Suzana Barelli

Talhas, ânforas ou qvevris?


No Alentejo, o Amphora Wine Day reúne mais de 60 produtores e divulga vinhos de qualidade crescente elaborados em potes de terracota

Por Suzana Barelli
O vinho em ânfora é uma bebida rústica, elaborada em potes de terracota que, conforme a sua origem, são chamados de talha, ânfora ou qvevris Foto: Ricardo Bernardo

Esqueça aquela ideia de que vinho em ânfora é sempre uma bebida rústica, simples e, às vezes, com defeitos de fermentação. Elaborados nestes potes de terracota, que conforme a sua origem são chamados de talha, ânfora ou qvevris, estes brancos e tintos vem ganhando qualidade nas safras mais recentes. O melhor exemplo é o Júpiter, um vinho de ânfora da safra de 2015, que chegou ao mercado com preço de 1 mil euros (no Brasil, é comercializado por R$ 18,8 mil na World Wine).

O júpiter

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A complexidade do Júpiter chama a atenção. Ele nasceu na Herdade do Rocim, vinícola alentejana, quando uvas da recém-comprada Vinha da Micaela foram colocadas aleatoriamente em três ânforas. Quis o destino que uma dessas talhas se destacasse tanto pela qualidade que foi separada para um projeto futuro. E desde a safra seguinte o enólogo Pedro Ribeiro tenta repetir o vinho sem sucesso. “O capataz não sabe dizer que uvas colocou em cada talha”, lamenta Ribeiro.

Mas, mesmo sendo um vinho de uma única safra, o Júpiter aponta para a qualidade crescente dos brancos e tintos elaborados nestes recipientes e até levanta novas discussões em torno da talha, tema que reverbera no Amphora Wine Day (AWD). Em sua sexta edição, realizada em meados de novembro no Alentejo, em Portugal, o evento reuniu mais de 60 produtores destes vinhos, de países tão diversos como Portugal e Georgia, conhecidos por suas talhas ou qvevris, como são chamados os potes georgianos, mas também Espanha, Itália e África do Sul, entre outros países. E, quem sabe um dia também o Brasil, já que por aqui temos alguns poucos produtores deste estilo de vinho.

Os enólogos Pedro Ribeiro e Catarina Vieira Foto: Ricardo Bernardo
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Quais as uvas?

No próprio evento, o jornalista português Luís Lopes levanta a questão: há uvas próprias para as talhas? Em Portugal, as variedades locais como moreto, perrum e até a castelão parecem ganhar a preferência dos produtores. Mas por que a alicante bouschet, quase a rainha do Alentejo, raramente entra nas ânforas? A explicação está na sua potência. Com poucas exceções, os vinhos em talha pedem uvas não tão potentes.

Outro ponto é o que define uma ânfora. Tanques de concreto em formato deste vaso podem ser considerados uma ânfora? Luís Leão, enólogo da alentejana Quinta do Paral, diz que sim, que é o formato que define a ânfora. Hoje sabe-se que a sua forma levemente arredondada faz com que o vinho se movimente no seu interior, garantindo uma maior integração entre seus componentes. Mas a maioria dos enólogos afirma que a ânfora tem de ser de barro, de preferência da própria região do vinho, e muitos criticam até quando ela é vedada com epóxi no seu interior.

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Talha ou ânfora

O nome também causa polêmica: há uma pressão em Portugal para que só sejam chamados de talha aqueles vinhos que estão na DOC Talha. Trata-se da denominação de origem que regula estes vinhos, em geral de produção mais artesanal, no Alentejo. Uma das regras é que a talha seja aberta na data de São Martinho, sempre no dia 11 de novembro. A data pode ser festiva – e realmente é, com os pequenos produtores artesanais abrindo as talhas na data e convidando os vizinhos (e atualmente também os turistas que estão por lá) para provarem os vinhos.

A questão é que nem todos os produtores alentejanos elaboram seus vinhos dentro nas regras da DOC Talha e, assim, não podem utilizar o nome em seus vinhos. “O caminho é chamar de ânforas, mas assim o termo talha, tão alentejano, vai caindo em desuso”, afirma Ribeiro, o organizador do evento, junto com sua mulher, a também enóloga Catarina Vieira. Para muitos produtores, o vinho cresce em complexidade quando fica mais tempo em ânfora e não apenas os dois a três meses desde sua colheita. Assim como outros são elaborados em tanques de inox e depois amadurem em talhas.

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Outro ponto está no estágio em ânforas. O próprio Ribeiro, que lidera os produtores mais modernos, trabalha com as ânforas de diversas maneiras e formatos – ele tem desde o vinho que fermenta nestes potes, tanto no Rocim como na sua vinícola pessoal, a Bojador, como outros que fazem curtos estágios nestes potes, de formatos diferentes. O que prova que ainda há muito que explorar nas talhas.

A ânfora e suas versões

  • Direto da Georgia, o produtor Shota Lagazidze trouxe um único vinho para o Amphora Wine Day, o branco elaborado com a uva autóctone kisi. Seguidor da cartilha do vinho natural, ele gosta de longas maturações em qvevris, como são chamados os potes de terracota na Georgia, que são enterrados. É um branco mais potente, mesmo com as notas florais e a longa persistência.
  • Pedro Ribeiro se tornou o especialista em talhas, desde quando a crítica inglesa Jancis Robinson elegeu o Bojador como vinho de destaque no Alentejo, no início dos anos 2000. Atualmente, no portfolio da Herdade do Rocim e no Bojador, seus dois projetos, há diversos estilos de talha, mas tanto o Rocim Amphora (R$ 328, na WorldWine) como o Bojador (que em breve estará no catálogo da Grand Cru), são boas pedidas para iniciar no mundo das talhas.
  • As talhas são a nova faceta do enólogo Hamilton Reis, mais conhecido pelo seu trabalho nas vinícolas alentejanas Cortes de Cima e, atualmente, no Mouchão. O Natus é o seu projeto pessoal, na Vidigueira, que tem as talhas como norte. Um deles é o Natus branco, que fermenta uma parte nas talhas e outra em barricas muito antigas, por aqui importados pela Adega Alentejana.
  • Para quem acha que talha é só no Alentejo, tem de conhecer o projeto do Dirk Niepoort em ânforas no Douro. Apresentado pelo enólogo Luís Pedro Cândido da Silva, este ânfora integra a linha Nat Cool, de vinhos mais leves e fácil de beber. É quase uma faceta mais moderna às talhas, por valorizar vinhos menos complexos, mas muito redondos e equilibrados.
O vinho em ânfora é uma bebida rústica, elaborada em potes de terracota que, conforme a sua origem, são chamados de talha, ânfora ou qvevris Foto: Ricardo Bernardo

Esqueça aquela ideia de que vinho em ânfora é sempre uma bebida rústica, simples e, às vezes, com defeitos de fermentação. Elaborados nestes potes de terracota, que conforme a sua origem são chamados de talha, ânfora ou qvevris, estes brancos e tintos vem ganhando qualidade nas safras mais recentes. O melhor exemplo é o Júpiter, um vinho de ânfora da safra de 2015, que chegou ao mercado com preço de 1 mil euros (no Brasil, é comercializado por R$ 18,8 mil na World Wine).

O júpiter

A complexidade do Júpiter chama a atenção. Ele nasceu na Herdade do Rocim, vinícola alentejana, quando uvas da recém-comprada Vinha da Micaela foram colocadas aleatoriamente em três ânforas. Quis o destino que uma dessas talhas se destacasse tanto pela qualidade que foi separada para um projeto futuro. E desde a safra seguinte o enólogo Pedro Ribeiro tenta repetir o vinho sem sucesso. “O capataz não sabe dizer que uvas colocou em cada talha”, lamenta Ribeiro.

Mas, mesmo sendo um vinho de uma única safra, o Júpiter aponta para a qualidade crescente dos brancos e tintos elaborados nestes recipientes e até levanta novas discussões em torno da talha, tema que reverbera no Amphora Wine Day (AWD). Em sua sexta edição, realizada em meados de novembro no Alentejo, em Portugal, o evento reuniu mais de 60 produtores destes vinhos, de países tão diversos como Portugal e Georgia, conhecidos por suas talhas ou qvevris, como são chamados os potes georgianos, mas também Espanha, Itália e África do Sul, entre outros países. E, quem sabe um dia também o Brasil, já que por aqui temos alguns poucos produtores deste estilo de vinho.

Os enólogos Pedro Ribeiro e Catarina Vieira Foto: Ricardo Bernardo

Quais as uvas?

No próprio evento, o jornalista português Luís Lopes levanta a questão: há uvas próprias para as talhas? Em Portugal, as variedades locais como moreto, perrum e até a castelão parecem ganhar a preferência dos produtores. Mas por que a alicante bouschet, quase a rainha do Alentejo, raramente entra nas ânforas? A explicação está na sua potência. Com poucas exceções, os vinhos em talha pedem uvas não tão potentes.

Outro ponto é o que define uma ânfora. Tanques de concreto em formato deste vaso podem ser considerados uma ânfora? Luís Leão, enólogo da alentejana Quinta do Paral, diz que sim, que é o formato que define a ânfora. Hoje sabe-se que a sua forma levemente arredondada faz com que o vinho se movimente no seu interior, garantindo uma maior integração entre seus componentes. Mas a maioria dos enólogos afirma que a ânfora tem de ser de barro, de preferência da própria região do vinho, e muitos criticam até quando ela é vedada com epóxi no seu interior.

Talha ou ânfora

O nome também causa polêmica: há uma pressão em Portugal para que só sejam chamados de talha aqueles vinhos que estão na DOC Talha. Trata-se da denominação de origem que regula estes vinhos, em geral de produção mais artesanal, no Alentejo. Uma das regras é que a talha seja aberta na data de São Martinho, sempre no dia 11 de novembro. A data pode ser festiva – e realmente é, com os pequenos produtores artesanais abrindo as talhas na data e convidando os vizinhos (e atualmente também os turistas que estão por lá) para provarem os vinhos.

A questão é que nem todos os produtores alentejanos elaboram seus vinhos dentro nas regras da DOC Talha e, assim, não podem utilizar o nome em seus vinhos. “O caminho é chamar de ânforas, mas assim o termo talha, tão alentejano, vai caindo em desuso”, afirma Ribeiro, o organizador do evento, junto com sua mulher, a também enóloga Catarina Vieira. Para muitos produtores, o vinho cresce em complexidade quando fica mais tempo em ânfora e não apenas os dois a três meses desde sua colheita. Assim como outros são elaborados em tanques de inox e depois amadurem em talhas.

Outro ponto está no estágio em ânforas. O próprio Ribeiro, que lidera os produtores mais modernos, trabalha com as ânforas de diversas maneiras e formatos – ele tem desde o vinho que fermenta nestes potes, tanto no Rocim como na sua vinícola pessoal, a Bojador, como outros que fazem curtos estágios nestes potes, de formatos diferentes. O que prova que ainda há muito que explorar nas talhas.

A ânfora e suas versões

  • Direto da Georgia, o produtor Shota Lagazidze trouxe um único vinho para o Amphora Wine Day, o branco elaborado com a uva autóctone kisi. Seguidor da cartilha do vinho natural, ele gosta de longas maturações em qvevris, como são chamados os potes de terracota na Georgia, que são enterrados. É um branco mais potente, mesmo com as notas florais e a longa persistência.
  • Pedro Ribeiro se tornou o especialista em talhas, desde quando a crítica inglesa Jancis Robinson elegeu o Bojador como vinho de destaque no Alentejo, no início dos anos 2000. Atualmente, no portfolio da Herdade do Rocim e no Bojador, seus dois projetos, há diversos estilos de talha, mas tanto o Rocim Amphora (R$ 328, na WorldWine) como o Bojador (que em breve estará no catálogo da Grand Cru), são boas pedidas para iniciar no mundo das talhas.
  • As talhas são a nova faceta do enólogo Hamilton Reis, mais conhecido pelo seu trabalho nas vinícolas alentejanas Cortes de Cima e, atualmente, no Mouchão. O Natus é o seu projeto pessoal, na Vidigueira, que tem as talhas como norte. Um deles é o Natus branco, que fermenta uma parte nas talhas e outra em barricas muito antigas, por aqui importados pela Adega Alentejana.
  • Para quem acha que talha é só no Alentejo, tem de conhecer o projeto do Dirk Niepoort em ânforas no Douro. Apresentado pelo enólogo Luís Pedro Cândido da Silva, este ânfora integra a linha Nat Cool, de vinhos mais leves e fácil de beber. É quase uma faceta mais moderna às talhas, por valorizar vinhos menos complexos, mas muito redondos e equilibrados.
O vinho em ânfora é uma bebida rústica, elaborada em potes de terracota que, conforme a sua origem, são chamados de talha, ânfora ou qvevris Foto: Ricardo Bernardo

Esqueça aquela ideia de que vinho em ânfora é sempre uma bebida rústica, simples e, às vezes, com defeitos de fermentação. Elaborados nestes potes de terracota, que conforme a sua origem são chamados de talha, ânfora ou qvevris, estes brancos e tintos vem ganhando qualidade nas safras mais recentes. O melhor exemplo é o Júpiter, um vinho de ânfora da safra de 2015, que chegou ao mercado com preço de 1 mil euros (no Brasil, é comercializado por R$ 18,8 mil na World Wine).

O júpiter

A complexidade do Júpiter chama a atenção. Ele nasceu na Herdade do Rocim, vinícola alentejana, quando uvas da recém-comprada Vinha da Micaela foram colocadas aleatoriamente em três ânforas. Quis o destino que uma dessas talhas se destacasse tanto pela qualidade que foi separada para um projeto futuro. E desde a safra seguinte o enólogo Pedro Ribeiro tenta repetir o vinho sem sucesso. “O capataz não sabe dizer que uvas colocou em cada talha”, lamenta Ribeiro.

Mas, mesmo sendo um vinho de uma única safra, o Júpiter aponta para a qualidade crescente dos brancos e tintos elaborados nestes recipientes e até levanta novas discussões em torno da talha, tema que reverbera no Amphora Wine Day (AWD). Em sua sexta edição, realizada em meados de novembro no Alentejo, em Portugal, o evento reuniu mais de 60 produtores destes vinhos, de países tão diversos como Portugal e Georgia, conhecidos por suas talhas ou qvevris, como são chamados os potes georgianos, mas também Espanha, Itália e África do Sul, entre outros países. E, quem sabe um dia também o Brasil, já que por aqui temos alguns poucos produtores deste estilo de vinho.

Os enólogos Pedro Ribeiro e Catarina Vieira Foto: Ricardo Bernardo

Quais as uvas?

No próprio evento, o jornalista português Luís Lopes levanta a questão: há uvas próprias para as talhas? Em Portugal, as variedades locais como moreto, perrum e até a castelão parecem ganhar a preferência dos produtores. Mas por que a alicante bouschet, quase a rainha do Alentejo, raramente entra nas ânforas? A explicação está na sua potência. Com poucas exceções, os vinhos em talha pedem uvas não tão potentes.

Outro ponto é o que define uma ânfora. Tanques de concreto em formato deste vaso podem ser considerados uma ânfora? Luís Leão, enólogo da alentejana Quinta do Paral, diz que sim, que é o formato que define a ânfora. Hoje sabe-se que a sua forma levemente arredondada faz com que o vinho se movimente no seu interior, garantindo uma maior integração entre seus componentes. Mas a maioria dos enólogos afirma que a ânfora tem de ser de barro, de preferência da própria região do vinho, e muitos criticam até quando ela é vedada com epóxi no seu interior.

Talha ou ânfora

O nome também causa polêmica: há uma pressão em Portugal para que só sejam chamados de talha aqueles vinhos que estão na DOC Talha. Trata-se da denominação de origem que regula estes vinhos, em geral de produção mais artesanal, no Alentejo. Uma das regras é que a talha seja aberta na data de São Martinho, sempre no dia 11 de novembro. A data pode ser festiva – e realmente é, com os pequenos produtores artesanais abrindo as talhas na data e convidando os vizinhos (e atualmente também os turistas que estão por lá) para provarem os vinhos.

A questão é que nem todos os produtores alentejanos elaboram seus vinhos dentro nas regras da DOC Talha e, assim, não podem utilizar o nome em seus vinhos. “O caminho é chamar de ânforas, mas assim o termo talha, tão alentejano, vai caindo em desuso”, afirma Ribeiro, o organizador do evento, junto com sua mulher, a também enóloga Catarina Vieira. Para muitos produtores, o vinho cresce em complexidade quando fica mais tempo em ânfora e não apenas os dois a três meses desde sua colheita. Assim como outros são elaborados em tanques de inox e depois amadurem em talhas.

Outro ponto está no estágio em ânforas. O próprio Ribeiro, que lidera os produtores mais modernos, trabalha com as ânforas de diversas maneiras e formatos – ele tem desde o vinho que fermenta nestes potes, tanto no Rocim como na sua vinícola pessoal, a Bojador, como outros que fazem curtos estágios nestes potes, de formatos diferentes. O que prova que ainda há muito que explorar nas talhas.

A ânfora e suas versões

  • Direto da Georgia, o produtor Shota Lagazidze trouxe um único vinho para o Amphora Wine Day, o branco elaborado com a uva autóctone kisi. Seguidor da cartilha do vinho natural, ele gosta de longas maturações em qvevris, como são chamados os potes de terracota na Georgia, que são enterrados. É um branco mais potente, mesmo com as notas florais e a longa persistência.
  • Pedro Ribeiro se tornou o especialista em talhas, desde quando a crítica inglesa Jancis Robinson elegeu o Bojador como vinho de destaque no Alentejo, no início dos anos 2000. Atualmente, no portfolio da Herdade do Rocim e no Bojador, seus dois projetos, há diversos estilos de talha, mas tanto o Rocim Amphora (R$ 328, na WorldWine) como o Bojador (que em breve estará no catálogo da Grand Cru), são boas pedidas para iniciar no mundo das talhas.
  • As talhas são a nova faceta do enólogo Hamilton Reis, mais conhecido pelo seu trabalho nas vinícolas alentejanas Cortes de Cima e, atualmente, no Mouchão. O Natus é o seu projeto pessoal, na Vidigueira, que tem as talhas como norte. Um deles é o Natus branco, que fermenta uma parte nas talhas e outra em barricas muito antigas, por aqui importados pela Adega Alentejana.
  • Para quem acha que talha é só no Alentejo, tem de conhecer o projeto do Dirk Niepoort em ânforas no Douro. Apresentado pelo enólogo Luís Pedro Cândido da Silva, este ânfora integra a linha Nat Cool, de vinhos mais leves e fácil de beber. É quase uma faceta mais moderna às talhas, por valorizar vinhos menos complexos, mas muito redondos e equilibrados.
O vinho em ânfora é uma bebida rústica, elaborada em potes de terracota que, conforme a sua origem, são chamados de talha, ânfora ou qvevris Foto: Ricardo Bernardo

Esqueça aquela ideia de que vinho em ânfora é sempre uma bebida rústica, simples e, às vezes, com defeitos de fermentação. Elaborados nestes potes de terracota, que conforme a sua origem são chamados de talha, ânfora ou qvevris, estes brancos e tintos vem ganhando qualidade nas safras mais recentes. O melhor exemplo é o Júpiter, um vinho de ânfora da safra de 2015, que chegou ao mercado com preço de 1 mil euros (no Brasil, é comercializado por R$ 18,8 mil na World Wine).

O júpiter

A complexidade do Júpiter chama a atenção. Ele nasceu na Herdade do Rocim, vinícola alentejana, quando uvas da recém-comprada Vinha da Micaela foram colocadas aleatoriamente em três ânforas. Quis o destino que uma dessas talhas se destacasse tanto pela qualidade que foi separada para um projeto futuro. E desde a safra seguinte o enólogo Pedro Ribeiro tenta repetir o vinho sem sucesso. “O capataz não sabe dizer que uvas colocou em cada talha”, lamenta Ribeiro.

Mas, mesmo sendo um vinho de uma única safra, o Júpiter aponta para a qualidade crescente dos brancos e tintos elaborados nestes recipientes e até levanta novas discussões em torno da talha, tema que reverbera no Amphora Wine Day (AWD). Em sua sexta edição, realizada em meados de novembro no Alentejo, em Portugal, o evento reuniu mais de 60 produtores destes vinhos, de países tão diversos como Portugal e Georgia, conhecidos por suas talhas ou qvevris, como são chamados os potes georgianos, mas também Espanha, Itália e África do Sul, entre outros países. E, quem sabe um dia também o Brasil, já que por aqui temos alguns poucos produtores deste estilo de vinho.

Os enólogos Pedro Ribeiro e Catarina Vieira Foto: Ricardo Bernardo

Quais as uvas?

No próprio evento, o jornalista português Luís Lopes levanta a questão: há uvas próprias para as talhas? Em Portugal, as variedades locais como moreto, perrum e até a castelão parecem ganhar a preferência dos produtores. Mas por que a alicante bouschet, quase a rainha do Alentejo, raramente entra nas ânforas? A explicação está na sua potência. Com poucas exceções, os vinhos em talha pedem uvas não tão potentes.

Outro ponto é o que define uma ânfora. Tanques de concreto em formato deste vaso podem ser considerados uma ânfora? Luís Leão, enólogo da alentejana Quinta do Paral, diz que sim, que é o formato que define a ânfora. Hoje sabe-se que a sua forma levemente arredondada faz com que o vinho se movimente no seu interior, garantindo uma maior integração entre seus componentes. Mas a maioria dos enólogos afirma que a ânfora tem de ser de barro, de preferência da própria região do vinho, e muitos criticam até quando ela é vedada com epóxi no seu interior.

Talha ou ânfora

O nome também causa polêmica: há uma pressão em Portugal para que só sejam chamados de talha aqueles vinhos que estão na DOC Talha. Trata-se da denominação de origem que regula estes vinhos, em geral de produção mais artesanal, no Alentejo. Uma das regras é que a talha seja aberta na data de São Martinho, sempre no dia 11 de novembro. A data pode ser festiva – e realmente é, com os pequenos produtores artesanais abrindo as talhas na data e convidando os vizinhos (e atualmente também os turistas que estão por lá) para provarem os vinhos.

A questão é que nem todos os produtores alentejanos elaboram seus vinhos dentro nas regras da DOC Talha e, assim, não podem utilizar o nome em seus vinhos. “O caminho é chamar de ânforas, mas assim o termo talha, tão alentejano, vai caindo em desuso”, afirma Ribeiro, o organizador do evento, junto com sua mulher, a também enóloga Catarina Vieira. Para muitos produtores, o vinho cresce em complexidade quando fica mais tempo em ânfora e não apenas os dois a três meses desde sua colheita. Assim como outros são elaborados em tanques de inox e depois amadurem em talhas.

Outro ponto está no estágio em ânforas. O próprio Ribeiro, que lidera os produtores mais modernos, trabalha com as ânforas de diversas maneiras e formatos – ele tem desde o vinho que fermenta nestes potes, tanto no Rocim como na sua vinícola pessoal, a Bojador, como outros que fazem curtos estágios nestes potes, de formatos diferentes. O que prova que ainda há muito que explorar nas talhas.

A ânfora e suas versões

  • Direto da Georgia, o produtor Shota Lagazidze trouxe um único vinho para o Amphora Wine Day, o branco elaborado com a uva autóctone kisi. Seguidor da cartilha do vinho natural, ele gosta de longas maturações em qvevris, como são chamados os potes de terracota na Georgia, que são enterrados. É um branco mais potente, mesmo com as notas florais e a longa persistência.
  • Pedro Ribeiro se tornou o especialista em talhas, desde quando a crítica inglesa Jancis Robinson elegeu o Bojador como vinho de destaque no Alentejo, no início dos anos 2000. Atualmente, no portfolio da Herdade do Rocim e no Bojador, seus dois projetos, há diversos estilos de talha, mas tanto o Rocim Amphora (R$ 328, na WorldWine) como o Bojador (que em breve estará no catálogo da Grand Cru), são boas pedidas para iniciar no mundo das talhas.
  • As talhas são a nova faceta do enólogo Hamilton Reis, mais conhecido pelo seu trabalho nas vinícolas alentejanas Cortes de Cima e, atualmente, no Mouchão. O Natus é o seu projeto pessoal, na Vidigueira, que tem as talhas como norte. Um deles é o Natus branco, que fermenta uma parte nas talhas e outra em barricas muito antigas, por aqui importados pela Adega Alentejana.
  • Para quem acha que talha é só no Alentejo, tem de conhecer o projeto do Dirk Niepoort em ânforas no Douro. Apresentado pelo enólogo Luís Pedro Cândido da Silva, este ânfora integra a linha Nat Cool, de vinhos mais leves e fácil de beber. É quase uma faceta mais moderna às talhas, por valorizar vinhos menos complexos, mas muito redondos e equilibrados.
O vinho em ânfora é uma bebida rústica, elaborada em potes de terracota que, conforme a sua origem, são chamados de talha, ânfora ou qvevris Foto: Ricardo Bernardo

Esqueça aquela ideia de que vinho em ânfora é sempre uma bebida rústica, simples e, às vezes, com defeitos de fermentação. Elaborados nestes potes de terracota, que conforme a sua origem são chamados de talha, ânfora ou qvevris, estes brancos e tintos vem ganhando qualidade nas safras mais recentes. O melhor exemplo é o Júpiter, um vinho de ânfora da safra de 2015, que chegou ao mercado com preço de 1 mil euros (no Brasil, é comercializado por R$ 18,8 mil na World Wine).

O júpiter

A complexidade do Júpiter chama a atenção. Ele nasceu na Herdade do Rocim, vinícola alentejana, quando uvas da recém-comprada Vinha da Micaela foram colocadas aleatoriamente em três ânforas. Quis o destino que uma dessas talhas se destacasse tanto pela qualidade que foi separada para um projeto futuro. E desde a safra seguinte o enólogo Pedro Ribeiro tenta repetir o vinho sem sucesso. “O capataz não sabe dizer que uvas colocou em cada talha”, lamenta Ribeiro.

Mas, mesmo sendo um vinho de uma única safra, o Júpiter aponta para a qualidade crescente dos brancos e tintos elaborados nestes recipientes e até levanta novas discussões em torno da talha, tema que reverbera no Amphora Wine Day (AWD). Em sua sexta edição, realizada em meados de novembro no Alentejo, em Portugal, o evento reuniu mais de 60 produtores destes vinhos, de países tão diversos como Portugal e Georgia, conhecidos por suas talhas ou qvevris, como são chamados os potes georgianos, mas também Espanha, Itália e África do Sul, entre outros países. E, quem sabe um dia também o Brasil, já que por aqui temos alguns poucos produtores deste estilo de vinho.

Os enólogos Pedro Ribeiro e Catarina Vieira Foto: Ricardo Bernardo

Quais as uvas?

No próprio evento, o jornalista português Luís Lopes levanta a questão: há uvas próprias para as talhas? Em Portugal, as variedades locais como moreto, perrum e até a castelão parecem ganhar a preferência dos produtores. Mas por que a alicante bouschet, quase a rainha do Alentejo, raramente entra nas ânforas? A explicação está na sua potência. Com poucas exceções, os vinhos em talha pedem uvas não tão potentes.

Outro ponto é o que define uma ânfora. Tanques de concreto em formato deste vaso podem ser considerados uma ânfora? Luís Leão, enólogo da alentejana Quinta do Paral, diz que sim, que é o formato que define a ânfora. Hoje sabe-se que a sua forma levemente arredondada faz com que o vinho se movimente no seu interior, garantindo uma maior integração entre seus componentes. Mas a maioria dos enólogos afirma que a ânfora tem de ser de barro, de preferência da própria região do vinho, e muitos criticam até quando ela é vedada com epóxi no seu interior.

Talha ou ânfora

O nome também causa polêmica: há uma pressão em Portugal para que só sejam chamados de talha aqueles vinhos que estão na DOC Talha. Trata-se da denominação de origem que regula estes vinhos, em geral de produção mais artesanal, no Alentejo. Uma das regras é que a talha seja aberta na data de São Martinho, sempre no dia 11 de novembro. A data pode ser festiva – e realmente é, com os pequenos produtores artesanais abrindo as talhas na data e convidando os vizinhos (e atualmente também os turistas que estão por lá) para provarem os vinhos.

A questão é que nem todos os produtores alentejanos elaboram seus vinhos dentro nas regras da DOC Talha e, assim, não podem utilizar o nome em seus vinhos. “O caminho é chamar de ânforas, mas assim o termo talha, tão alentejano, vai caindo em desuso”, afirma Ribeiro, o organizador do evento, junto com sua mulher, a também enóloga Catarina Vieira. Para muitos produtores, o vinho cresce em complexidade quando fica mais tempo em ânfora e não apenas os dois a três meses desde sua colheita. Assim como outros são elaborados em tanques de inox e depois amadurem em talhas.

Outro ponto está no estágio em ânforas. O próprio Ribeiro, que lidera os produtores mais modernos, trabalha com as ânforas de diversas maneiras e formatos – ele tem desde o vinho que fermenta nestes potes, tanto no Rocim como na sua vinícola pessoal, a Bojador, como outros que fazem curtos estágios nestes potes, de formatos diferentes. O que prova que ainda há muito que explorar nas talhas.

A ânfora e suas versões

  • Direto da Georgia, o produtor Shota Lagazidze trouxe um único vinho para o Amphora Wine Day, o branco elaborado com a uva autóctone kisi. Seguidor da cartilha do vinho natural, ele gosta de longas maturações em qvevris, como são chamados os potes de terracota na Georgia, que são enterrados. É um branco mais potente, mesmo com as notas florais e a longa persistência.
  • Pedro Ribeiro se tornou o especialista em talhas, desde quando a crítica inglesa Jancis Robinson elegeu o Bojador como vinho de destaque no Alentejo, no início dos anos 2000. Atualmente, no portfolio da Herdade do Rocim e no Bojador, seus dois projetos, há diversos estilos de talha, mas tanto o Rocim Amphora (R$ 328, na WorldWine) como o Bojador (que em breve estará no catálogo da Grand Cru), são boas pedidas para iniciar no mundo das talhas.
  • As talhas são a nova faceta do enólogo Hamilton Reis, mais conhecido pelo seu trabalho nas vinícolas alentejanas Cortes de Cima e, atualmente, no Mouchão. O Natus é o seu projeto pessoal, na Vidigueira, que tem as talhas como norte. Um deles é o Natus branco, que fermenta uma parte nas talhas e outra em barricas muito antigas, por aqui importados pela Adega Alentejana.
  • Para quem acha que talha é só no Alentejo, tem de conhecer o projeto do Dirk Niepoort em ânforas no Douro. Apresentado pelo enólogo Luís Pedro Cândido da Silva, este ânfora integra a linha Nat Cool, de vinhos mais leves e fácil de beber. É quase uma faceta mais moderna às talhas, por valorizar vinhos menos complexos, mas muito redondos e equilibrados.
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