Foram os diamantes, no século 19, que trouxeram fama à Chapada Diamantina, no interior da Bahia. Mais recentemente, a região cresceu como rota do turismo de aventura – impossível resistir às cachoeiras, grutas, trilhas e canions, em um cenário exuberante –, e também pela importância crescente do agronegócio. Agora, o vinho e as frutas vermelhas ajudam a moldar uma paisagem baiana sem vatapá ou acarajé e de clima frio – são as baixas temperaturas, neste planalto baiano, que explicam o sucesso do plantio de amoras, framboesas, morangos e até pitaia, frutas mais associadas à região Sul do Brasil.
No vinho, a explicação está na chamada poda invertida ou dupla poda. É uma técnica que “engana” a videira, com poda, irrigação e fertilizantes específicos para incentivar a brotação, o que permite que as plantas gerem frutos no inverno. Desenvolvida pelo pesquisador Murilo de Albuquerque Regina, a poda invertida vem viabilizando a viticultura na região formada entre o Sudeste, Centro Oeste e no interior do Nordeste.
PROJETO SUSTENTÁVEL
Na Bahia, o principal exemplo de como essa técnica pode ser promissora é a vinícola Uvva, projeto da família Borré, que migrou do sul do Rio Grande do Sul e atualmente é a dona da Fazenda Progresso, localizada na zona rural da pequena Mucugê, talvez a mais charmosa entre as cidades que delimitam a chapada. Mas há vinícolas menores por perto, como a Vaz e a Reconvexo, no Morro do Chapéu, também na Chapada.
O projeto da família Borré é ousado, sustentável e com um pezinho nas artes – há um espaço, ao lado da sala de barricas para exposições. Atualmente é o artista Marcos Zacariades que tem suas obras por lá. A vinícola ocupa uma área de 4 mil metros planejada e construída para que a uva siga as suas etapas de vinificação por gravidade. O projeto reúne muito do que há de mais moderno na enologia. Das prensas que funcionam com nitrogênio e barricas mais tecnológicas, com sistemas próprios de rotação, aos tanques de diversos tamanhos – o enólogo Marcelo Petroli tem uma micro-vinícola dentro da vinícola para os seus experimentos.
VINHEDOS EM CÍRCULOS
Os 52 hectares de vinhedos, que começaram a ser plantados em 2012, seguem a forma circular, baseado no sistema de irrigação por pivô, que marca o agronegócio. Só há variedades vitiviniferas cultivadas, como chardonnay, cabernet sauvignon ou pinot noir, em uma área a 1.150 metros do nível do mar (a Bahia, sempre bom lembrar, não é só litoral e tem as suas montanhas). A syrah, que é a cepa mais identificada com a poda invertida, só mostrou seu potencial na última safra e chega agora ao mercado.
“Nosso primeiro vinho era intragável”, confessa Fabiano Borré, da terceira geração e atual CEO do projeto. Em 2018, uma mescla de cabernet sauvignon com cabernet franc agradou à família a ponto de decidirem investir em terem na vinícola. Decisão tomada, as obras começaram e o prédio foi inaugurado em 2022.
QUASE 20 RÓTULOS
A acidez natural é uma das principais características de seus vinhos. O clima local, semi-árido, mas com grande amplitude térmica durante o dia e a noite – as noites de outono e inverno são frias nesta Bahia – ajuda a gerar esta acidez. O solo é franco, argiloso e arenoso.
No portfolio, há quase 20 rótulos, entre espumantes, brancos e tintos. Na taça, os vinhos contam uma história que ainda começa a ser escrita. Muitos trazem a pureza da fruta, outros poderiam ter menos passagem pelas barricas de carvalho. São arestas que tendem a ser lapidadas no futuro.