Ingredientes brasileiros estudados na cozinha

As histórias e o sabor bem amazonense do tucumã, fruto desconhecido no Sudeste


O tucumã está para Manaus como o açaí está para Belém. A fruta amazônica se presta a diversos preparos: de sanduíche de fast food a óleo das larvas

Por Neide Rigo
Atualização:

Não guardo de minha infância nenhuma memória afetiva relacionada ao tucumã e imagino que boa parte dos que me leem também não. Mas as crianças e adultos que conheci em Lábrea, no sul do Amazonas, onde estive neste último mês, sim. Por lá, em plena safra, o tucumã reina em toda parte – nas bancas do mercado municipal, nas quitandas, no chão das roças ao redor das palmeiras e no comércio improvisado em calçadas pelos moradores. Não há quem não goste naquele canto da Amazônia. Come-se com farinha, acompanhado de café, no beiju de massa ou na tapioca. Para mim, foi sabor adquirido mais tarde, no auge da maturidade, durante uma viagem à Ilha de Marajó. Só anos depois me deparei com o fruto na cidade de Manaus. No mercado, sacas pesadas de tucumãs carnudos adornavam bancas de iguarias locais. Saquinhos com a polpa já beneficiada, tirada em lascas, eram encontrados em pontos variados da cidade. A vantagem é que se podia comprar e já sair comendo, sem precisar cozinhar, como é o caso do coquinho da pupunha.

Fruta está para Manaus como o açaí para Belém Foto: Neide Rigo|Estadão

Há duas espécies conhecidas por tucumã, ambas do gênero Astrocaryum. Em Manaus e arredores predomina a espécie A. aculeatum, ou tucumã-do-amazonas. Nativa das terras firmes da Amazônia, incluindo a porção peruana, colombiana, venezuelana e das Guianas, está presente em toda Amazônia ocidental brasileira, indo até o oeste do Pará, Mato Grosso e Roraima. Palmeira de um só caule cheio de espinhos escuros e grandes, dispostos em anéis, tem frutos com polpa mais carnuda que o tucumã-do-pará (A.vulgare), que cresce em touceira e tem provavelmente o Pará como centro de dispersão, ocorrendo também na Guiana Francesa e Suriname. Ambas têm usos parecidos, com algumas particularidades. Nas ruas de Manaus desde a década de 1990, o sanduíche popular x-caboquinho é o tipo de fast food que cativa manauaras e turistas pela simplicidade e delícia. Trata-se de um irresistível sanduíche com recheio de lascas de tucumã e queijo coalho. As lascas são retiradas depois de se descascar o coquinho rodeando o caroço como se descasca uma laranja. 

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Não sei se a comparação se confirma, mas senti que o tucumã está para Manaus como o açaí está para Belém. O x-caboquinho está por toda parte e pode ser incrementado com banana-da-terra frita. Já em Lábrea, o mais comum é a versão clássica, com tapioca – irresistível.

Numa das vezes em que estive no Marajó, estava comendo tapioca com minha amiga Jerônima Brito, dona da Fazenda São Jerônimo, quando uma moça se aproximou me oferecendo óleo de bicho de tucumã numa garrafinha de plástico. Comprei, claro, e fiquei tão encantada com o perfume, uma mistura de ghee e coco, que quis saber como era feito na prática. Chegando à fazenda, fomos para baixo de um tucumanzeiro conferir os coquinhos secos caídos da safra anterior. Jerônima ensinou: escolha coquinhos com um furinho bem pequeno, sinal da presença do bicho. Um funcionário da fazenda ajudou a abrir com um facão, sem esmagar os bichos. 

As larvas do tucumã podem ser comidas cruas e vivas como ostras. São branquinhas, roliças, engordadas com o puro coco do tucumã. Jerônima assumiu a função de levar os bichos ao fogo. Com o calor, foram soltando um óleo clarinho e perfumado, com sabor amendoado. Fritos são gostosos e crocantes como torresmos, para comer com farinha. A gordura que resta na frigideira é farta e pode ser usada para cozinhar ou como remédio caseiro para muitos males.

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Outra forma de preparo no Marajó, segundo Jerônima, é passar os pedacinhos de polpa na máquina de moer e triturar como carne moída para fazer sanduíches e tortas.

Canhapira, receita de porco no tucumã Foto: Neide Rigo|Estadão

 

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Tem ainda o refresco de tucumã. Para prepará-lo, Jerônima tem uma dica: bater junto com a água e a polpa uma goiabinha verde, para evitar que fique viscoso demais – é como tirar baba de quiabo. Depois é só peneirar, adoçar e servir bem gelado. 

Com a polpa, dona Jerônima também faz vinho de tucumã para comer com farinha. Basta tirar as lascas e diluir com água – no pilão ou no liquidificador – e passar por peneira. É o vinho que se come com farinha de mandioca puba e se usa no preparo da canhapira, prato que Jerônima comia quando criança e quase não se vê mais. Originalmente, era simplesmente carne de caça cozida no vinho de tucumã. Atualmente ela faz com outras carnes, como as de ave, de porco ou búfalo.

Vale lembrar que o tucumã poderia estar na merenda das escolas amazônicas como um alimento nutritivo com fortes laços identitários com a cultura local. Mas, infelizmente, isto ainda está longe de ser realidade. Como merenda, fortaleceria o mercado local e ajudaria a manter a floresta em pé, já que a maior parte do tucumã provém do extrativismo florestal. Para aqueles que não conhecem e estão loucos para provar, sugiro que vivenciem o tucumã em seu território de origem. Viajemos para nos encantar com tucumãs e outras preciosidades amazônicas. Mas traga na bagagem de volta alguns coquinhos para fazer uma canhapira.

Não guardo de minha infância nenhuma memória afetiva relacionada ao tucumã e imagino que boa parte dos que me leem também não. Mas as crianças e adultos que conheci em Lábrea, no sul do Amazonas, onde estive neste último mês, sim. Por lá, em plena safra, o tucumã reina em toda parte – nas bancas do mercado municipal, nas quitandas, no chão das roças ao redor das palmeiras e no comércio improvisado em calçadas pelos moradores. Não há quem não goste naquele canto da Amazônia. Come-se com farinha, acompanhado de café, no beiju de massa ou na tapioca. Para mim, foi sabor adquirido mais tarde, no auge da maturidade, durante uma viagem à Ilha de Marajó. Só anos depois me deparei com o fruto na cidade de Manaus. No mercado, sacas pesadas de tucumãs carnudos adornavam bancas de iguarias locais. Saquinhos com a polpa já beneficiada, tirada em lascas, eram encontrados em pontos variados da cidade. A vantagem é que se podia comprar e já sair comendo, sem precisar cozinhar, como é o caso do coquinho da pupunha.

Fruta está para Manaus como o açaí para Belém Foto: Neide Rigo|Estadão

Há duas espécies conhecidas por tucumã, ambas do gênero Astrocaryum. Em Manaus e arredores predomina a espécie A. aculeatum, ou tucumã-do-amazonas. Nativa das terras firmes da Amazônia, incluindo a porção peruana, colombiana, venezuelana e das Guianas, está presente em toda Amazônia ocidental brasileira, indo até o oeste do Pará, Mato Grosso e Roraima. Palmeira de um só caule cheio de espinhos escuros e grandes, dispostos em anéis, tem frutos com polpa mais carnuda que o tucumã-do-pará (A.vulgare), que cresce em touceira e tem provavelmente o Pará como centro de dispersão, ocorrendo também na Guiana Francesa e Suriname. Ambas têm usos parecidos, com algumas particularidades. Nas ruas de Manaus desde a década de 1990, o sanduíche popular x-caboquinho é o tipo de fast food que cativa manauaras e turistas pela simplicidade e delícia. Trata-se de um irresistível sanduíche com recheio de lascas de tucumã e queijo coalho. As lascas são retiradas depois de se descascar o coquinho rodeando o caroço como se descasca uma laranja. 

Não sei se a comparação se confirma, mas senti que o tucumã está para Manaus como o açaí está para Belém. O x-caboquinho está por toda parte e pode ser incrementado com banana-da-terra frita. Já em Lábrea, o mais comum é a versão clássica, com tapioca – irresistível.

Numa das vezes em que estive no Marajó, estava comendo tapioca com minha amiga Jerônima Brito, dona da Fazenda São Jerônimo, quando uma moça se aproximou me oferecendo óleo de bicho de tucumã numa garrafinha de plástico. Comprei, claro, e fiquei tão encantada com o perfume, uma mistura de ghee e coco, que quis saber como era feito na prática. Chegando à fazenda, fomos para baixo de um tucumanzeiro conferir os coquinhos secos caídos da safra anterior. Jerônima ensinou: escolha coquinhos com um furinho bem pequeno, sinal da presença do bicho. Um funcionário da fazenda ajudou a abrir com um facão, sem esmagar os bichos. 

As larvas do tucumã podem ser comidas cruas e vivas como ostras. São branquinhas, roliças, engordadas com o puro coco do tucumã. Jerônima assumiu a função de levar os bichos ao fogo. Com o calor, foram soltando um óleo clarinho e perfumado, com sabor amendoado. Fritos são gostosos e crocantes como torresmos, para comer com farinha. A gordura que resta na frigideira é farta e pode ser usada para cozinhar ou como remédio caseiro para muitos males.

Outra forma de preparo no Marajó, segundo Jerônima, é passar os pedacinhos de polpa na máquina de moer e triturar como carne moída para fazer sanduíches e tortas.

Canhapira, receita de porco no tucumã Foto: Neide Rigo|Estadão

 

Tem ainda o refresco de tucumã. Para prepará-lo, Jerônima tem uma dica: bater junto com a água e a polpa uma goiabinha verde, para evitar que fique viscoso demais – é como tirar baba de quiabo. Depois é só peneirar, adoçar e servir bem gelado. 

Com a polpa, dona Jerônima também faz vinho de tucumã para comer com farinha. Basta tirar as lascas e diluir com água – no pilão ou no liquidificador – e passar por peneira. É o vinho que se come com farinha de mandioca puba e se usa no preparo da canhapira, prato que Jerônima comia quando criança e quase não se vê mais. Originalmente, era simplesmente carne de caça cozida no vinho de tucumã. Atualmente ela faz com outras carnes, como as de ave, de porco ou búfalo.

Vale lembrar que o tucumã poderia estar na merenda das escolas amazônicas como um alimento nutritivo com fortes laços identitários com a cultura local. Mas, infelizmente, isto ainda está longe de ser realidade. Como merenda, fortaleceria o mercado local e ajudaria a manter a floresta em pé, já que a maior parte do tucumã provém do extrativismo florestal. Para aqueles que não conhecem e estão loucos para provar, sugiro que vivenciem o tucumã em seu território de origem. Viajemos para nos encantar com tucumãs e outras preciosidades amazônicas. Mas traga na bagagem de volta alguns coquinhos para fazer uma canhapira.

Não guardo de minha infância nenhuma memória afetiva relacionada ao tucumã e imagino que boa parte dos que me leem também não. Mas as crianças e adultos que conheci em Lábrea, no sul do Amazonas, onde estive neste último mês, sim. Por lá, em plena safra, o tucumã reina em toda parte – nas bancas do mercado municipal, nas quitandas, no chão das roças ao redor das palmeiras e no comércio improvisado em calçadas pelos moradores. Não há quem não goste naquele canto da Amazônia. Come-se com farinha, acompanhado de café, no beiju de massa ou na tapioca. Para mim, foi sabor adquirido mais tarde, no auge da maturidade, durante uma viagem à Ilha de Marajó. Só anos depois me deparei com o fruto na cidade de Manaus. No mercado, sacas pesadas de tucumãs carnudos adornavam bancas de iguarias locais. Saquinhos com a polpa já beneficiada, tirada em lascas, eram encontrados em pontos variados da cidade. A vantagem é que se podia comprar e já sair comendo, sem precisar cozinhar, como é o caso do coquinho da pupunha.

Fruta está para Manaus como o açaí para Belém Foto: Neide Rigo|Estadão

Há duas espécies conhecidas por tucumã, ambas do gênero Astrocaryum. Em Manaus e arredores predomina a espécie A. aculeatum, ou tucumã-do-amazonas. Nativa das terras firmes da Amazônia, incluindo a porção peruana, colombiana, venezuelana e das Guianas, está presente em toda Amazônia ocidental brasileira, indo até o oeste do Pará, Mato Grosso e Roraima. Palmeira de um só caule cheio de espinhos escuros e grandes, dispostos em anéis, tem frutos com polpa mais carnuda que o tucumã-do-pará (A.vulgare), que cresce em touceira e tem provavelmente o Pará como centro de dispersão, ocorrendo também na Guiana Francesa e Suriname. Ambas têm usos parecidos, com algumas particularidades. Nas ruas de Manaus desde a década de 1990, o sanduíche popular x-caboquinho é o tipo de fast food que cativa manauaras e turistas pela simplicidade e delícia. Trata-se de um irresistível sanduíche com recheio de lascas de tucumã e queijo coalho. As lascas são retiradas depois de se descascar o coquinho rodeando o caroço como se descasca uma laranja. 

Não sei se a comparação se confirma, mas senti que o tucumã está para Manaus como o açaí está para Belém. O x-caboquinho está por toda parte e pode ser incrementado com banana-da-terra frita. Já em Lábrea, o mais comum é a versão clássica, com tapioca – irresistível.

Numa das vezes em que estive no Marajó, estava comendo tapioca com minha amiga Jerônima Brito, dona da Fazenda São Jerônimo, quando uma moça se aproximou me oferecendo óleo de bicho de tucumã numa garrafinha de plástico. Comprei, claro, e fiquei tão encantada com o perfume, uma mistura de ghee e coco, que quis saber como era feito na prática. Chegando à fazenda, fomos para baixo de um tucumanzeiro conferir os coquinhos secos caídos da safra anterior. Jerônima ensinou: escolha coquinhos com um furinho bem pequeno, sinal da presença do bicho. Um funcionário da fazenda ajudou a abrir com um facão, sem esmagar os bichos. 

As larvas do tucumã podem ser comidas cruas e vivas como ostras. São branquinhas, roliças, engordadas com o puro coco do tucumã. Jerônima assumiu a função de levar os bichos ao fogo. Com o calor, foram soltando um óleo clarinho e perfumado, com sabor amendoado. Fritos são gostosos e crocantes como torresmos, para comer com farinha. A gordura que resta na frigideira é farta e pode ser usada para cozinhar ou como remédio caseiro para muitos males.

Outra forma de preparo no Marajó, segundo Jerônima, é passar os pedacinhos de polpa na máquina de moer e triturar como carne moída para fazer sanduíches e tortas.

Canhapira, receita de porco no tucumã Foto: Neide Rigo|Estadão

 

Tem ainda o refresco de tucumã. Para prepará-lo, Jerônima tem uma dica: bater junto com a água e a polpa uma goiabinha verde, para evitar que fique viscoso demais – é como tirar baba de quiabo. Depois é só peneirar, adoçar e servir bem gelado. 

Com a polpa, dona Jerônima também faz vinho de tucumã para comer com farinha. Basta tirar as lascas e diluir com água – no pilão ou no liquidificador – e passar por peneira. É o vinho que se come com farinha de mandioca puba e se usa no preparo da canhapira, prato que Jerônima comia quando criança e quase não se vê mais. Originalmente, era simplesmente carne de caça cozida no vinho de tucumã. Atualmente ela faz com outras carnes, como as de ave, de porco ou búfalo.

Vale lembrar que o tucumã poderia estar na merenda das escolas amazônicas como um alimento nutritivo com fortes laços identitários com a cultura local. Mas, infelizmente, isto ainda está longe de ser realidade. Como merenda, fortaleceria o mercado local e ajudaria a manter a floresta em pé, já que a maior parte do tucumã provém do extrativismo florestal. Para aqueles que não conhecem e estão loucos para provar, sugiro que vivenciem o tucumã em seu território de origem. Viajemos para nos encantar com tucumãs e outras preciosidades amazônicas. Mas traga na bagagem de volta alguns coquinhos para fazer uma canhapira.

Não guardo de minha infância nenhuma memória afetiva relacionada ao tucumã e imagino que boa parte dos que me leem também não. Mas as crianças e adultos que conheci em Lábrea, no sul do Amazonas, onde estive neste último mês, sim. Por lá, em plena safra, o tucumã reina em toda parte – nas bancas do mercado municipal, nas quitandas, no chão das roças ao redor das palmeiras e no comércio improvisado em calçadas pelos moradores. Não há quem não goste naquele canto da Amazônia. Come-se com farinha, acompanhado de café, no beiju de massa ou na tapioca. Para mim, foi sabor adquirido mais tarde, no auge da maturidade, durante uma viagem à Ilha de Marajó. Só anos depois me deparei com o fruto na cidade de Manaus. No mercado, sacas pesadas de tucumãs carnudos adornavam bancas de iguarias locais. Saquinhos com a polpa já beneficiada, tirada em lascas, eram encontrados em pontos variados da cidade. A vantagem é que se podia comprar e já sair comendo, sem precisar cozinhar, como é o caso do coquinho da pupunha.

Fruta está para Manaus como o açaí para Belém Foto: Neide Rigo|Estadão

Há duas espécies conhecidas por tucumã, ambas do gênero Astrocaryum. Em Manaus e arredores predomina a espécie A. aculeatum, ou tucumã-do-amazonas. Nativa das terras firmes da Amazônia, incluindo a porção peruana, colombiana, venezuelana e das Guianas, está presente em toda Amazônia ocidental brasileira, indo até o oeste do Pará, Mato Grosso e Roraima. Palmeira de um só caule cheio de espinhos escuros e grandes, dispostos em anéis, tem frutos com polpa mais carnuda que o tucumã-do-pará (A.vulgare), que cresce em touceira e tem provavelmente o Pará como centro de dispersão, ocorrendo também na Guiana Francesa e Suriname. Ambas têm usos parecidos, com algumas particularidades. Nas ruas de Manaus desde a década de 1990, o sanduíche popular x-caboquinho é o tipo de fast food que cativa manauaras e turistas pela simplicidade e delícia. Trata-se de um irresistível sanduíche com recheio de lascas de tucumã e queijo coalho. As lascas são retiradas depois de se descascar o coquinho rodeando o caroço como se descasca uma laranja. 

Não sei se a comparação se confirma, mas senti que o tucumã está para Manaus como o açaí está para Belém. O x-caboquinho está por toda parte e pode ser incrementado com banana-da-terra frita. Já em Lábrea, o mais comum é a versão clássica, com tapioca – irresistível.

Numa das vezes em que estive no Marajó, estava comendo tapioca com minha amiga Jerônima Brito, dona da Fazenda São Jerônimo, quando uma moça se aproximou me oferecendo óleo de bicho de tucumã numa garrafinha de plástico. Comprei, claro, e fiquei tão encantada com o perfume, uma mistura de ghee e coco, que quis saber como era feito na prática. Chegando à fazenda, fomos para baixo de um tucumanzeiro conferir os coquinhos secos caídos da safra anterior. Jerônima ensinou: escolha coquinhos com um furinho bem pequeno, sinal da presença do bicho. Um funcionário da fazenda ajudou a abrir com um facão, sem esmagar os bichos. 

As larvas do tucumã podem ser comidas cruas e vivas como ostras. São branquinhas, roliças, engordadas com o puro coco do tucumã. Jerônima assumiu a função de levar os bichos ao fogo. Com o calor, foram soltando um óleo clarinho e perfumado, com sabor amendoado. Fritos são gostosos e crocantes como torresmos, para comer com farinha. A gordura que resta na frigideira é farta e pode ser usada para cozinhar ou como remédio caseiro para muitos males.

Outra forma de preparo no Marajó, segundo Jerônima, é passar os pedacinhos de polpa na máquina de moer e triturar como carne moída para fazer sanduíches e tortas.

Canhapira, receita de porco no tucumã Foto: Neide Rigo|Estadão

 

Tem ainda o refresco de tucumã. Para prepará-lo, Jerônima tem uma dica: bater junto com a água e a polpa uma goiabinha verde, para evitar que fique viscoso demais – é como tirar baba de quiabo. Depois é só peneirar, adoçar e servir bem gelado. 

Com a polpa, dona Jerônima também faz vinho de tucumã para comer com farinha. Basta tirar as lascas e diluir com água – no pilão ou no liquidificador – e passar por peneira. É o vinho que se come com farinha de mandioca puba e se usa no preparo da canhapira, prato que Jerônima comia quando criança e quase não se vê mais. Originalmente, era simplesmente carne de caça cozida no vinho de tucumã. Atualmente ela faz com outras carnes, como as de ave, de porco ou búfalo.

Vale lembrar que o tucumã poderia estar na merenda das escolas amazônicas como um alimento nutritivo com fortes laços identitários com a cultura local. Mas, infelizmente, isto ainda está longe de ser realidade. Como merenda, fortaleceria o mercado local e ajudaria a manter a floresta em pé, já que a maior parte do tucumã provém do extrativismo florestal. Para aqueles que não conhecem e estão loucos para provar, sugiro que vivenciem o tucumã em seu território de origem. Viajemos para nos encantar com tucumãs e outras preciosidades amazônicas. Mas traga na bagagem de volta alguns coquinhos para fazer uma canhapira.

Não guardo de minha infância nenhuma memória afetiva relacionada ao tucumã e imagino que boa parte dos que me leem também não. Mas as crianças e adultos que conheci em Lábrea, no sul do Amazonas, onde estive neste último mês, sim. Por lá, em plena safra, o tucumã reina em toda parte – nas bancas do mercado municipal, nas quitandas, no chão das roças ao redor das palmeiras e no comércio improvisado em calçadas pelos moradores. Não há quem não goste naquele canto da Amazônia. Come-se com farinha, acompanhado de café, no beiju de massa ou na tapioca. Para mim, foi sabor adquirido mais tarde, no auge da maturidade, durante uma viagem à Ilha de Marajó. Só anos depois me deparei com o fruto na cidade de Manaus. No mercado, sacas pesadas de tucumãs carnudos adornavam bancas de iguarias locais. Saquinhos com a polpa já beneficiada, tirada em lascas, eram encontrados em pontos variados da cidade. A vantagem é que se podia comprar e já sair comendo, sem precisar cozinhar, como é o caso do coquinho da pupunha.

Fruta está para Manaus como o açaí para Belém Foto: Neide Rigo|Estadão

Há duas espécies conhecidas por tucumã, ambas do gênero Astrocaryum. Em Manaus e arredores predomina a espécie A. aculeatum, ou tucumã-do-amazonas. Nativa das terras firmes da Amazônia, incluindo a porção peruana, colombiana, venezuelana e das Guianas, está presente em toda Amazônia ocidental brasileira, indo até o oeste do Pará, Mato Grosso e Roraima. Palmeira de um só caule cheio de espinhos escuros e grandes, dispostos em anéis, tem frutos com polpa mais carnuda que o tucumã-do-pará (A.vulgare), que cresce em touceira e tem provavelmente o Pará como centro de dispersão, ocorrendo também na Guiana Francesa e Suriname. Ambas têm usos parecidos, com algumas particularidades. Nas ruas de Manaus desde a década de 1990, o sanduíche popular x-caboquinho é o tipo de fast food que cativa manauaras e turistas pela simplicidade e delícia. Trata-se de um irresistível sanduíche com recheio de lascas de tucumã e queijo coalho. As lascas são retiradas depois de se descascar o coquinho rodeando o caroço como se descasca uma laranja. 

Não sei se a comparação se confirma, mas senti que o tucumã está para Manaus como o açaí está para Belém. O x-caboquinho está por toda parte e pode ser incrementado com banana-da-terra frita. Já em Lábrea, o mais comum é a versão clássica, com tapioca – irresistível.

Numa das vezes em que estive no Marajó, estava comendo tapioca com minha amiga Jerônima Brito, dona da Fazenda São Jerônimo, quando uma moça se aproximou me oferecendo óleo de bicho de tucumã numa garrafinha de plástico. Comprei, claro, e fiquei tão encantada com o perfume, uma mistura de ghee e coco, que quis saber como era feito na prática. Chegando à fazenda, fomos para baixo de um tucumanzeiro conferir os coquinhos secos caídos da safra anterior. Jerônima ensinou: escolha coquinhos com um furinho bem pequeno, sinal da presença do bicho. Um funcionário da fazenda ajudou a abrir com um facão, sem esmagar os bichos. 

As larvas do tucumã podem ser comidas cruas e vivas como ostras. São branquinhas, roliças, engordadas com o puro coco do tucumã. Jerônima assumiu a função de levar os bichos ao fogo. Com o calor, foram soltando um óleo clarinho e perfumado, com sabor amendoado. Fritos são gostosos e crocantes como torresmos, para comer com farinha. A gordura que resta na frigideira é farta e pode ser usada para cozinhar ou como remédio caseiro para muitos males.

Outra forma de preparo no Marajó, segundo Jerônima, é passar os pedacinhos de polpa na máquina de moer e triturar como carne moída para fazer sanduíches e tortas.

Canhapira, receita de porco no tucumã Foto: Neide Rigo|Estadão

 

Tem ainda o refresco de tucumã. Para prepará-lo, Jerônima tem uma dica: bater junto com a água e a polpa uma goiabinha verde, para evitar que fique viscoso demais – é como tirar baba de quiabo. Depois é só peneirar, adoçar e servir bem gelado. 

Com a polpa, dona Jerônima também faz vinho de tucumã para comer com farinha. Basta tirar as lascas e diluir com água – no pilão ou no liquidificador – e passar por peneira. É o vinho que se come com farinha de mandioca puba e se usa no preparo da canhapira, prato que Jerônima comia quando criança e quase não se vê mais. Originalmente, era simplesmente carne de caça cozida no vinho de tucumã. Atualmente ela faz com outras carnes, como as de ave, de porco ou búfalo.

Vale lembrar que o tucumã poderia estar na merenda das escolas amazônicas como um alimento nutritivo com fortes laços identitários com a cultura local. Mas, infelizmente, isto ainda está longe de ser realidade. Como merenda, fortaleceria o mercado local e ajudaria a manter a floresta em pé, já que a maior parte do tucumã provém do extrativismo florestal. Para aqueles que não conhecem e estão loucos para provar, sugiro que vivenciem o tucumã em seu território de origem. Viajemos para nos encantar com tucumãs e outras preciosidades amazônicas. Mas traga na bagagem de volta alguns coquinhos para fazer uma canhapira.

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