Suzana Barelli

Os planos do vinhedo mais ao sul do Chile


Aurelio Montes del Campo, da viña Montes, conta o desafio de fazer vinhos na ilha de Chiloé, a 1.200 km de Santiago, quase na Patagonia

Por Suzana Barelli

Dois Aurelios dão o tom na chilena Viña Montes. O pai, que fundou a vinícola junto com três amigos, no final dos anos 1980, e o filho que, com o nome composto de Aurelio Montes Del Campo, traz a energia da segunda geração à vinícola.

No começo de maio, Del Campo passou pelo Brasil para lançar um novo carménère, bem diferente do estilo mais potente da vinícola, e também para conhecer seus novos importadores por aqui. Depois de quase 30 anos trabalhando com a Mistral, a Montes agora divide sua operação em três importadoras: a Berkmann, nacional; a Domazzi, para supermercados, e a Domno, para a região sul. Confira a seguir a entrevista.

Vamos começar com o Wings, um carménère que está sendo lançado agora?

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É um carménère com várias particularidades. Até recentemente tinha dois estilos de carménère no Chile: o maduro e o verde. Na nossa vinha em Apalta [no vale de Colchagua, próximo à cordilheira dos Andes], temos três setores, em ladeira, plantados com a carménère, que definimos como anti-carménère. O terreno é um solo decomposto de granito, mais pobre e muito profundo, no qual as raízes descem sete, oito metros. Decidimos desenvolver este vinho.

Era um vinhedo que já existia, então?

Sim. Quando eu fazia a mescla de Purple Angel [carménère premium da Montes], provava este vinho, gostava da qualidade, mas não era o estilo, e o vinho ia para o Montes Alpha Carménère. No início, meu pai não estava de acordo, mas decidimos lançar um vinho mais feminino, elegante. E batizamos de Wings [asas, em inglês], porque precisamos de duas asas para voar. São o Aurelio pai e o filho, em um vinho onde cada um entrega a sua ideia de um carménère. Eu decidi colocar 15% de cabernet franc no corte, variedade que é o pai do carménère.

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No final, o vinho compete com o Purple Angels?

Purple Angels é um vinho mais maduro, com notas de especiarias, e o Wings é mais fresco, rugoso, de acidez mais fresca. Provo o Purple Angels com cordeiro. Com Wings, com música.

Aurelio Montes Del Campo, filho do fundador da chilena Viña Montes Foto: Viña Montes
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Como é trabalhar com o seu pai?

Quando comecei na vinícola, em 2007, foi um inferno. Tenho a alma revolucionária e meu pai tem a da experiencia, percorrida com muita dificuldade. Os primeiros três anos foram muito complicados e em 2011 eu fui morar em Argentina, no nosso projeto Kaiken. Lá, fizemos um bom trabalho. Desde que voltei ao Chile, em 2016, tenho uma relação ótima com meu pai. O segredo está na humildade, a não acreditar só na sua crença. Na enologia tem muito egocentrismo, muitos donos da verdade. Eu acredito que o êxito está na amizade e em entregar o melhor. Até hoje, quando criticam algo para o meu pai, ele pode ficar chateado, mas quando chega a vinícola, ele abre a discussão. Wings é um bom exemplo. Saiu o tema, meu pai achava que seria competição a Purple Angels, mas eu provei que não, que são conceitos distintos.

Além do Wings, quais as apostas da Viña Montes?

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Para o estrangeiro, Chile é um país de carménère e do cabernet sauvignon. Estamos em uma campanha de promover a diversidade de país e estamos desenvolvendo novos vinhedos nesta perspectiva. Um exemplo é que, nos brancos, o Chile é conhecido pelos brancos que vem do mar. Mas decidimos lançar uma linha de brancos 100% com uvas da Cordilheira dos Andes, o que não é comum. Será uma cuvée, acima do Montes Alpha, com vinhedos plantados em solo mais mineral, de granito e rocha decomposta, mas tem um vento muito fresco. É um clima frio de altura, portanto tem mais luz, comparando com os vinhos da costa do Pacífico, e não temos a neblina e a umidade da manhã.

Qual o estilo destes vinhos?

O resultado são vinhos com rica acidez, aromas diferentes, lembrando bosques nativos, mais floral e bosque de boldo. É muito mais europeu.

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Como vocês chegaram a Chiloé, o vinhedo mais austral do Chile?

O projeto nasceu porque meu pai gosta de navegar e encontrou esta baia. É uma baia protegida para os temporais, e por isso ele teve a ideia de vinhedo.

Como está o projeto?

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São dois hectares de vinhedos, plantados com riesling, alvariño, gewurztraminer, sauvignon blanc, chardonnay e pinot noir, e devemos chegar a 10 hectares no máximo. Estamos a 1.200 quilômetros ao sul de Santiago: duas horas de voo, depois uma hora de carro, depois um bote, depois outro pote, e mais 10 minutos de caminhada para chegar aos vinhedos. Lá, temos ensaios, cultivados em espaldeira [vinheiras enfileiradas, lado a lado]. Temos dois problemas: o primeiro é que custa muito para a uva maturar. Colhemos em maio, com 10 graus de álcool. Mas 10%, 10,5% de álcool não é legal no Chile e precisamos chaptalizar.

Quando devem sair os primeiros vinhos?

Nesta safra decidimos que vamos fazer um espumante. Os vinhos ficam com baixo álcool, mas tem uma acidez muito alta. Serão 300 garrafas, que queremos que seja o melhor espumante do Chile. É um espumante muito fresco, com um perfil aromático distinto. No Chile, estamos acostumados a um perfil mais frutado, mas ele não tem tantas notas de frutas, tem um floral. Vamos eleger as variedades que forem melhores e já sabemos que riesling e gewurztraminer não foram bem.

A única tinta é a pinot noir?

A pinot noir vai bem, mas como tem cor, os castores e os pássaros comem. Temos de colocar armadilhas, porque não matamos animais. Normalmente, capturamos os castores e levamos para outra ilha. O problema é que sabem nadar.

As duas gerações de Aurélios da Viña Montes Foto: Montes

Como é o terroir?

É um arquipélago, onde aparece até a baleia Orca. Mas este mar é dois graus mais quente que Valparaiso [litoral perto de Santiago], por exemplo, porque está protegido da corrente de Humbolt. É uma água mais quente, mas, mesmo assim, muito fria. Não tem geadas, porque estamos muito próximos à água. Colocamos as colchas de mariscos na base das plantas para esquentar os vinhedos. Como são poucos quilos de uvas, colhemos e levamos as uvas para Apalta. É um projeto que estou apaixonado. Vai estar na linha Other Limits. Em custo, não vamos pagar nunca. Não é um projeto economicamente rentável.

É quase um mundo perdido.

Quando chegamos lá, fui à escola do vilarejo. Tinha oito alunos. Perguntei quantos já tinham saído da ilha. Só dois, que tinham ido para a ilha vizinha, que é maior. Então os convidei e também suas famílias e as professoras para conheceram a Montes. Fomos para Santiago, visitamos a cidade, museus e as nossas vinícolas para eles entenderem o que fazemos. Em Marchigue [zona vinícola próxima ao Pacífico, em Colchagua], um menino foi abraçar o cacto, que nunca tinha visto. Hoje, o povoado nos adora, porque as crianças entenderam que não éramos estrangeiros. A questão é que agora os meninos vão quer sair. Mostramos o lindo das grandes cidades e não o feio.

Chegaram lá pelo aquecimento global?

Para definirmos o aquecimento global, temos de pensar que tudo sobe em temperatura, mas não é assim que está acontecendo. O que temos são anos erráticos. Tem anos historicamente frios. Não há uma tendencia para o calor, mas uma variação. No Sul, é o mesmo. O aquecimento global não nos ajuda. Sabemos que se colocamos um teto, as uvas maturariam bem, mas não queremos colocar, que seria perde o terroir.

Como nascem os novos projetos na Montes?

Somos cinco enólogos, o mais novo de 25 anos e o mais velho, o meu pai. Temos homens e mulheres.

Todos os anos, antes da colheita, converso com a equipe e falo que cada um tem um tanque para fazer o que quiser, propor algo distinto. Muitas vezes não funciona, mas às vezes nasce coisas interessantes. Atualmente, este enólogo de 25 anos está com um projeto de cabernet franc, que ele mesmo sugeriu. Até recentemente, a Montes era muito básica, quase sem tecnologia, porque acreditamos que os enólogos têm de estar com as mãos sujas. Agora, estamos implementando tecnologias que facilitam o trabalho.

É uma liberdade de criação?

Na Montes, temos a liberdade de fazer o que queremos. Fui enólogo de outras vinícolas por dez anos e brigava com os departamentos comerciais. Aqui, somos os donos e fazemos o que acreditamos que seja o melhor do Chile. Temos o cinsault, o syrah de zona fria, nem sempre tão fáceis de vender. Em uma vinícola que trabalhei, o comercial me dizia para elaborar um pinot grigio, que a variedade está na moda. Na Montes, estamos fazendo ensaios com a touriga nacional, em Apalta e em Marchigue. Temos tempranillo em Marchigue; e a albariño, em Zapallar [no vale central, perto do Pacífico], Marchigue e Chiloé.

Dois Aurelios dão o tom na chilena Viña Montes. O pai, que fundou a vinícola junto com três amigos, no final dos anos 1980, e o filho que, com o nome composto de Aurelio Montes Del Campo, traz a energia da segunda geração à vinícola.

No começo de maio, Del Campo passou pelo Brasil para lançar um novo carménère, bem diferente do estilo mais potente da vinícola, e também para conhecer seus novos importadores por aqui. Depois de quase 30 anos trabalhando com a Mistral, a Montes agora divide sua operação em três importadoras: a Berkmann, nacional; a Domazzi, para supermercados, e a Domno, para a região sul. Confira a seguir a entrevista.

Vamos começar com o Wings, um carménère que está sendo lançado agora?

É um carménère com várias particularidades. Até recentemente tinha dois estilos de carménère no Chile: o maduro e o verde. Na nossa vinha em Apalta [no vale de Colchagua, próximo à cordilheira dos Andes], temos três setores, em ladeira, plantados com a carménère, que definimos como anti-carménère. O terreno é um solo decomposto de granito, mais pobre e muito profundo, no qual as raízes descem sete, oito metros. Decidimos desenvolver este vinho.

Era um vinhedo que já existia, então?

Sim. Quando eu fazia a mescla de Purple Angel [carménère premium da Montes], provava este vinho, gostava da qualidade, mas não era o estilo, e o vinho ia para o Montes Alpha Carménère. No início, meu pai não estava de acordo, mas decidimos lançar um vinho mais feminino, elegante. E batizamos de Wings [asas, em inglês], porque precisamos de duas asas para voar. São o Aurelio pai e o filho, em um vinho onde cada um entrega a sua ideia de um carménère. Eu decidi colocar 15% de cabernet franc no corte, variedade que é o pai do carménère.

No final, o vinho compete com o Purple Angels?

Purple Angels é um vinho mais maduro, com notas de especiarias, e o Wings é mais fresco, rugoso, de acidez mais fresca. Provo o Purple Angels com cordeiro. Com Wings, com música.

Aurelio Montes Del Campo, filho do fundador da chilena Viña Montes Foto: Viña Montes

Como é trabalhar com o seu pai?

Quando comecei na vinícola, em 2007, foi um inferno. Tenho a alma revolucionária e meu pai tem a da experiencia, percorrida com muita dificuldade. Os primeiros três anos foram muito complicados e em 2011 eu fui morar em Argentina, no nosso projeto Kaiken. Lá, fizemos um bom trabalho. Desde que voltei ao Chile, em 2016, tenho uma relação ótima com meu pai. O segredo está na humildade, a não acreditar só na sua crença. Na enologia tem muito egocentrismo, muitos donos da verdade. Eu acredito que o êxito está na amizade e em entregar o melhor. Até hoje, quando criticam algo para o meu pai, ele pode ficar chateado, mas quando chega a vinícola, ele abre a discussão. Wings é um bom exemplo. Saiu o tema, meu pai achava que seria competição a Purple Angels, mas eu provei que não, que são conceitos distintos.

Além do Wings, quais as apostas da Viña Montes?

Para o estrangeiro, Chile é um país de carménère e do cabernet sauvignon. Estamos em uma campanha de promover a diversidade de país e estamos desenvolvendo novos vinhedos nesta perspectiva. Um exemplo é que, nos brancos, o Chile é conhecido pelos brancos que vem do mar. Mas decidimos lançar uma linha de brancos 100% com uvas da Cordilheira dos Andes, o que não é comum. Será uma cuvée, acima do Montes Alpha, com vinhedos plantados em solo mais mineral, de granito e rocha decomposta, mas tem um vento muito fresco. É um clima frio de altura, portanto tem mais luz, comparando com os vinhos da costa do Pacífico, e não temos a neblina e a umidade da manhã.

Qual o estilo destes vinhos?

O resultado são vinhos com rica acidez, aromas diferentes, lembrando bosques nativos, mais floral e bosque de boldo. É muito mais europeu.

Como vocês chegaram a Chiloé, o vinhedo mais austral do Chile?

O projeto nasceu porque meu pai gosta de navegar e encontrou esta baia. É uma baia protegida para os temporais, e por isso ele teve a ideia de vinhedo.

Como está o projeto?

São dois hectares de vinhedos, plantados com riesling, alvariño, gewurztraminer, sauvignon blanc, chardonnay e pinot noir, e devemos chegar a 10 hectares no máximo. Estamos a 1.200 quilômetros ao sul de Santiago: duas horas de voo, depois uma hora de carro, depois um bote, depois outro pote, e mais 10 minutos de caminhada para chegar aos vinhedos. Lá, temos ensaios, cultivados em espaldeira [vinheiras enfileiradas, lado a lado]. Temos dois problemas: o primeiro é que custa muito para a uva maturar. Colhemos em maio, com 10 graus de álcool. Mas 10%, 10,5% de álcool não é legal no Chile e precisamos chaptalizar.

Quando devem sair os primeiros vinhos?

Nesta safra decidimos que vamos fazer um espumante. Os vinhos ficam com baixo álcool, mas tem uma acidez muito alta. Serão 300 garrafas, que queremos que seja o melhor espumante do Chile. É um espumante muito fresco, com um perfil aromático distinto. No Chile, estamos acostumados a um perfil mais frutado, mas ele não tem tantas notas de frutas, tem um floral. Vamos eleger as variedades que forem melhores e já sabemos que riesling e gewurztraminer não foram bem.

A única tinta é a pinot noir?

A pinot noir vai bem, mas como tem cor, os castores e os pássaros comem. Temos de colocar armadilhas, porque não matamos animais. Normalmente, capturamos os castores e levamos para outra ilha. O problema é que sabem nadar.

As duas gerações de Aurélios da Viña Montes Foto: Montes

Como é o terroir?

É um arquipélago, onde aparece até a baleia Orca. Mas este mar é dois graus mais quente que Valparaiso [litoral perto de Santiago], por exemplo, porque está protegido da corrente de Humbolt. É uma água mais quente, mas, mesmo assim, muito fria. Não tem geadas, porque estamos muito próximos à água. Colocamos as colchas de mariscos na base das plantas para esquentar os vinhedos. Como são poucos quilos de uvas, colhemos e levamos as uvas para Apalta. É um projeto que estou apaixonado. Vai estar na linha Other Limits. Em custo, não vamos pagar nunca. Não é um projeto economicamente rentável.

É quase um mundo perdido.

Quando chegamos lá, fui à escola do vilarejo. Tinha oito alunos. Perguntei quantos já tinham saído da ilha. Só dois, que tinham ido para a ilha vizinha, que é maior. Então os convidei e também suas famílias e as professoras para conheceram a Montes. Fomos para Santiago, visitamos a cidade, museus e as nossas vinícolas para eles entenderem o que fazemos. Em Marchigue [zona vinícola próxima ao Pacífico, em Colchagua], um menino foi abraçar o cacto, que nunca tinha visto. Hoje, o povoado nos adora, porque as crianças entenderam que não éramos estrangeiros. A questão é que agora os meninos vão quer sair. Mostramos o lindo das grandes cidades e não o feio.

Chegaram lá pelo aquecimento global?

Para definirmos o aquecimento global, temos de pensar que tudo sobe em temperatura, mas não é assim que está acontecendo. O que temos são anos erráticos. Tem anos historicamente frios. Não há uma tendencia para o calor, mas uma variação. No Sul, é o mesmo. O aquecimento global não nos ajuda. Sabemos que se colocamos um teto, as uvas maturariam bem, mas não queremos colocar, que seria perde o terroir.

Como nascem os novos projetos na Montes?

Somos cinco enólogos, o mais novo de 25 anos e o mais velho, o meu pai. Temos homens e mulheres.

Todos os anos, antes da colheita, converso com a equipe e falo que cada um tem um tanque para fazer o que quiser, propor algo distinto. Muitas vezes não funciona, mas às vezes nasce coisas interessantes. Atualmente, este enólogo de 25 anos está com um projeto de cabernet franc, que ele mesmo sugeriu. Até recentemente, a Montes era muito básica, quase sem tecnologia, porque acreditamos que os enólogos têm de estar com as mãos sujas. Agora, estamos implementando tecnologias que facilitam o trabalho.

É uma liberdade de criação?

Na Montes, temos a liberdade de fazer o que queremos. Fui enólogo de outras vinícolas por dez anos e brigava com os departamentos comerciais. Aqui, somos os donos e fazemos o que acreditamos que seja o melhor do Chile. Temos o cinsault, o syrah de zona fria, nem sempre tão fáceis de vender. Em uma vinícola que trabalhei, o comercial me dizia para elaborar um pinot grigio, que a variedade está na moda. Na Montes, estamos fazendo ensaios com a touriga nacional, em Apalta e em Marchigue. Temos tempranillo em Marchigue; e a albariño, em Zapallar [no vale central, perto do Pacífico], Marchigue e Chiloé.

Dois Aurelios dão o tom na chilena Viña Montes. O pai, que fundou a vinícola junto com três amigos, no final dos anos 1980, e o filho que, com o nome composto de Aurelio Montes Del Campo, traz a energia da segunda geração à vinícola.

No começo de maio, Del Campo passou pelo Brasil para lançar um novo carménère, bem diferente do estilo mais potente da vinícola, e também para conhecer seus novos importadores por aqui. Depois de quase 30 anos trabalhando com a Mistral, a Montes agora divide sua operação em três importadoras: a Berkmann, nacional; a Domazzi, para supermercados, e a Domno, para a região sul. Confira a seguir a entrevista.

Vamos começar com o Wings, um carménère que está sendo lançado agora?

É um carménère com várias particularidades. Até recentemente tinha dois estilos de carménère no Chile: o maduro e o verde. Na nossa vinha em Apalta [no vale de Colchagua, próximo à cordilheira dos Andes], temos três setores, em ladeira, plantados com a carménère, que definimos como anti-carménère. O terreno é um solo decomposto de granito, mais pobre e muito profundo, no qual as raízes descem sete, oito metros. Decidimos desenvolver este vinho.

Era um vinhedo que já existia, então?

Sim. Quando eu fazia a mescla de Purple Angel [carménère premium da Montes], provava este vinho, gostava da qualidade, mas não era o estilo, e o vinho ia para o Montes Alpha Carménère. No início, meu pai não estava de acordo, mas decidimos lançar um vinho mais feminino, elegante. E batizamos de Wings [asas, em inglês], porque precisamos de duas asas para voar. São o Aurelio pai e o filho, em um vinho onde cada um entrega a sua ideia de um carménère. Eu decidi colocar 15% de cabernet franc no corte, variedade que é o pai do carménère.

No final, o vinho compete com o Purple Angels?

Purple Angels é um vinho mais maduro, com notas de especiarias, e o Wings é mais fresco, rugoso, de acidez mais fresca. Provo o Purple Angels com cordeiro. Com Wings, com música.

Aurelio Montes Del Campo, filho do fundador da chilena Viña Montes Foto: Viña Montes

Como é trabalhar com o seu pai?

Quando comecei na vinícola, em 2007, foi um inferno. Tenho a alma revolucionária e meu pai tem a da experiencia, percorrida com muita dificuldade. Os primeiros três anos foram muito complicados e em 2011 eu fui morar em Argentina, no nosso projeto Kaiken. Lá, fizemos um bom trabalho. Desde que voltei ao Chile, em 2016, tenho uma relação ótima com meu pai. O segredo está na humildade, a não acreditar só na sua crença. Na enologia tem muito egocentrismo, muitos donos da verdade. Eu acredito que o êxito está na amizade e em entregar o melhor. Até hoje, quando criticam algo para o meu pai, ele pode ficar chateado, mas quando chega a vinícola, ele abre a discussão. Wings é um bom exemplo. Saiu o tema, meu pai achava que seria competição a Purple Angels, mas eu provei que não, que são conceitos distintos.

Além do Wings, quais as apostas da Viña Montes?

Para o estrangeiro, Chile é um país de carménère e do cabernet sauvignon. Estamos em uma campanha de promover a diversidade de país e estamos desenvolvendo novos vinhedos nesta perspectiva. Um exemplo é que, nos brancos, o Chile é conhecido pelos brancos que vem do mar. Mas decidimos lançar uma linha de brancos 100% com uvas da Cordilheira dos Andes, o que não é comum. Será uma cuvée, acima do Montes Alpha, com vinhedos plantados em solo mais mineral, de granito e rocha decomposta, mas tem um vento muito fresco. É um clima frio de altura, portanto tem mais luz, comparando com os vinhos da costa do Pacífico, e não temos a neblina e a umidade da manhã.

Qual o estilo destes vinhos?

O resultado são vinhos com rica acidez, aromas diferentes, lembrando bosques nativos, mais floral e bosque de boldo. É muito mais europeu.

Como vocês chegaram a Chiloé, o vinhedo mais austral do Chile?

O projeto nasceu porque meu pai gosta de navegar e encontrou esta baia. É uma baia protegida para os temporais, e por isso ele teve a ideia de vinhedo.

Como está o projeto?

São dois hectares de vinhedos, plantados com riesling, alvariño, gewurztraminer, sauvignon blanc, chardonnay e pinot noir, e devemos chegar a 10 hectares no máximo. Estamos a 1.200 quilômetros ao sul de Santiago: duas horas de voo, depois uma hora de carro, depois um bote, depois outro pote, e mais 10 minutos de caminhada para chegar aos vinhedos. Lá, temos ensaios, cultivados em espaldeira [vinheiras enfileiradas, lado a lado]. Temos dois problemas: o primeiro é que custa muito para a uva maturar. Colhemos em maio, com 10 graus de álcool. Mas 10%, 10,5% de álcool não é legal no Chile e precisamos chaptalizar.

Quando devem sair os primeiros vinhos?

Nesta safra decidimos que vamos fazer um espumante. Os vinhos ficam com baixo álcool, mas tem uma acidez muito alta. Serão 300 garrafas, que queremos que seja o melhor espumante do Chile. É um espumante muito fresco, com um perfil aromático distinto. No Chile, estamos acostumados a um perfil mais frutado, mas ele não tem tantas notas de frutas, tem um floral. Vamos eleger as variedades que forem melhores e já sabemos que riesling e gewurztraminer não foram bem.

A única tinta é a pinot noir?

A pinot noir vai bem, mas como tem cor, os castores e os pássaros comem. Temos de colocar armadilhas, porque não matamos animais. Normalmente, capturamos os castores e levamos para outra ilha. O problema é que sabem nadar.

As duas gerações de Aurélios da Viña Montes Foto: Montes

Como é o terroir?

É um arquipélago, onde aparece até a baleia Orca. Mas este mar é dois graus mais quente que Valparaiso [litoral perto de Santiago], por exemplo, porque está protegido da corrente de Humbolt. É uma água mais quente, mas, mesmo assim, muito fria. Não tem geadas, porque estamos muito próximos à água. Colocamos as colchas de mariscos na base das plantas para esquentar os vinhedos. Como são poucos quilos de uvas, colhemos e levamos as uvas para Apalta. É um projeto que estou apaixonado. Vai estar na linha Other Limits. Em custo, não vamos pagar nunca. Não é um projeto economicamente rentável.

É quase um mundo perdido.

Quando chegamos lá, fui à escola do vilarejo. Tinha oito alunos. Perguntei quantos já tinham saído da ilha. Só dois, que tinham ido para a ilha vizinha, que é maior. Então os convidei e também suas famílias e as professoras para conheceram a Montes. Fomos para Santiago, visitamos a cidade, museus e as nossas vinícolas para eles entenderem o que fazemos. Em Marchigue [zona vinícola próxima ao Pacífico, em Colchagua], um menino foi abraçar o cacto, que nunca tinha visto. Hoje, o povoado nos adora, porque as crianças entenderam que não éramos estrangeiros. A questão é que agora os meninos vão quer sair. Mostramos o lindo das grandes cidades e não o feio.

Chegaram lá pelo aquecimento global?

Para definirmos o aquecimento global, temos de pensar que tudo sobe em temperatura, mas não é assim que está acontecendo. O que temos são anos erráticos. Tem anos historicamente frios. Não há uma tendencia para o calor, mas uma variação. No Sul, é o mesmo. O aquecimento global não nos ajuda. Sabemos que se colocamos um teto, as uvas maturariam bem, mas não queremos colocar, que seria perde o terroir.

Como nascem os novos projetos na Montes?

Somos cinco enólogos, o mais novo de 25 anos e o mais velho, o meu pai. Temos homens e mulheres.

Todos os anos, antes da colheita, converso com a equipe e falo que cada um tem um tanque para fazer o que quiser, propor algo distinto. Muitas vezes não funciona, mas às vezes nasce coisas interessantes. Atualmente, este enólogo de 25 anos está com um projeto de cabernet franc, que ele mesmo sugeriu. Até recentemente, a Montes era muito básica, quase sem tecnologia, porque acreditamos que os enólogos têm de estar com as mãos sujas. Agora, estamos implementando tecnologias que facilitam o trabalho.

É uma liberdade de criação?

Na Montes, temos a liberdade de fazer o que queremos. Fui enólogo de outras vinícolas por dez anos e brigava com os departamentos comerciais. Aqui, somos os donos e fazemos o que acreditamos que seja o melhor do Chile. Temos o cinsault, o syrah de zona fria, nem sempre tão fáceis de vender. Em uma vinícola que trabalhei, o comercial me dizia para elaborar um pinot grigio, que a variedade está na moda. Na Montes, estamos fazendo ensaios com a touriga nacional, em Apalta e em Marchigue. Temos tempranillo em Marchigue; e a albariño, em Zapallar [no vale central, perto do Pacífico], Marchigue e Chiloé.

Dois Aurelios dão o tom na chilena Viña Montes. O pai, que fundou a vinícola junto com três amigos, no final dos anos 1980, e o filho que, com o nome composto de Aurelio Montes Del Campo, traz a energia da segunda geração à vinícola.

No começo de maio, Del Campo passou pelo Brasil para lançar um novo carménère, bem diferente do estilo mais potente da vinícola, e também para conhecer seus novos importadores por aqui. Depois de quase 30 anos trabalhando com a Mistral, a Montes agora divide sua operação em três importadoras: a Berkmann, nacional; a Domazzi, para supermercados, e a Domno, para a região sul. Confira a seguir a entrevista.

Vamos começar com o Wings, um carménère que está sendo lançado agora?

É um carménère com várias particularidades. Até recentemente tinha dois estilos de carménère no Chile: o maduro e o verde. Na nossa vinha em Apalta [no vale de Colchagua, próximo à cordilheira dos Andes], temos três setores, em ladeira, plantados com a carménère, que definimos como anti-carménère. O terreno é um solo decomposto de granito, mais pobre e muito profundo, no qual as raízes descem sete, oito metros. Decidimos desenvolver este vinho.

Era um vinhedo que já existia, então?

Sim. Quando eu fazia a mescla de Purple Angel [carménère premium da Montes], provava este vinho, gostava da qualidade, mas não era o estilo, e o vinho ia para o Montes Alpha Carménère. No início, meu pai não estava de acordo, mas decidimos lançar um vinho mais feminino, elegante. E batizamos de Wings [asas, em inglês], porque precisamos de duas asas para voar. São o Aurelio pai e o filho, em um vinho onde cada um entrega a sua ideia de um carménère. Eu decidi colocar 15% de cabernet franc no corte, variedade que é o pai do carménère.

No final, o vinho compete com o Purple Angels?

Purple Angels é um vinho mais maduro, com notas de especiarias, e o Wings é mais fresco, rugoso, de acidez mais fresca. Provo o Purple Angels com cordeiro. Com Wings, com música.

Aurelio Montes Del Campo, filho do fundador da chilena Viña Montes Foto: Viña Montes

Como é trabalhar com o seu pai?

Quando comecei na vinícola, em 2007, foi um inferno. Tenho a alma revolucionária e meu pai tem a da experiencia, percorrida com muita dificuldade. Os primeiros três anos foram muito complicados e em 2011 eu fui morar em Argentina, no nosso projeto Kaiken. Lá, fizemos um bom trabalho. Desde que voltei ao Chile, em 2016, tenho uma relação ótima com meu pai. O segredo está na humildade, a não acreditar só na sua crença. Na enologia tem muito egocentrismo, muitos donos da verdade. Eu acredito que o êxito está na amizade e em entregar o melhor. Até hoje, quando criticam algo para o meu pai, ele pode ficar chateado, mas quando chega a vinícola, ele abre a discussão. Wings é um bom exemplo. Saiu o tema, meu pai achava que seria competição a Purple Angels, mas eu provei que não, que são conceitos distintos.

Além do Wings, quais as apostas da Viña Montes?

Para o estrangeiro, Chile é um país de carménère e do cabernet sauvignon. Estamos em uma campanha de promover a diversidade de país e estamos desenvolvendo novos vinhedos nesta perspectiva. Um exemplo é que, nos brancos, o Chile é conhecido pelos brancos que vem do mar. Mas decidimos lançar uma linha de brancos 100% com uvas da Cordilheira dos Andes, o que não é comum. Será uma cuvée, acima do Montes Alpha, com vinhedos plantados em solo mais mineral, de granito e rocha decomposta, mas tem um vento muito fresco. É um clima frio de altura, portanto tem mais luz, comparando com os vinhos da costa do Pacífico, e não temos a neblina e a umidade da manhã.

Qual o estilo destes vinhos?

O resultado são vinhos com rica acidez, aromas diferentes, lembrando bosques nativos, mais floral e bosque de boldo. É muito mais europeu.

Como vocês chegaram a Chiloé, o vinhedo mais austral do Chile?

O projeto nasceu porque meu pai gosta de navegar e encontrou esta baia. É uma baia protegida para os temporais, e por isso ele teve a ideia de vinhedo.

Como está o projeto?

São dois hectares de vinhedos, plantados com riesling, alvariño, gewurztraminer, sauvignon blanc, chardonnay e pinot noir, e devemos chegar a 10 hectares no máximo. Estamos a 1.200 quilômetros ao sul de Santiago: duas horas de voo, depois uma hora de carro, depois um bote, depois outro pote, e mais 10 minutos de caminhada para chegar aos vinhedos. Lá, temos ensaios, cultivados em espaldeira [vinheiras enfileiradas, lado a lado]. Temos dois problemas: o primeiro é que custa muito para a uva maturar. Colhemos em maio, com 10 graus de álcool. Mas 10%, 10,5% de álcool não é legal no Chile e precisamos chaptalizar.

Quando devem sair os primeiros vinhos?

Nesta safra decidimos que vamos fazer um espumante. Os vinhos ficam com baixo álcool, mas tem uma acidez muito alta. Serão 300 garrafas, que queremos que seja o melhor espumante do Chile. É um espumante muito fresco, com um perfil aromático distinto. No Chile, estamos acostumados a um perfil mais frutado, mas ele não tem tantas notas de frutas, tem um floral. Vamos eleger as variedades que forem melhores e já sabemos que riesling e gewurztraminer não foram bem.

A única tinta é a pinot noir?

A pinot noir vai bem, mas como tem cor, os castores e os pássaros comem. Temos de colocar armadilhas, porque não matamos animais. Normalmente, capturamos os castores e levamos para outra ilha. O problema é que sabem nadar.

As duas gerações de Aurélios da Viña Montes Foto: Montes

Como é o terroir?

É um arquipélago, onde aparece até a baleia Orca. Mas este mar é dois graus mais quente que Valparaiso [litoral perto de Santiago], por exemplo, porque está protegido da corrente de Humbolt. É uma água mais quente, mas, mesmo assim, muito fria. Não tem geadas, porque estamos muito próximos à água. Colocamos as colchas de mariscos na base das plantas para esquentar os vinhedos. Como são poucos quilos de uvas, colhemos e levamos as uvas para Apalta. É um projeto que estou apaixonado. Vai estar na linha Other Limits. Em custo, não vamos pagar nunca. Não é um projeto economicamente rentável.

É quase um mundo perdido.

Quando chegamos lá, fui à escola do vilarejo. Tinha oito alunos. Perguntei quantos já tinham saído da ilha. Só dois, que tinham ido para a ilha vizinha, que é maior. Então os convidei e também suas famílias e as professoras para conheceram a Montes. Fomos para Santiago, visitamos a cidade, museus e as nossas vinícolas para eles entenderem o que fazemos. Em Marchigue [zona vinícola próxima ao Pacífico, em Colchagua], um menino foi abraçar o cacto, que nunca tinha visto. Hoje, o povoado nos adora, porque as crianças entenderam que não éramos estrangeiros. A questão é que agora os meninos vão quer sair. Mostramos o lindo das grandes cidades e não o feio.

Chegaram lá pelo aquecimento global?

Para definirmos o aquecimento global, temos de pensar que tudo sobe em temperatura, mas não é assim que está acontecendo. O que temos são anos erráticos. Tem anos historicamente frios. Não há uma tendencia para o calor, mas uma variação. No Sul, é o mesmo. O aquecimento global não nos ajuda. Sabemos que se colocamos um teto, as uvas maturariam bem, mas não queremos colocar, que seria perde o terroir.

Como nascem os novos projetos na Montes?

Somos cinco enólogos, o mais novo de 25 anos e o mais velho, o meu pai. Temos homens e mulheres.

Todos os anos, antes da colheita, converso com a equipe e falo que cada um tem um tanque para fazer o que quiser, propor algo distinto. Muitas vezes não funciona, mas às vezes nasce coisas interessantes. Atualmente, este enólogo de 25 anos está com um projeto de cabernet franc, que ele mesmo sugeriu. Até recentemente, a Montes era muito básica, quase sem tecnologia, porque acreditamos que os enólogos têm de estar com as mãos sujas. Agora, estamos implementando tecnologias que facilitam o trabalho.

É uma liberdade de criação?

Na Montes, temos a liberdade de fazer o que queremos. Fui enólogo de outras vinícolas por dez anos e brigava com os departamentos comerciais. Aqui, somos os donos e fazemos o que acreditamos que seja o melhor do Chile. Temos o cinsault, o syrah de zona fria, nem sempre tão fáceis de vender. Em uma vinícola que trabalhei, o comercial me dizia para elaborar um pinot grigio, que a variedade está na moda. Na Montes, estamos fazendo ensaios com a touriga nacional, em Apalta e em Marchigue. Temos tempranillo em Marchigue; e a albariño, em Zapallar [no vale central, perto do Pacífico], Marchigue e Chiloé.

Dois Aurelios dão o tom na chilena Viña Montes. O pai, que fundou a vinícola junto com três amigos, no final dos anos 1980, e o filho que, com o nome composto de Aurelio Montes Del Campo, traz a energia da segunda geração à vinícola.

No começo de maio, Del Campo passou pelo Brasil para lançar um novo carménère, bem diferente do estilo mais potente da vinícola, e também para conhecer seus novos importadores por aqui. Depois de quase 30 anos trabalhando com a Mistral, a Montes agora divide sua operação em três importadoras: a Berkmann, nacional; a Domazzi, para supermercados, e a Domno, para a região sul. Confira a seguir a entrevista.

Vamos começar com o Wings, um carménère que está sendo lançado agora?

É um carménère com várias particularidades. Até recentemente tinha dois estilos de carménère no Chile: o maduro e o verde. Na nossa vinha em Apalta [no vale de Colchagua, próximo à cordilheira dos Andes], temos três setores, em ladeira, plantados com a carménère, que definimos como anti-carménère. O terreno é um solo decomposto de granito, mais pobre e muito profundo, no qual as raízes descem sete, oito metros. Decidimos desenvolver este vinho.

Era um vinhedo que já existia, então?

Sim. Quando eu fazia a mescla de Purple Angel [carménère premium da Montes], provava este vinho, gostava da qualidade, mas não era o estilo, e o vinho ia para o Montes Alpha Carménère. No início, meu pai não estava de acordo, mas decidimos lançar um vinho mais feminino, elegante. E batizamos de Wings [asas, em inglês], porque precisamos de duas asas para voar. São o Aurelio pai e o filho, em um vinho onde cada um entrega a sua ideia de um carménère. Eu decidi colocar 15% de cabernet franc no corte, variedade que é o pai do carménère.

No final, o vinho compete com o Purple Angels?

Purple Angels é um vinho mais maduro, com notas de especiarias, e o Wings é mais fresco, rugoso, de acidez mais fresca. Provo o Purple Angels com cordeiro. Com Wings, com música.

Aurelio Montes Del Campo, filho do fundador da chilena Viña Montes Foto: Viña Montes

Como é trabalhar com o seu pai?

Quando comecei na vinícola, em 2007, foi um inferno. Tenho a alma revolucionária e meu pai tem a da experiencia, percorrida com muita dificuldade. Os primeiros três anos foram muito complicados e em 2011 eu fui morar em Argentina, no nosso projeto Kaiken. Lá, fizemos um bom trabalho. Desde que voltei ao Chile, em 2016, tenho uma relação ótima com meu pai. O segredo está na humildade, a não acreditar só na sua crença. Na enologia tem muito egocentrismo, muitos donos da verdade. Eu acredito que o êxito está na amizade e em entregar o melhor. Até hoje, quando criticam algo para o meu pai, ele pode ficar chateado, mas quando chega a vinícola, ele abre a discussão. Wings é um bom exemplo. Saiu o tema, meu pai achava que seria competição a Purple Angels, mas eu provei que não, que são conceitos distintos.

Além do Wings, quais as apostas da Viña Montes?

Para o estrangeiro, Chile é um país de carménère e do cabernet sauvignon. Estamos em uma campanha de promover a diversidade de país e estamos desenvolvendo novos vinhedos nesta perspectiva. Um exemplo é que, nos brancos, o Chile é conhecido pelos brancos que vem do mar. Mas decidimos lançar uma linha de brancos 100% com uvas da Cordilheira dos Andes, o que não é comum. Será uma cuvée, acima do Montes Alpha, com vinhedos plantados em solo mais mineral, de granito e rocha decomposta, mas tem um vento muito fresco. É um clima frio de altura, portanto tem mais luz, comparando com os vinhos da costa do Pacífico, e não temos a neblina e a umidade da manhã.

Qual o estilo destes vinhos?

O resultado são vinhos com rica acidez, aromas diferentes, lembrando bosques nativos, mais floral e bosque de boldo. É muito mais europeu.

Como vocês chegaram a Chiloé, o vinhedo mais austral do Chile?

O projeto nasceu porque meu pai gosta de navegar e encontrou esta baia. É uma baia protegida para os temporais, e por isso ele teve a ideia de vinhedo.

Como está o projeto?

São dois hectares de vinhedos, plantados com riesling, alvariño, gewurztraminer, sauvignon blanc, chardonnay e pinot noir, e devemos chegar a 10 hectares no máximo. Estamos a 1.200 quilômetros ao sul de Santiago: duas horas de voo, depois uma hora de carro, depois um bote, depois outro pote, e mais 10 minutos de caminhada para chegar aos vinhedos. Lá, temos ensaios, cultivados em espaldeira [vinheiras enfileiradas, lado a lado]. Temos dois problemas: o primeiro é que custa muito para a uva maturar. Colhemos em maio, com 10 graus de álcool. Mas 10%, 10,5% de álcool não é legal no Chile e precisamos chaptalizar.

Quando devem sair os primeiros vinhos?

Nesta safra decidimos que vamos fazer um espumante. Os vinhos ficam com baixo álcool, mas tem uma acidez muito alta. Serão 300 garrafas, que queremos que seja o melhor espumante do Chile. É um espumante muito fresco, com um perfil aromático distinto. No Chile, estamos acostumados a um perfil mais frutado, mas ele não tem tantas notas de frutas, tem um floral. Vamos eleger as variedades que forem melhores e já sabemos que riesling e gewurztraminer não foram bem.

A única tinta é a pinot noir?

A pinot noir vai bem, mas como tem cor, os castores e os pássaros comem. Temos de colocar armadilhas, porque não matamos animais. Normalmente, capturamos os castores e levamos para outra ilha. O problema é que sabem nadar.

As duas gerações de Aurélios da Viña Montes Foto: Montes

Como é o terroir?

É um arquipélago, onde aparece até a baleia Orca. Mas este mar é dois graus mais quente que Valparaiso [litoral perto de Santiago], por exemplo, porque está protegido da corrente de Humbolt. É uma água mais quente, mas, mesmo assim, muito fria. Não tem geadas, porque estamos muito próximos à água. Colocamos as colchas de mariscos na base das plantas para esquentar os vinhedos. Como são poucos quilos de uvas, colhemos e levamos as uvas para Apalta. É um projeto que estou apaixonado. Vai estar na linha Other Limits. Em custo, não vamos pagar nunca. Não é um projeto economicamente rentável.

É quase um mundo perdido.

Quando chegamos lá, fui à escola do vilarejo. Tinha oito alunos. Perguntei quantos já tinham saído da ilha. Só dois, que tinham ido para a ilha vizinha, que é maior. Então os convidei e também suas famílias e as professoras para conheceram a Montes. Fomos para Santiago, visitamos a cidade, museus e as nossas vinícolas para eles entenderem o que fazemos. Em Marchigue [zona vinícola próxima ao Pacífico, em Colchagua], um menino foi abraçar o cacto, que nunca tinha visto. Hoje, o povoado nos adora, porque as crianças entenderam que não éramos estrangeiros. A questão é que agora os meninos vão quer sair. Mostramos o lindo das grandes cidades e não o feio.

Chegaram lá pelo aquecimento global?

Para definirmos o aquecimento global, temos de pensar que tudo sobe em temperatura, mas não é assim que está acontecendo. O que temos são anos erráticos. Tem anos historicamente frios. Não há uma tendencia para o calor, mas uma variação. No Sul, é o mesmo. O aquecimento global não nos ajuda. Sabemos que se colocamos um teto, as uvas maturariam bem, mas não queremos colocar, que seria perde o terroir.

Como nascem os novos projetos na Montes?

Somos cinco enólogos, o mais novo de 25 anos e o mais velho, o meu pai. Temos homens e mulheres.

Todos os anos, antes da colheita, converso com a equipe e falo que cada um tem um tanque para fazer o que quiser, propor algo distinto. Muitas vezes não funciona, mas às vezes nasce coisas interessantes. Atualmente, este enólogo de 25 anos está com um projeto de cabernet franc, que ele mesmo sugeriu. Até recentemente, a Montes era muito básica, quase sem tecnologia, porque acreditamos que os enólogos têm de estar com as mãos sujas. Agora, estamos implementando tecnologias que facilitam o trabalho.

É uma liberdade de criação?

Na Montes, temos a liberdade de fazer o que queremos. Fui enólogo de outras vinícolas por dez anos e brigava com os departamentos comerciais. Aqui, somos os donos e fazemos o que acreditamos que seja o melhor do Chile. Temos o cinsault, o syrah de zona fria, nem sempre tão fáceis de vender. Em uma vinícola que trabalhei, o comercial me dizia para elaborar um pinot grigio, que a variedade está na moda. Na Montes, estamos fazendo ensaios com a touriga nacional, em Apalta e em Marchigue. Temos tempranillo em Marchigue; e a albariño, em Zapallar [no vale central, perto do Pacífico], Marchigue e Chiloé.

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