Uma garrafa de seis litros do vinho Lote 43, safra 2004, foi leiloado por R$ 17,6 mil, em um evento para arrecadar recursos para as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. O valor chama atenção e, se não tiver sido o montante mais alto pago para um vinho brasileiro, está próximo disso. Na verdade, a garrafa especial do Lote 43, da vinícola Miolo, foi arrematada por R$ 8.800, mas havia um acordo com o Banco Sicredi, que a instituição dobrava o lance final, o que levou ao preço recorde.
“Imaginávamos que a garrafa mais cara sairia no máximo por R$ 10 mil”, afirma Caroline Dani, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers – Rio Grande do Sul, que promoveu o evento em parceria com a Cristiano Escola Leilões.
Na mesma noite, uma garrafa de um espumante especial da Cave Geisse, uma magnum (1,5 mil) da safra de 1998, foi vendida por R$ 5.200. A vinícola tem ainda pouco menos de 180 garrafas em estoque desse espumante, que foi elogiado pela crítica inglesa Jancis Robinson e que hoje são destinadas a eventos especiais ou beneficentes.
No caso do espumante leiloado, Daniel Geisse, diretor da vinícola, diz que a bebida estava espetacular. Como os vinhos estão armazenados ainda sem o degorgment (como é chamado o processo de tirar as leveduras da garrafa), essa retirada é realizada manualmente apenas quando a garrafa é vendida e, assim, Daniel pode provar a bebida.
“São pouquíssimos os leilões de vinhos brasileiros”, aponta Daniel Geisse. Isso inviabiliza a comercialização de vinhos raros, como joias cobiçadas como o vinho Velho do Museu, que a Wine & Co chegou a comercializar antes de acabarem as garrafas de safras antigas, ou o Cabernet Franc da Don Giovanni. São garrafas conhecidas por envelhecerem bem, o que pode ser traduzido por preços mais altos.
NO MERCADO
Das safras disponíveis no mercado, chama atenção que várias garrafas vêm sendo comercializadas por valores mais altos, muitas próximas dos R$ 1.000. No site da Luiz Argenta, por exemplo, há um merlot de uvas desidratadas comercializado por R$ 1.700; a Lidio Carraro oferece o Vinum Amphorae III, da safra de 2002, por R$ 1.315,80. O Anima Gran Reserva, o tinto ícone da vinícola de Galvão Bueno, a Bueno Wines, é um merlot vendido por R$ 1.111,12.
De pequeníssima produção, o enólogo Vilmar Bettú comercializa os seus três vinhos premium por R$ 5.000, cada garrafa. É um cabernet sauvignon, um tannat e um nebbiolo, todos da safra de 2002. A Casa Valduga tem o seu ícone Luiz Valduga, atualmente indisponível no mercado. Estes são apenas alguns exemplos e mostram que vinícolas brasileiras estão posicionando na casa dos quatro dígitos o preço dos seus rótulos ícones, em geral de pequenas produções.
Aqui, o enólogo Adriano Miolo, diretor-superintendente da Miolo, diz que esses vinhos estão obtendo esse preço também porque estão conseguindo conquistar os consumidores, ao apresentar qualidade e consistência safra após safra. O Sesmaria, da Miolo, que quando lançado em 2008, era o tinto mais caro entre os rótulos brasileiros, é vendido atualmente por R$ 1.173,90, a safra de 2022. Este vinho é lançado em lotes, em um sistema de “en premiuer” (vendas antecipadas). O primeiro lote, comercializado um ano antes de o vinho chegar ao mercado, tem preço equivalente a US$ 100, e o valor vai sendo reajustado conforme os próximos lotes vão chegando ao mercado.
O PREÇO DOS PAULISTAS
Na Serra da Mantiqueira, na divisa de São Paulo com Minas Gerais, onde reinam os vinhos elaborados pelo sistema de dupla poda, também é possível encontrar garrafas de valores, digamos, salgados. O Pinot Noir 2018, da vinícola paulista Guaspari, é vendido por R$ 628, no site da empresa. O Casa Tés, que será apresentado em breve pelo sistema de alocação, deve custar R$ 520. Aqui, o empreendedor Pedro Testa, dono da vinícola, fez uma vasta pesquisa de mercado antes de definir o valor do seu tinto, que conta com a consultoria de Pierre Lurton, o francês responsável por vinhos ícones, como Château Cheval Blanc, em Bordeaux, e o Château D’Yquem, em Sauternes.
Mas esses rótulos brasileiros valem o quanto pesam? Aqui, Adriano Miolo responde com um convite para provar esses vinhos às cegas. “A verdade está na taça, e muitos vinhos brasileiros se saem melhores em provas às cegas com concorrentes sul-americanos e europeus, na mesma faixa de preço”, afirma ele. O convite está feito, para aqueles que podem desembolsar esse valor em uma garrafa de vinho, seja nacional ou importado.