de 18 a 35, com exceções de até 40 anos, são acolhidas e capacitadas durante um semestre para poderem ter qualquer cargo da restauração: cozinheiras, atendentes, gerentes – o que demonstrarem maior aptidão.

Treinam no restaurante interno e, uma vez diplomadas, têm hotéis, riads (casarão familiar construído em torno de um pátio e hoje forma de hospedagem na medina) e outros negócios parceiros para buscarem autonomia financeira. A ideia bem-sucedida partiu de Nora Belahcen Fitzgerald e, uma década depois, rendeu homenagem no The World’s 50 Best Restaurants.

Nora Fitzgerald Belahcen, americana-marroquina que fundou o Amal para ajudar mulheres em Marrakech Foto: divulgação

Nascida no Marrocos de pais americanos, ela cozinha empreendedorismo social e, assim, já formou 320 mulheres. Soma-se a isso um café no Centro de Língua e Cultura de Marrakech, onde mulheres com deficiência auditiva comandam a operação. Proezas como essas renderam à regente o título de “campeã da mudança” neste ano.

Como na lousinha pendurada no jardim da instituição, Nora acredita no poder da boa comida para mudar vidas, aproximar pessoas, alimentar e curar. Não à toa, no seu quintal, a porção generosa de cabelo de anjo com frutas secas, manteiga e especiarias é colo com sabor de independência. Propaga a mesma crença. Coloca o invisível à vista. Deixa amal (esperança em árabe) no ar.

Marrakech desperta. Rajadas de sol alastram o canto hipnótico do almuádem. Todo dia, há quase mil anos, aquela voz encerra o confinamento na antiga medina. Não é e é a mesma voz. Na primeira hora da manhã, o alarme alto aviva a cidade, nas seguintes abafa outros sons, encobre desejos.

O primeiro deles, do próprio muezim. Outrora, esse chamador das preces era cego. Assim, do alto do minarete, não caia na tentação de espreitar moça nenhuma. Ritmava o desadormecer sem ver que dali a pouco as vielas sinuosas se coloririam com turbantes, túnicas, tapetes, luminárias, cerâmicas e montanhas de azeitonas, doces, frutas e especiarias.

Pelas ruas, há muita cor, muita obscuridade também. Nos cafés, toma-se chá. Preto, fumegante, açucarado, intensamente perfumado com menta fresca. Nos cafés, homens tomam chá. Servidos por homens. Fumam e não comem.

Devem ter em casa sopas e saladas dessas que não têm receita na web. Apesar de toda a produção agrária, devem tomar néctar de laranja em caixinha, espalhar margarina e não smen (a tradicional manteiga rançosa) em crepes ou biscoitos. Custos e “modernidade” confundindo as cabeças e os hábitos.

Sobre a mesa ou o tapete, a cozinha marroquina não tem sexo e, ao mesmo tempo, é das mais sensuais que há: mestiça e afrodisíaca, crocante e tenra. Dos persas, herdou o casamento entre carnes e frutas; dos turcos, a tara pelo dulçor. Faz do pão macio um conjunto de talheres e guardanapo; das trabalhosíssimas massas folhadas, esconderijos doces-salgados de carne e cebola ao aroma de canela.

Herança egípcia, o cuscuz, cozido no vapor, não leva apenas cinco minutos para ficar pronto como os de caixinha e repete-se, sagradamente, às sextas-feiras. Pode ser umedecido com caldo, molho, leite de ovelha ou de cabra. Escoltado por legumes e carnes cozidas. O de Khadija com vitela, cebolas caramelizadas e ameixas secas inebria.

Vitelo, vegetais e especiarias no cuscuz do Dar Tazi Foto: Fernanda Meneguetti

Dar Tazi (http://www.restaurantdartazi.com/) é o térreo e o terraço de sua casa. Entre um andar e outro, a cozinheira vive com as duas filhas e o marido. Aos domingos, os quatro fogem para a praia. Não levam biquinis na bagagem, mas quiçá molhem os pés na água e comam sem culpa os docinhos da cozinheira empreendedora. Nozes, amêndoas e pistache, mel e caldas, tâmaras e figos, canela e gergelim em losangos, flores, quadradinhos, charutos, meias-luas...

Em bom francês, raridade mesmo sendo língua oficial do país, Khadija confessa a preferência pela confeitaria. A dela, aprendida nas frestas de tempo entre as obrigações do lar é dom. Um pequeno orgulho se comparado ao inglês falado pelas filhas e ao fato da primogênita estar na universidade e a caçula a caminho.

A primeira faz o caixa e supervisiona o salão, cuida do Instagram (@dartazi), do Facebook e não usa véu. Porém, estranhou a cliente que esqueceu de entrar no toilette para acompanhar a cadência da meia dúzia de mulheres entre pia e fogão.

Na cozinha, elas não são desertoras, analfabetas, viúvas ou mãe solteiras, mas soldadas munidas de açafrão, cardamomo, gengibre, cravo da índia. Armas e aromas poderosos, que perfumam e encobrem as aflições do dia a dia. Essas mulheres não sonham com prêmios, nem guias, tampouco usam dólmãs. Contentam-se em acarinhar com pratos que, se pudessem, estariam preparando aos filhos, pais e irmãos.

Algo como o que acontece na Amal for the Culinary Arts (http://amalnonprofit.org), uma associação que, desde 2013, empodera mulheres, “uma refeição de cada vez”, por meio da culinária. Por lá, marroquinas desfavorecidas, de 18 a 35, com exceções de até 40 anos, são acolhidas e capacitadas durante um semestre para poderem ter qualquer cargo da restauração: cozinheiras, atendentes, gerentes – o que demonstrarem maior aptidão.

Treinam no restaurante interno e, uma vez diplomadas, têm hotéis, riads (casarão familiar construído em torno de um pátio e hoje forma de hospedagem na medina) e outros negócios parceiros para buscarem autonomia financeira. A ideia bem-sucedida partiu de Nora Belahcen Fitzgerald e, uma década depois, rendeu homenagem no The World’s 50 Best Restaurants.

Nora Fitzgerald Belahcen, americana-marroquina que fundou o Amal para ajudar mulheres em Marrakech Foto: divulgação

Nascida no Marrocos de pais americanos, ela cozinha empreendedorismo social e, assim, já formou 320 mulheres. Soma-se a isso um café no Centro de Língua e Cultura de Marrakech, onde mulheres com deficiência auditiva comandam a operação. Proezas como essas renderam à regente o título de “campeã da mudança” neste ano.

Como na lousinha pendurada no jardim da instituição, Nora acredita no poder da boa comida para mudar vidas, aproximar pessoas, alimentar e curar. Não à toa, no seu quintal, a porção generosa de cabelo de anjo com frutas secas, manteiga e especiarias é colo com sabor de independência. Propaga a mesma crença. Coloca o invisível à vista. Deixa amal (esperança em árabe) no ar.

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