O francês Michel Rolland é o melhor exemplo dos grandes flying winemarker, termo pomposo para definir aqueles enólogos que dão consultoria para muitas vinícolas ao redor do mundo. E, no seu reinado, foi responsabilizado (e muito criticado) por estabelecer quase uma padronização no estilo dos vinhos, principalmente os tintos, sempre concentrados, com aromas frutados e muita potência. Rolland saiu dos holofotes na última década, mas segue elaborando seus vinhos, agora não tão potentes assim.
Talvez por isso o enólogo italiano Alberto Antonini, também um consultor que gira o mundo, tenha uma preocupação de apontar os vinhos autorais, menos concentrados e com muita personalidade, como os seus preferidos. Na sua lista, estão produtores como Josko Gravner (conhecido por seus vinhos “laranja”, elaborados em ânforas); Soldera, um dos ícones entre os brunellos di Montalcino; Valentini, uma vinícola centenária de brancos únicos, em Abruzzo; e Foradori, em Trentino Alto Adige.
São todos italianos adeptos da filosofia de baixa intervenção nos vinhedos e na vinícola e, talvez por isso, seus nomes surpreenderam quando citados por Antonini. A conversa continuou com elogios aos rótulos mais focados em expressar seu terroir. “Tudo que esconde a origem de um vinho é um problema”, afirma ele, em um discurso em direção aos brancos e tintos com menor utilização de produtos enológicos em sua elaboração. Mas logo ele acrescenta que estes vinhos que não podem ter defeitos – e, aqui, destaca ele, questões como aromas redutivos e acidez volátil não são bem-vindos. Estes são alguns dos problemas relacionados a muitos (não todos) dos rótulos elaborados com baixa intervenção pelos enólogos.
Estávamos em um jantar em Maldonado, uma das regiões vinícolas promissoras do Uruguai, e o enólogo havia acabado de provar mais de 120 amostras de brancos e tintos da Bodegas Garzón, para definir os blends das safras de 2021 e 2022. Enorme, a Garzón tem o desafio de mostrar o potencial do Uruguai no seu mar de vinhedos – são 250 hectares de vinhas cultivadas em uma área de 1.300 hectares. A conversa exemplifica como os discursos ao redor da enologia estão mudando. Atualmente, Antonini, que faz vinhos desde o Açores, arquipélago português no meio do Atlântico, até a Armênia e na sua Toscana, na Itália, entre outros lugares, trabalha para trazer tipicidade aos diferentes projetos.
A Garzón, onde aconteceu a conversa, é um projeto ambicioso do empresário argentino Alejandro Bulgheroni, e é também uma das principais consultorias de Antonini, que ele visita três vezes ao ano. Mais que isso, o enólogo foi chamado pelo empresário, no início dos anos 2000, para indicar se a região, onde ele já tinha um projeto de azeites, poderia ser potencial para os vinhos. Antonini analisou o microclima local, estudou muito sobre as brisas do Oceano Atlântico, que caracterizam a região, e o solo, de origem granítica. Também pensou nas variedades, que além da óbvia tannat, tem a branca albariño e a tinta marselan, como apostas. “Entender as variedades é o mais difícil, entender bem a albariño ainda é um desafio”, afirma ele, sobre a uva branca que mais faz sucesso entre os vinhos deste estilo no Uruguai.
Com a análise pronta, acreditou na região. Só não esperava que Bulgheroni fosse apostar no projeto gigantesco, com vinhedos, uma vinícola moderna, com restaurante chefiado por Francis Mallmann, e que está sempre na relação dos melhores projetos de enoturismo. Seu desafio agora é trazer mais tipicidade a estes rótulos, todos muito bem elaborados, sem arestas, e muito equilibrados. Além do ícone Balastro, nome inspirado no nome do solo granítico meteorizado da região, há bons exemplos no portfolio, com os albariños, em suas diferentes categorias, o marselan que se mostra uma boa aposta, assim como o merlot. Aos interessados, os vinhos da Garzón estão no catálogo da World Wine.