Há degustações que ficam na história. Uma delas foi o Julgamento de Paris, a prova às cegas que colocou os vinhos norte-americanos à frente dos grandes franceses e mudou a história do mundo de Baco. Outra, que completa 20 anos agora, é a Cata de Berlim, que, inspirada no Julgamento de Paris, mostrou a qualidade crescente dos vinhos chilenos. De 2004 a 2013, a comparação dos rótulos da Família Chadwick com grandes tintos de Bordeaux e da Itália, principalmente, foi realizada em 20 cidades, sempre com os vinhos chilenos em lugar de destaque. Inspirada na degustação parisiense, as catas de Chadwick eram conduzidas por Steven Spurrier (1941 a 2021), o crítico inglês que também organizou o Julgamento de Paris em 1971.
Para comemorar este aniversário, Eduardo Chadwick está organizando uma série de degustações pelas mesmas cidades que já sediaram a cata de Berlim. Esse tour começou, claro, em Berlim, em fevereiro, e será realizada na semana que vem em São Paulo. O objetivo de Chadwick, agora, não é mais comparar seus rótulos com os grandes ícones mundiais, mas mostrar como os seus vinhos evoluem. Por aqui, serão 13 vinhos, de safras antigas e recentes dos rótulos Viñedo Chadwick, Don Maximiano, Seña e Kai, este último elaborado com a carménère.
“Minha ideia foi colocar o vinho chileno no contexto mundial”, diz Chadwick, em entrevista exclusiva para o Paladar. A conversa contou também com a participação de Jeannie Cho Lee MW, que ajudou na organização destas provas na Ásia. Confira os principais trechos da entrevista, realizada a caminho das Termas Geométricas, no sul do Chile, projeto do arquiteto Germán del Sol, o mesmo que desenhou a vinícola dos rótulos premiuns de Chadwick, na região do Aconcágua.
Por que escolheu Berlim?
Eduardo Chadwick: Porque era uma capital da Europa, que estava sendo reconstruída. O lugar alternativo seria Londres, mas lá seria mais difícil. Os degustadores, em sua maioria master of wine [importante título neste mercado], iriam procurar mais a origem de cada vinho do que julgar sua qualidade. Não seria uma prova sobre a qualidade, mas sobre achar qual era chileno.
Quais os impactos dessa degustação?
Chadwick: Quando fizemos a primeira degustação em 2004, tivemos muito destaque nas revistas e nos jornais, mas a notícia ficou restrita à Alemanha. Um ano depois, o Otavio Piva, que importava nossos vinhos para o Brasil, me convenceu a fazer a prova em São Paulo. E foi um sucesso. No ano seguinte, fizemos em Tóquio e novamente foi consistente. Em São Paulo, primeiro ficou o Château Margaux 2001, depois o Viñedo Chadwick 2000 e o Seña 2001 em terceiro Seña. Em Tóquio, primeiro foi o Latour 2000, depois o Seña 2000 e o Viñedo Chadwick 2000 em terceiro.
Como foi entrar no mercado asiático?
Chadwick: Em Tóquio, eu contei com a ajuda de Jeannie [Jeannie Cho Lee MW que vive em Hong Kong]. Nós éramos estudantes do curso de master of wine e ficamos grandes amigos desde então. Em 2008, fizemos a degustação com Steven Spurrier em Beijing. Nesta época, não tinha vinhos finos na China, e o mercado dos grandes rótulos estava em Hong Kong. As pessoas ficaram bem surpresas porque não conheciam os vinhos chilenos.
Jeannie Cho Lee MW: Acho que quando provaram às cegas, os degustadores asiáticos sentiram aromas familiares e se identificaram com a qualidade.
Chadwick: Quando fizemos em Berlim, tínhamos os vinhos top de Bordeaux e da Toscana. Em Hong Kong, decidimos que teríamos apenas os grand cru classé de Bordeaux. Foi a única prova que fizemos assim, porque alguns châteaux não ficaram felizes comigo. Mas fomos tão bem-sucedidos nas degustações. Fizemos depois em Taiwan, na Coreia do Sul, e em 2010 fomos para Nova York. Até o ano de 2013, tínhamos feito 22 catas de Berlim, com diferentes vinhos.
Havia críticas?
Chadwick: Sim. No início, fazíamos as provas com safras jovens e algumas pessoas diziam que os vinhos franceses têm de ser apreciados com mais de 10 anos de garrafa. Mas chamávamos grandes degustadores, que sabem ponderar os vinhos de qualidade. Mas para provar o envelhecimento, fizemos provas verticais, com safras mais antigas.
Jeannie: Sim, eu não esperava que os vinhos chilenos fossem bem. Envelhecer é um processo, e os vinhos de Bordeaux têm mais tempo para envelhecer, têm a reputação. Não dava para saber como iriam se comportar em uma prova às cegas. No dia, abrimos todas as garrafas duas horas antes, todos os vinhos estavam na mesma temperatura e os vinhos falaram por si.
E o que Bordeaux achou do resultado?
Chadwick: Logo depois desta prova, eu tive um encontro com um negociant de Bordeaux, que disse que eu não era bem-vindo na região.
Jeannie: Dois representantes de dois grandes châteaux vieram falar comigo, dizendo que eu não estava ajudando Bordeaux, mas me pedindo para não escrever sobre isso. Os produtores de Bordeaux são muito sensíveis, e eu respondi que as condições eram justas.
Mas você parou as degustações por causa disso?
Chadwick: Teve um custo. Eu perdi alguns negociantes, dois para ser exato, que me falaram que eu teria de escolher entre continuar com as provas ou ter meus vinhos em seu portfolio. Mas continuamos a ter os nossos vinhos na Place de Bordeaux [desde 2010, Chadwick tem alguns de seus rótulos premiuns negociados em Bordeaux]. Eu já tinha colocado vinhos de outros países também conhecidos pela sua qualidade. Nas provas seguintes, decidi selecionar outros vinhos, tinha espanhóis, como o Vega Sicilia e o El Pisón, e californianos, como Ridge Monte Bello. Não era uma prova contra Bordeaux.
E qual a consequencia?
Chadwick: O ponto que queríamos é que estamos na companhia dos grandes vinhos. Não interessa se ficamos em primeiro ou em segundo ou em terceiro. Minha ideia é colocar o vinho chileno no contexto mundial. E acho que o cabernet sauvignon é o ponto. As pessoas podem comparar e entender a qualidade de um cabernet sauvignon do Alto Maipo, ao prová-lo junto com cabernet de outros lugares.
Há também um conceito de terroir para apresentar?
Chadwick: Achei que era tempo de ir para um novo estágio. O novo desafio é como as pessoas podem entender a tipicidade do terroir. E aí começamos com a ideia de masterclass para mostrar onde nós estávamos 20 anos atrás e onde estamos agora.
Mudou muito o cenário do vinho nestes 20 anos?
Chadwick: Quando comecei essas degustações, Robert Parker [o grande crítico de vinhos do século passado, criador da The Wine Advocate] numa tinha vindo ao Chile, nunca tinha pontuado um vinho chileno. Era embaraçoso. As pessoas perguntavam da minha pontuação e eu não tinha o que responder. Nem éramos considerados. Tivemos 100 pontos com Robert Parker no ano 2000. James Sucking deu 100 pontos para o Seña 2021. Agora não tem mais a questão de que o Chile é um vinho de classe mundial.
Como os outros produtores chilenos reagiram?
Chadwick: Acho que eles ficaram muito felizes, porque isso ajudou muito o país. Eu não pedi ajuda. Todos reconhecem que isso ajudou a acelerar o reconhecimento da qualidade do vinho chileno.
Quanto investiu?
Chadwick: Foi um investimento que teve de ser feito. Cerca de 800 pessoas participaram das degustações, elas comentaram comigo da qualidade e é sempre um julgamento pessoal. O maior investimento é o desafio de escrever essa história, dos vinhos finos no mundo. Agora é mais fácil contar a nossa história, mas até hoje a Wine Spectator [revista norte-americana] não julga o Chile. E, na época do en primeur [quando são apresentados os vinhos da nova safra em Bordeaux], mais de 10 mil pessoas vão para Bordeaux para provar esses vinhos. O Chile ainda está longe de ter esse fluxo de pessoas. Temos de enviar nossas amostras para os críticos e nossa equipe viaja para acompanhar as degustações.